Recife desigual
Em ano de eleição municipal, o desafio continua posto, mas não será substancialmente reduzido no período de um governo vez que supera o período de uma administração, projetando-se muitos anos à frente.
Adivulgação dos resultados de estudo feito pelo Instituto Cidades Sustentáveis sobre desigualdades nas principais cidades brasileiras, capitaisdeestados,colocourecifecomoapenúltimacidade do país em desigualdade. A última foi Porto Velho. O indicador hierarquizou as cidades-capitais com base em 40 indicadores específicos que contemplam as diversas dimensões da desigualdade.
Este resultado não é novo, nem advém de mecanismos socioeconômicos, nem de políticas, ou ausência delas, recentes. Na verdade, decorre de processos seculares enraizados no tecido econômico e social desde as origens da cidade e que não foram devidamente enfrentados pela sociedade e pelo poder público por décadas. Não temos culpados de curto prazo. A responsabilidade é de gerações de políticos e de como a sociedade tolerou e conviveu por muitos anos com um fato que cotidianamente agride aos nossos olhos de cidadãos e os daqueles que, por dever de oficio, percorrem todos os rincões recifenses. Desigualdades desse porte não são gestadas da noite para o dia. Elas resultam de longos anos de dolorosos mecanismos sociais excludentes e de políticas públicas ineficazes.
Convém recordar que o conceito de desigualdade é relativo. Mede distâncias referenciadas a uma média, por exemplo. Já o conceito de pobreza é absoluto indicando o número de pessoas que se situam abaixo de uma linha de renda definida em R$ ou em frações do salário-mínimo ou de pessoas que vivem em domicílios com renda per capita inferior a um certo valor, como R$160, por exemplo. O crescimento econômico reduz a pobreza porque gera novas oportunidades de emprego e renda. Com a desigualdade não ocorre necessariamente o mesmo. De fato, a desigualdadepode até aumentar com o crescimento econômico. Observe-se o caso dos Estados Unidos onde a desigualdade tem crescido a despeito do desenvolvimento econômico da maior economia capitalista do mundo.
O capitalismo é naturalmente gerador de desigualdades. Por isso, necessita de regulação e apo litica publica tem que ser concebida e implementada par agerar igualda dede oportunidades. Não se espera que o mercado, por si só, seja equânime na distribuição de oportunidades econômicas. A igualdade de oportunidades é resultante de políticas públicas, principalmente para dar acesso, à maioria da população, à serviços públicos de qualidade, especialmente, mas não só, à educação eà saúde.
Noque diz respeitoàpo breza, o grande recife(rmr) se situou, em 2022, entre as regiões metropolitanas com o maior percentual de pessoas em extrema pobreza do país (13%). O estudo feito combas e em dados dapn ad Contínua (IBGE), foi realizado pelo Observatório das Metrópoles, pela PUC-RGS e pela Rede de Observatórios da Dívida Social na América Latina.
Recife está inserida na zona da mata pernambucana que apresenta, há décadas, os piores indicadores sociais doestado eque tem abrigado, por séculos, a economia canavieira. A economia escravocrata da cana de açúcar, aqui e onde se instalou em qualquer parte do mundo, legou uma enorme clivagem social. O uso da mão de obra escrava desde o Séculao XVI até o XIX (1888), e o fato da sociedade brasileira, após a extinção tardia da escravidão, não ter sido capaz de propiciar aos afrodescendentes as oportunidades sociais e econômicas necessárias para sua reinserção, em outro patamar, na sociedade, contribuiu para a formação das desigualdades na zonada mata ena Região Metropolitana do Recife.
O município de Recife, um dos menores de Pernambuco e também do país, entre aqueles que são sedes de governo, também atraiu milhares de migrantes do interior e de outros estados, especialmente na segunda metade do Século XX, a maioria localizando-se na periferia da cidade (palafitas, morros, etc.). Entre 1950 e 1970, a população de Recife dobrou, passando de 512,4 mil para 1,046 milhão de habitantes.
Portanto, o entorno econômico onde acida decresceu, a sua capacidade de atrair população, a maioria de baixa renda e, sobretudo a omissão de longo prazo de parte do estamento político e da sociedade em conceber e executar políticas públicas eficazes e inclusivas foi determinante para o fato de a cidade se situar entre as mais pobres e desiguais do país. É um conjunto de fatores adversos e perversos, acumulados histo ricamente, eque demanda esforço contínuo e criativo para superá-los. Não precisamos identificar culpados, necessitamos conceber políticas públicas sustentáveis e inclusivas para reduzir as desigualdades que nunca serão eliminadas, mas que precisam ser mitigadas.
Conviver e aceitar tais níveis de desigualdades encrustadas no tecido social da cidade e do seu entorno, é inaceitável. Em ano de eleição municipal, o desafio continua posto, mas não será substancialmente reduzido no período de um governo vez que supera o período de uma administração, projetando-se muitos anos à frente.