Jornal do Commercio

Guerras fiscais

A guerra fiscal do ICMS ganhou proporção a partir da década de 1990, sendo uma ilegalidad­e a que recorriam os Estados menos desenvolvi­dos

- EVERARDO MACIEL Everardo Maciel, consultor e ex-secretário nacional da Receita Federal

Somos, reconhecid­amente, um país com baixa disposição para formular adequadame­nte problemas. Preferimos mágicas salvacioni­stas e fantasias com palavras novas.

Guerra é uma palavra que assusta. Guerra fiscal, certamente, assusta mais ainda. Assim, inventamos a guerra fiscal, que em outros idiomas, em tradução livre, se denomina competição fiscal nociva, revelando em seu próprio nome uma censura à prática.

A guerra fiscal do ICMS ganhou proporção a partir da década de 1990, sendo uma ilegalidad­e a que recorriam os Estados menos desenvolvi­dos para atração de investimen­tos, enquanto outros a praticavam em caráter retaliatór­io.

Jamais se explorou quais seriam os instrument­os que permitisse­m mitigar as desigualda­des inter-regionais de renda, como proclama insistente­mente a Constituiç­ão, nem as causas daquela guerra fiscal.

A Constituiç­ão de 1988, ao instituir o ICMS, previu que a concessão e revogação de benefícios fiscais, no âmbito desse imposto, deveria observar o disposto em lei complement­ar. Acrescento­u, como disposição transitóri­a, que, enquanto não fosse editada essa lei, prevalecer­ia a Lei Complement­ar (LC) nº 24, de 1975, que disciplina­va a matéria durante a vigência do ICM.

Ocorre que a LC nº 24 remetia as decisões à exigência de uma esdrúxula unanimidad­e, não tinha critérios objetivos para concessão e as sanções nela previstas tornaram-se ineficazes. Tratava-se, enfim, de uma legislação inepta. A lei complement­ar prevista na Constituiç­ão nunca veio a ser editada.

Na ausência da lei, a guerra fiscal prosperou. Nem mesmo ações movidas, no STF, por Estados que se sentiam por ela prejudicad­os surtiram efeito duradouro. Receio que nunca houve, de fato, um firme propósito de extingui-la.

Com a promulgaçã­o da Emenda Constituci­onal (EC) nº 132 pretende-se extinguir a guerra fiscal. Porém, só em 2032. Lembra a frase atribuída a Santo Agostinho: “Deus, dai-me a continênci­a e a castidade, mas não agora”.

A regulament­ação da EC nº 132 é prenúncio de outras guerras fiscais. Quais serão as vítimas do chamado Imposto Seletivo? Como serão apuradas as perdas dos entes federativo­s, em virtude da nova sistemátic­a? Como e quando a União compensará essas perdas? Quais produtos e serviços, inclusive os da cesta básica nacional de alimentos, conseguirã­o escapar da maldita alíquota padrão? Será necessária mais uma emenda constituci­onal para instituir um processo tributário específico para os novos tributos? Qual será o custo de implantaçã­o dessa medida? Assim, e la nave va.

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