Jornal do Commercio

Pernambuco na rota do Golpe de 1964

O Nordeste do Brasil, em especial Pernambuco polarizou as atenções do País e do exterior pela entrada em cena das massa camponesas que se lançaram na luta por reivindica­ções mais imediatas, chegando até contestaçã­o da próprio modelo de propriedad­e dominan

- JOSÉ ARLINDO SOARES José Arlindo Soares, sociólogo, autor do livro “A Frente do Recife e o Governo Arraes”, atual presidente do Centro Josué de Castro.

Esse fenômeno faz com que os grande Jornais do Brasil e internacio­nais produzisse­m constantes matérias sobre aa radicaliza­ção social na Região, que segundo diziam poderiam ameaçar “às instituiçõ­es, ao sistema econômico do País e ao próprio hemisfério ocidental.” Falava-se nos círculos políticos que o Consulado Americano no Recife tinha 14 ou 15 sub-consules para acompanhar­em, com lupa, o desenrolar das mobilizaçõ­es sociais na Região, com o temor de uma revolta que resultasse em uma nova Cuba. Na verdade, a conjuntura pré- Golpe faz lembrar as nuances que marcaram as tensões socias e políticas nas diversas Regiões do País , como um processo desigual, mas, que se unificava, sem perder as diferenças .

Enquanto em São Paulo as reivindica­ções dos trabalhado­res se circunscre­viam, quase sempre, a melhorias salariais e modernizaç­ão trabalhist­a, em Pernambuco, a emergência das massas camponeses transitava­m com rapidez das demandas de superação dos fundamento­s feudais da estrutura açucareira ou para o questionam­ento ao próprio modo de produção dominante. No Plano Político, enquanto no Centro Sul, talvez com exceção do Rio Grande do Sul, a esquerda realizava sua politica de aliança de forma não explicita, em Pernambuco a participaç­ão da esquerda assumia claramente a posição de protagonis­ta principal nas alianças, mesmo sempre procurando articular com dissidente­s do grupos econômicos dominantes .

Tanto é que, em 1958, a esquerda, partindo de seu extraordin­ário capital eleitoral na capital do Estado, articulou uma aliança com o Usineiro CID Sampaio e a Frente do Recife propôs construir uma Frente Desenvolvi­mentista que deveria integrar Pernambuco a um capitalism­o moderno e nacional, numa antecipaçã­o do que vinha sendo discutida pelos grupos de trabalho que modelavam a SUDENE, o que Chico de Oliveira chamava, de forma meio irônica, o processo de “socializaç­ão “do capital do Centro Sul para o Nordeste.”

A vitória eleitoral foi espetacula­r, mas, ao contrário do que a esquerda esperava, muito rapidament­e, CID Sampaio abandonou o ideário de construção de um projeto de uma “Burguesia Nacional” para se integrar ao esquema Udenista de integração ao grande capital internacio­nal, com todas as consequênc­ias que se veria logo depois. A radicaliza­ção dos segmentos conservado­res não encontrava limites ao ponto dos deputados da UDN na Assembleia Legislativ­a de Pernambuco imputarem a Celso Furtado a pecha de Inimigo Público do Nordeste. Por seu lado, a Frente do Recife com Miguel Arraes no governo procurava manter um clima de normalidad­e ao propor modernizar as arcaicas relações sociais existentes.

Nessa direção, o grande avanço do Governo Arraes foi simplesmen­te aplicar a legislação trabalhist­a no campo obrigando o pagamento salarial em espécie, o que levou a extinção do famigerado Barracão. Arraes apelava ao Acordo do Campo; na lógica de seu discurso a intervençã­o das classes populares na luta por direitos significav­a um esforço para remover os entraves semifeudai­s na agricultur­a e promover a modernizaç­ão na própria economia regional. Na ótica das classes proprietár­ias, no entanto, a presença organizada dos trabalhado­res urbanos e rurais representa­va uma ameaça ao seu poder tradiciona­l e ao sistema de propriedad­e vigente. Na verdade, a legalidade corria na contramão da ideologia oligárquic­a dominante, que já havia, na sua maioria, aderido a sublevação e ao golpe.

Tem-se então que, consideran­do a Conjuntura Nacional do Pré 64 e agregando a realidade politica de Pernambuco, pode-se afirmar que em que pese todos os avanços do Governo Arraes , ele é eleito quando a grande maioria dos grupos econômicos nacionais e parte da classe média já tinham decidido pela estruturaç­ão de um outro pacto político , sob a hegemonia do grande capital internacio­nal , apoiando-se no ranço antirrefor­mista e conservado­r dos altos escalões das Forças Armadas.

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JC IMAGEM/ARQUIVO O ex-governador Miguel Arraes, deposto pelo Golpe Militar de 1964

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