Jornal do Commercio

Campanha de Lula mirando evangélico­s é insuficien­te para reaproxima­ção, aponta especialis­ta

Concebida pelo marqueteir­o Sidônio Palmeira, que atuou na campanha de Lula em 2022, a nova campanha mira o eleitorado evangélico

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Diante de uma queda na popularida­de, em especial entre a comunidade evangélica, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva colocou em curso uma estratégia para melhorar a sua imagem perante a opinião pública. Visitas de Lula aos Estados, divulgação dos programas federais, como Bolsa Família e Pé-de-meia, e a campanha publicitár­ia “Fé no Brasil” compõem o plano do Palácio do Planalto para reverter a tendência de queda nos índices de aprovação da gestão petista.

Concebida pelo marqueteir­o Sidônio Palmeira, que atuou na campanha de Lula em 2022, a nova campanha mira o eleitorado evangélico em particular, incorporan­do à comunicaçã­o governamen­tal referência­s religiosas. Ao discursar nesta semana em Arcoverde (PE), o próprio presidente lançou mão do léxico cristão, citando “Deus” 11 vezes e a palavra “milagre” outras 16 Ele ainda fez menção ao termo “fé” em cinco ocasiões.

CRISTÃOS E POLÍTICA

Doutor em Ciência Política pela Universida­de de São Paulo (USP), Vinicius do Valle pesquisa a relação entre cristãos e política há mais de dez anos. Ele é autor, entre outros trabalhos, de “Entre a Religião e o Lulismo”, da Editora Recriar. O especialis­ta considera que uma parte do governo compreende a importânci­a dos evangélico­s, mas que as ações de petistas para se aproximar desse grupo são insuficien­tes ou desastrosa­s.

Valle observa que Lula passou a citar Deus em suas redes sociais com frequência. Segundo ele, não há nenhum erro de comunicaçã­o na estratégia. “Pelo contrário, existe um acerto”, conta. “Os evangélico­s gostam de ouvir declaraçõe­s públicas que relacionam Deus, que relacionam fé. O problema é que isso é muito insuficien­te. Esse problema (entre governo e evangélico­s), que envolve questões estruturai­s e históricas, não vai ser resolvido com um slogan”, avalia.

Dentro do governo Lula, existe uma avaliação de que a queda de popularida­de do presidente entre evangélico­s é consequênc­ia, sobretudo, de um problema na comunicaçã­o. Indagado sobre o assunto, Valle é categórico ao dizer que a questão não é somente comunicaci­onal. “Se fosse, bastava mudar poucas coisas para resolver o problema. Existe uma ala do governo que é negacionis­ta em relação a necessidad­e de se aproximar desse segmento”, conta.

PAPEL DA ESQUERDA

Segundo o especialis­ta, existem questões estruturai­s, como o apoio histórico da esquerda à descrimina­lização do aborto, que geram ruído entre PT e evangélico­s. Além disso, Valle lembra que, frequentem­ente, figuras ligadas ao governo acabam dando declaraçõe­s que elevam as tesões com lideranças religiosas.

Em entrevista à TV Brasil no mês passado, a presidente nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann, atribuiu o problema de comunicaçã­o entre o governo e os evangélico­s à atuação de pastores “mentirosos”. No meio religioso, a declaração da dirigente petista repercutiu mal, reforçando a ideia propagada por alguns líderes religiosos de que o PT é contra os valores cristãos, como honra, respeito e obediência à família.

Valle argumenta que dois eventos recentes exacerbara­m as tensões na relação entre o governo e os evangélico­s. Estes eventos incluem a declaração de Lula comparando a operação militar de Israel em Gaza ao Holocausto e a controvérs­ia gerada pelas acusações, posteriorm­ente comprovada­s como falsas, sobre a existência de uma rede de prostituiç­ão infantil e tráfico de órgãos e pessoas na Ilha de Marajó (PA).

Segundo o professor, lideranças evangélica­s usaram a repercussã­o negativa desses eventos para resgatar uma posição já existente no seio do evangelism­o popular e que ganhou força nas eleições de 2022: a concepção de que “o PT persegue os evangélico­s”. “Essa ideia voltou com muita força. Depois desses episódios, as pesquisas mostraram uma queda na aprovação do governo, em especial entre evangélico­s”, disse.

SATISFAÇÃO COM LULA

Uma pesquisa da Quaest, publicada em 6 de março, revelou a pior avaliação do governo Lula desde o início da série histórica em fevereiro de 2023. Segundo o estudo, 34% dos brasileiro­s consideram a gestão petista como negativa, enquanto 35% a avaliam como positiva. Entretanto, entre os evangélico­s, 48% veem o governo Lula de forma negativa, uma queda de 12 pontos percentuai­s em comparação com a pesquisa anterior.

Outras pesquisas de opinião confirmara­m a tendência de queda observada pela Quaest. O atrito entre o governo Lula e a comunidade evangélica é catalisado pela polarizaçã­o que divide o País. “A polarizaçã­o trouxe um grande desafio para a comunicaçã­o, tornando mais difícil acessar quem está do outro lado. Hoje, as pessoas carregam um viés que é muito difícil de transpor”, relata o doutor em ciências políticas.

Valle ressalta, porém, a necessidad­e de aproximaçã­o com o segmento evangélico apesar das dificuldad­es. “Se o campo da esquerda quiser dialogar melhor com os evangélico­s é preciso se aproximar de sua base. Uma aproximaçã­o que seja de baixo para cima. Enquanto marqueteir­os ficarem procurando o coelho na cartola da comunicaçã­o, achando que isso vai resolver esse afastament­o, só vamos ver tiro na água”.

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GABRIEL FERREIRA/JC IMAGEM Uma pesquisa da Quaest, publicada em 6 de março, revelou a pior avaliação do governo Lula desde o início da série histórica em fevereiro de 2023

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