Jornal do Commercio

Apenas em um instante

O pensamento é de Clarice Lispector: “... se em um instante se nasce, e se morre em um instante, um instante é bastante para a vida inteira.

- DAYSE DE VASCONCELO­S MAYER Dayse de Vasconcelo­s Mayer, doutora em ciências jurídicopo­líticas.

Aagudeza do “instante” é mais sentida com a inclusão da conjunção “se”. Testemos esse raciocínio por meio da confissão de uma estudante: “odeio o Direito, abomino o curso, a Faculdade e os 119 alunos que lotam diariament­e o auditório. Não percebo a existência do Direito na conduta dos homens e das autoridade­s”.

A universitá­ria revelou uma possível verdade entre muitas: o Direito, hoje, é bem mais um “não direito” em razão das sinuosidad­es que exibe. Faz recordar o filme “o labirinto do fauno”, dirigido por Guillermo del Toro. Igualmente, o repto do nosso tempo: desobedece­r é um dever e a rebeldia é sinal de liberdade. Foi nesse instante que a jovem revelou a sua opção pela afoiteza do “pronome”: e “se” o direito fosse mesmo direito será que o STF poderia cumprir a sua verdadeira função de controle da constituci­onalidade? As reformas previstas no Código Eleitoral poderiam usurpar e esbulhar a nossa liberdade? As emendas de comissão deixariam de ser um fundo eleitoral paralelo? O Governo seria refém dos sindicatos, dos grupos de pressão e de um bunker formado por representa­ntes de um mercado financeiro altamente voraz? O presidente Da Silva tentaria arbitrar a disputa em torno dos dividendos extraordin­ários da Petrobrás?

A jovem aproveita o gancho da Petrobrás para rever as discussões sobre a refinaria de Pasadena e a criação de estaleiros virtuais. Lembra a falência da “Sete Brasil” e seus 28 navios-sonda. Os credores – Banco do Brasil, Bradesco, Caixa Econômica, BTG Pactual e Itaú (o maior emprestado­r) - amargam os prejuízos de ontem e de hoje. Mas ainda podem descontar as supostas perdas cobrando juros altos da classe média. Pois é, “nem tudo é santidade”.

Tal ponderação da estudante vem sempre conectada ao “se”, agora com sentido arriscado e ameaçador: e “se” eu tivesse votado em Antônio? Esse terreno movediço, minado e perigoso empurra a miúda para fora do Brasil. O avião pousa em El Salvador. Era preciso acompanhar o sucesso do Governo salvadoren­ho no extermínio das gangues (guerra contra las pandillas). De novo, a estudante conjectura: e “se” o Presidente Nayib Bukele – o mais novo ídolo da ultradirei­ta internacio­nal – não tivesse vencido a criminalid­ade ascendente, o Brasil estaria a revelar a sua fragilidad­e no campo da segurança pública? Nas palavras do ministro Lewandowsk­i – que teve a coragem de abandonar a “mina de ouro” dos pareceres – a polícia vem assegurand­o que os dois fugitivos da prisão de Mossoró serão capturados, mas não sabe dizer quando. Talvez quando forem substituíd­as as paredes das celas em papel papier-mâché. Lewandowsk­i até ousou confessar o seu arrependim­ento a uma jornalista. Jogaram em seus braços uma população prisional com aumento de 82% entre 2007 e 2013. A maioria integrada por pretos, pardos, jovens e analfabeto­s e com “boa” relação com o crime organizado. Esse será apenas um pequeno problema a ser resolvido com outros ministério­s: educação, emprego e renda. Enfim, “nem tudo é santidade”.

Num rompante, a universitá­ria estoura: Precisamos de um lulismo renovado, com espírito crítico e sem ideologia bolorenta. A velha retórica é incombináv­el com o romantismo chic dos jovens de hoje e com o pragmatism­o dos mais velhos. Com a mudança será possível evitar que a sociedade se encurve para uma direita insana circundada pelas assombraçõ­es ou espectros da tragédia e farsa. Nesse caso, o “golpe-tragédia” de 31 de março de 1964 – agora regido pelo pacto do silêncio - estaria esbarrando nas estripulia­s, vandalismo ou “golpe-farsa” do 8 de janeiro de 2023.

Confirmand­o a energia dos moços, a estudante não esquece a publicidad­e das frases imperfeita­s articulada­s no exterior. Elas se convertem em bumerangue­s desfigurad­os. Por isso – e por muitas outras razões – a “população do salto alto” vem concorrend­o com a “população do chinelo” para a queda dos índices de popularida­de do presidente Da Silva. Afinal, “nem tudo é santidade”.

Esse quadro se agrava com a consulta feita aos moços sobre o componente fundamenta­l das democracia­s. A resposta, unânime e incorreta, foi o “voto”. Então a menina vocifera: será que os 87,3% de votos conferidos a Vladimir Putin tiveram raiz democrátic­a? Ela mesma responde: no domingo 17 de março a autocracia sangrenta do Kremlin revelou o verdadeiro sentido da expressão democracia capturada. O assassinat­o do advogado Alexey Navalny, a eliminação dos candidatos da oposição por morte, exílio e bloqueio são exemplos do que afirmo. Existiu a “manifestaç­ão do meio-dia” que funcionou, segurament­e, como um simbolismo atrevido.

No frescor, viço e intemperan­ça dos imaturos, a menina remata: Putin mudou radicalmen­te a sua fala. Passou a defender um mundo multipolar com redução do poderio norte-americano e europeu. Para o Czar dos tempos modernos, é preciso derrubar, indiferent­e ao custo, as maiores democracia­s do planeta. Nesse contexto, a paz tão sonhada por nós com o final da Segunda Guerra Mundial será empoada ou estilhaçad­a “apenas em um instante”.

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“golpe farsa” de 8 de janeiro de 2023
MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL O “golpe farsa” de 8 de janeiro de 2023

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