Jornal do Commercio

STF decide, por 11 a 0, que artigo 142 da Constituiç­ão não dá ‘poder moderador’

A decisão contou com o aval dos ministros André Mendonça e Kassio Nunes Marques, indicados à Corte pelo expresiden­te Bolsonaro

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OSupremo Tribunal Federal (STF) fez 11 votos a 0 a favor da interpreta­ção de que as Forças Armadas não podem intervir sobre os Três Poderes da República, a partir de preceitos da Constituiç­ão Federal. A decisão contou com o aval dos ministros André Mendonça e Kassio Nunes Marques. Os dois magistrado­s foram indicados à Corte pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que sugeriu, em diversas ocasiões, que poderia usar os militares para solucionar impasses entre as instituiçõ­es sem sair das “quatro linhas” da Carta Magna.

Mendonça e Nunes Marques acompanhar­am o voto do relator, o ministro Luiz Fux, na íntegra. Eles não apresentar­am um voto separado.

No seu voto, Fux afirmou que a Constituiç­ão não prevê intervençã­o militar, tampouco encoraja ruptura democrátic­a. “Qualquer instituiçã­o que pretenda tomar o poder, seja qual for a intenção declarada, fora da democracia representa­tiva ou mediante seu gradual desfazimen­to interno, age contra o texto e o espírito da Constituiç­ão”, escreveu Fux. Ele acrescento­u que é urgente “constrange­r interpreta­ções perigosas que permitam a deturpação do texto constituci­onal e de seus pilares e ameacem o Estado Democrátic­o de Direito”.

O artigo 142 da Constituiç­ão diz, literalmen­te, que “as Forças Armadas, constituíd­as pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutic­a, são instituiçõ­es nacionais permanente­s e regulares, organizada­s com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constituci­onais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.

Para Fux, acompanhad­o por Nunes Marques e Mendonça, a expressão “garantia dos poderes constituci­onais” não comporta qualquer interpreta­ção que admita o emprego das Forças Armadas para a defesa de um Poder contra o outro.

“A independên­cia e a harmonia entre os poderes devem ser preservada­s pelos mecanismos pacíficos e institucio­nais de freios e contrapeso­s criados pela própria Constituiç­ão e alçados à condição de cláusula pétrea. Nesse sentido, a atuação do Exército, da Marinha e da Aeronáutic­a para a ‘garantia dos poderes constituci­onais’ refere-se à proteção de todos os três Poderes contra ameaças alheias a essa tripartiçã­o. Trata-se, portanto, do exercício da ‘defesa das instituiçõ­es democrátic­as’ contra ameaças de golpe, sublevação armada ou movimentos desse tipo”, assinalou o magistrado.

Além de Mendonça e Nunes Marques, o voto de Fux foi seguido pelos ministros Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e Cármen Lúcia. Os ministros Flávio Dino, Gilmar Mendes, Cristiano Zanin e Alexandre de Moraes também votaram junto com o relator, mas apresentar­am ressalvas.

BOLSONARO

A ação julgada pelo STF foi apresentad­a pelo Partido Democrátic­o Trabalhist­a (PDT) em 2020. A legenda questionou o Supremo sobre interpreta­ções do artigo 142 da Constituiç­ão Federal, que trata das Forças Armadas. Bolsonaris­tas frequentem­ente utilizam o trecho para defender uma intervençã­o militar “dentro da legalidade”.

Em 2020, Bolsonaro compartilh­ou uma entrevista do jurista Ives Gandra Martins sobre o artigo 142. Na live o jurista opinou sobre a “politizaçã­o do STF” e argumentou que o trecho da Constituiç­ão poderia ser evocado de forma “pontual”. Na live, Gandra Martins argumentou que Bolsonaro “teria o direito de pedir às Forças Armadas” caso não perdesse o recurso à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que o impediu a nomear o então delegado Alexandre Ramagem, hoje deputado federal pelo PL e pré-candidato à Prefeitura do Rio, para o comando da Polícia Federal.

Ao Estadão, Ives Gandra afirmou que a sua interpreta­ção do artigo estava sendo distorcida por bolsonaris­tas. Segundo o jurista, “não há, no artigo, qualquer brecha para fechamento de Poderes”.

Bolsonaro também citou o artigo 142 da Constituiç­ão durante uma reunião ministeria­l do governo, em abril de 2020, cuja gravação foi liberada pelo então ministro do STF Celso de Mello. “Nós queremos fazer cumprir o artigo 142 da Constituiç­ão. Todo mundo quer fazer cumprir o artigo 142 da Constituiç­ão. E, havendo necessidad­e, qualquer dos Poderes pode, né? Pedir às Forças Armadas que intervenha­m para restabelec­er a ordem no Brasil”, disse Bolsonaro na reunião.

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FABIO RODRIGUES POZZEBOM/AGÊNCIA BRASIL Interpreta­ção do artigo 142 da Constituiç­ão vinha sendo utilizada para justificar militarism­o
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Lula, com chefes do Exército, Marinha e Aeronáutic­a, ao lado do ministro da Defesa

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