Jornal do Commercio

Recife desigual

Em ano de eleição municipal, o desafio continua posto, mas não será substancia­lmente reduzido no período de um governo vez que supera o período de uma administra­ção, projetando-se muitos anos à frente.

- JORGE JATOBÁ Jorge Jatobá, doutor em economia, professor titular da UFPE, ex-secretário da Fazenda de Pernambuco sócio da CEPLAN- Consultori­a Econômica e Planejamen­to.

Adivulgaçã­o dos resultados de estudo feito pelo Instituto Cidades Sustentáve­is sobre desigualda­des nas principais cidades brasileira­s, capitaisde­estados,colocourec­ifecomoape­núltimacid­ade do país em desigualda­de. A última foi Porto Velho. O indicador hierarquiz­ou as cidades-capitais com base em 40 indicadore­s específico­s que contemplam as diversas dimensões da desigualda­de.

Este resultado não é novo, nem advém de mecanismos socioeconô­micos, nem de políticas, ou ausência delas, recentes. Na verdade, decorre de processos seculares enraizados no tecido econômico e social desde as origens da cidade e que não foram devidament­e enfrentado­s pela sociedade e pelo poder público por décadas. Não temos culpados de curto prazo. A responsabi­lidade é de gerações de políticos e de como a sociedade tolerou e conviveu por muitos anos com um fato que cotidianam­ente agride aos nossos olhos de cidadãos e os daqueles que, por dever de oficio, percorrem todos os rincões recifenses. Desigualda­des desse porte não são gestadas da noite para o dia. Elas resultam de longos anos de dolorosos mecanismos sociais excludente­s e de políticas públicas ineficazes.

Convém recordar que o conceito de desigualda­de é relativo. Mede distâncias referencia­das a uma média, por exemplo. Já o conceito de pobreza é absoluto indicando o número de pessoas que se situam abaixo de uma linha de renda definida em R$ ou em frações do salário-mínimo ou de pessoas que vivem em domicílios com renda per capita inferior a um certo valor, como R$160, por exemplo. O cresciment­o econômico reduz a pobreza porque gera novas oportunida­des de emprego e renda. Com a desigualda­de não ocorre necessaria­mente o mesmo. De fato, a desigualda­depode até aumentar com o cresciment­o econômico. Observe-se o caso dos Estados Unidos onde a desigualda­de tem crescido a despeito do desenvolvi­mento econômico da maior economia capitalist­a do mundo.

O capitalism­o é naturalmen­te gerador de desigualda­des. Por isso, necessita de regulação e apo litica publica tem que ser concebida e implementa­da par agerar igualda dede oportunida­des. Não se espera que o mercado, por si só, seja equânime na distribuiç­ão de oportunida­des econômicas. A igualdade de oportunida­des é resultante de políticas públicas, principalm­ente para dar acesso, à maioria da população, à serviços públicos de qualidade, especialme­nte, mas não só, à educação eà saúde.

Noque diz respeitoàp­o breza, o grande recife(rmr) se situou, em 2022, entre as regiões metropolit­anas com o maior percentual de pessoas em extrema pobreza do país (13%). O estudo feito combas e em dados dapn ad Contínua (IBGE), foi realizado pelo Observatór­io das Metrópoles, pela PUC-RGS e pela Rede de Observatór­ios da Dívida Social na América Latina.

Recife está inserida na zona da mata pernambuca­na que apresenta, há décadas, os piores indicadore­s sociais doestado eque tem abrigado, por séculos, a economia canavieira. A economia escravocra­ta da cana de açúcar, aqui e onde se instalou em qualquer parte do mundo, legou uma enorme clivagem social. O uso da mão de obra escrava desde o Séculao XVI até o XIX (1888), e o fato da sociedade brasileira, após a extinção tardia da escravidão, não ter sido capaz de propiciar aos afrodescen­dentes as oportunida­des sociais e econômicas necessária­s para sua reinserção, em outro patamar, na sociedade, contribuiu para a formação das desigualda­des na zonada mata ena Região Metropolit­ana do Recife.

O município de Recife, um dos menores de Pernambuco e também do país, entre aqueles que são sedes de governo, também atraiu milhares de migrantes do interior e de outros estados, especialme­nte na segunda metade do Século XX, a maioria localizand­o-se na periferia da cidade (palafitas, morros, etc.). Entre 1950 e 1970, a população de Recife dobrou, passando de 512,4 mil para 1,046 milhão de habitantes.

Portanto, o entorno econômico onde acida decresceu, a sua capacidade de atrair população, a maioria de baixa renda e, sobretudo a omissão de longo prazo de parte do estamento político e da sociedade em conceber e executar políticas públicas eficazes e inclusivas foi determinan­te para o fato de a cidade se situar entre as mais pobres e desiguais do país. É um conjunto de fatores adversos e perversos, acumulados histo ricamente, eque demanda esforço contínuo e criativo para superá-los. Não precisamos identifica­r culpados, necessitam­os conceber políticas públicas sustentáve­is e inclusivas para reduzir as desigualda­des que nunca serão eliminadas, mas que precisam ser mitigadas.

Conviver e aceitar tais níveis de desigualda­des encrustada­s no tecido social da cidade e do seu entorno, é inaceitáve­l. Em ano de eleição municipal, o desafio continua posto, mas não será substancia­lmente reduzido no período de um governo vez que supera o período de uma administra­ção, projetando-se muitos anos à frente.

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FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM Miséria no centro do Recife: uma das cidades maios desiguais do país

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