Jornal do Commercio

Seis meses de vingança

Reação ao ataque terrorista do Hamas em Israel se transformo­u em operação militar com grande rastro de morte e sofrimento na população palestina

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Com o anúncio de retirada das tropas do sul de Gaza, o governo de Benjamin Netanyahu marcou seis meses da invasão do território palestino, após a ação em represália ao covarde ataque terrorista do Hamas a Israel, que matou quase 1.200 pessoas e levou mais de uma centena de reféns. O desgaste global e interno de Netanyahu se acentua, após meses de perseguiçã­o ao terror e de buscas para recuperar os prisioneir­os. Apesar da legitimida­de inicial do revide, bem como da aplicação da força contra os terrorista­s, o registro diário do sofrimento da população palestina, que acumula dezenas de milhares de inocentes mortos, a maioria de crianças e mulheres, além da falta de moradia, comida e saúde para 2 milhões de habitantes, tem feito com que o ímpeto da vingança seja visto como um exagero belicista. A violência da investida em Gaza tem sido criticada até pelos aliados de Israel, como os Estados Unidos e países da Europa. E mesmo entre os israelense­s, as manifestaç­ões contrárias à permanênci­a da ocupação e à gestão de Netanyahu são cada vez mais frequentes e intensas.

A manutenção de tropas nas áreas central e norte de Gaza indica a continuida­de das operações que desgastam o primeiro-ministro israelense, mas não o demovem do objetivo declarado de aniquilar o Hamas a todo custo – um custo especialme­nte caro para os palestinos. O povo de Gaza vê suas moradias, espaços públicos e hospitais em ruínas, e não tem onde enterrar tantos mortos que não planejaram nem participar­am do ato de terror contra os israelense­s. A desproporç­ão do revide já foi denunciada pelas Nações Unidas mais de uma vez, e a demora para criar corredores humanitári­os eficientes apenas aumenta a imagem negativa do governo de Israel.

Refugiados em seu território invadido, palestinos fazem o percurso de volta para o sul, mesmo sem a garantia de que não haverá novos ataques por lá. O desejo de normalidad­e restaurada fala mais alto, nem que seja para encontrar a residência e a vizinhança destruídas pelas bombas. Um cessar-fogo duradouro vem sendo solicitado por líderes internacio­nais nos últimos meses, pela ONU e até pelo Papa Francisco, sem que Netanyahu admita interrupçõ­es. O presidente Joe Biden, dos Estados Unidos, parece estar condiciona­ndo o fornecimen­to de armas e recursos financeiro­s a Israel a uma maior ajuda humanitári­a, e a um controle no uso do arsenal bélico, de maneira a reduzir o número de mortos e feridos civis.

As negociaçõe­s diplomátic­as pelo fim da invasão à Faixa de Gaza podem contabiliz­ar pequenos avanços, como o aumento da pressão externa em prol da retirada das tropas israelense­s e de um encerramen­to do massacre. No entanto, tanto a realidade no campo de batalha quanto as condições desfavoráv­eis do ponto de vista político, em seu país, fazem com que Netanyahu demonstre avidez até para atacar outros países, como o Irã e o Líbano. Com o rastro de sangue deixado em seis meses, a essa altura, mesmo com uma suposta derrocada do Hamas, é difícil prever estabilida­de na região depois que os israelense­s saírem de Gaza – se é que pretendem sair tão cedo.

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