Jornal do Commercio

As duas portas da vida

Tempo de plantar, tempo de colher, este um preceito bíblico. Porém, falta ao Homem a consciênci­a do bem

- ROBERTO PEREIRA Roberto Pereira, exsecretár­io de Educação e Cultura de Pernambuco e membro da Academia Brasileira de Eventos e Turismo.

Recorro à clássica e extraordin­ária Oração aos Moços, de Rui Barbosa, quando, num dos seus parágrafos, assim professou: - A vida não tem mais que duas portas: uma de entrar, pelo nascimento; outra de sair, pela morte. Ninguém, cabendo-lhe a vez, se poderá furtar à entrada. Ninguém, desde que entrou, em lhe chegando o turno, se conseguirá evadir à saída. E, de um ao outro extremo, vai o caminho, longo ou breve, ninguém o sabe, entre cujos termos fatais se debate o homem pesaroso de que entrasse, receoso da hora em que saia, cativo de um e outro mistério, que lhe confinam a passagem terrestre.

Aí está, talvez, a filosofia da vida e a inevitável fatalidade da morte.

Todavia – todavia! -, nesta reflexão importa a trajetória que cada qual traça com o livre arbítrio entre o bem e o mal.

Colimada com esse pensamento está Cora Coralina: “O que vale na vida não é o ponto de partida e sim a caminhada. Caminhando e semeando no fim terá o que colher.”

Tempo de plantar, tempo de colher, este um preceito bíblico. Porém, falta ao Homem a consciênci­a do bem, haja vista a sofreguidã­o dos que nascem, vivem e morrem sem um provimento de alma, para recordar o filósofo Bergson.

Veio do advogado carioca, Francisco Otaviano, poeta e um dos patronos da ABL, escrever o poema Ilusões da Vida a seguir descrito: “quem passou pela vida em branca nuvem / Em pleno plácido repouso adormeceu: / quem não sentiu o frio da desgraça, / Quem passou pela vida e não sofreu. / Foi espectro – não foi homem, / Só passou pela vida – não viveu.”

Este século, vaticinado como sendo da tecnologia, diante de tanta barbárie, deixa-nos estarrecid­os. Viva Pascal: “A pouca ciência afasta de Deus. A muita, aproxima.”

Campeia, entretanto, a violência. A vida banalizada. A corrupção, entre os homens públicos, enlameando o ideário de servir às causas sociais sem delas se servirem.

O homem estigmatiz­ado em lobo do próprio homem. Ambição e estupidez. Inveja e desamor. Rareia, cada vez mais, a caridade. Não me refiro à caridade que se pensa fazer dando esmolas a mendigos que se profission­alizaram, muitos destes, no peditório das ruas.

Refiro-me à caridade como expressão do amor. Do amor ao próximo, aquele a quem Deus mandou que amássemos como a nós mesmos, como uma das lições desta Semana Santa e deste domingo de Páscoa.

Segundo Dom Bosco, “Deus nos colocou no mundo para os outros.” Entretanto, essa disponibil­idade do “eu” cada vez mais “eu” e do “nós” cada vem menos “nós”, parece sobrelevar-se às pessoas, à índole de cada um, como se o escorpião sempre tivesse que que sacar do seu veneno em atos de traição e de covardia, como na fábula de Esopo.

Morreram os dois: o escorpião e a rã, “antes a morte que tal sorte,” pensou, preferindo mesmo, nas profundeza­s da água, meter-lhe o ferrão, ante a exclamação da rã: “agora, vamos morrer nós dois.” O escorpião sorriu sarcastica­mente e, pedindo-lhe escusas, arrematou: “desculpe, mas não pude evitar. Essa é a minha natureza.”

O homem parece nostálgico de Deus, do paraíso perdido. Não existe o amor, sentimento que, segundo Dante, é capaz de mover o sol e as outras estrelas.

“Não somos seres humanos tendo uma experiênci­a espiritual. Somos seres espirituai­s tendo uma experiênci­a humana,” bela conclusão de Pierre Teilhard de Chardin.

Assim, essa experiênci­a, longa ou breve, remete-nos ao ponto futuro, à eternidade. Importa lembrar aos incautos: é no juízo final que seremos julgados, cada qual caçador de si mesmo, acusando-se dos males praticados, da insensatez e da ambição.

Por isso, onde as sandálias do pescador? Qual o porquê para tanta soberba? A briga pelo poder que, segundo Camus, é triste. Triste e efêmero. Enganoso. A luta pelas conquistas do vil metal. Onde a palavra que consola e o gesto que afaga?

‘Falta-nos uma preparação para a vida, refiro-me à vida terrena. Deus existe, incrédulos! Existe e, segundo, Einstein, não joga dados.

Com ele não há a probabilid­ade dos acertos. Concluamos com Ayrton Senna: “Deus é forte, / Ele é grande, / e quando Ele quer / não tem quem não queira.”

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FREEPIK/BANCO DE IMAGENS Refiro-me à caridade como expressão do amor. Do amor ao próximo

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