Jornal do Commercio

As Malvinas de Maduro

A longa disputa diplomátic­a e alguns pequenos incidentes no próprio arquipélag­o não justificav­am uma medida drástica da Argentina que invadiu as Malvinas com cinco mil soldados

- SÉRGIO C. BUARQUE Sérgio C. Buarque, economista

Há pouco mais de 40 anos, a Junta Militar da ditadura da Argentina ressuscito­u antigas pretensões dos argentinos, que remetem ao século XIX, e decidiram tomar as Ilhas Malvinas, arquipélag­o remoto do Atlântico Sul controlado pelo Reino Unido. A longa disputa diplomátic­a e alguns pequenos incidentes no próprio arquipélag­o não justificav­am uma medida drástica da Argentina que invadiu as Malvinas com cinco mil soldados e prendeu os 80 militares britânicos que ocupavam o território. Como a motivação da ditadura era, de fato, despertar o nacionalis­mo dos argentinos para desviara atenção dos problemas interno seda violência repressiva da ditadura, nada melhor que uma guerra com o poderoso imperialis­mo inglês. No início, eufóricos, os argentinos comemoram com entusiasmo a retomada do arquipélag­o que considerav­am território da Argentina.

A aventura dos militares argentinos terminou em três meses. Doou trolado do conflito, tinha ad amade ferro, a primeiro-ministro margareth Thatcher, que andava muito desgastada politicame­nte com suas reformas liberais radicais e aproveitou a invasão argentina para despertar e mobilizar asim patiados britânicos. A ditadura argentina foi desmoraliz­a dacoma derrota, o nacionalis­mo dos argentinos frustrados, deixando no rastro 705 jovens soldados mortos no campo de batalha. A humilhante derrota reacendeu o movimento democrátic­o, virou o jogo e derrubou a Junta Militar que governava a Argentina desde o golpe de Estado de 1976.

Se a história comparada tem algum valor, o autocrata da venezuela, nicolas maduro, deveria analisar aguerra das Malvinas e refletir um pouco mais sobre a sua estratégia de mobilizaçã­o do patriotism­o dos venezuelan­os coma tentativa de anexação do território de Essequibo, da vizinha Guiana (70% da área total deste país). A poucos meses das eleições presidenci­ais, Maduro aperta o garrote na oposição e tenta esconder aprofunda crise econômica, social e política que amarga avidados venezuelan­os como mesmo recursouti­lizado, sem sucesso, na Argentina: explorar o nacionalis­mo populista. Nada melhor que ressuscita­r uma antiga disputa territoria­l com a Guiana, um país vizinho fraco, mas rico em petróleo e cercado de interesses de potencias econômicas.

Do nada, no ano passado, o autocrata venezuelan­o anunciou que Essequibo era parte do território venezuelan­o, convocou um plebiscito que, por maioria esmagadora, confirmou a sua reinvindic­ação e autorizou o governo a tomar medidas para anexar o território da vizinha Guiana. Independen­te da fragrante agressão às normas do direito internacio­nal, há quem explique a violência da Venezuela pelo interesse nas reservas de petróleo descoberta­s, em 2015, na região, estimadas em 11 bilhões de barris. Nenhum fundamento. Ocorre que a Venezuela tem uma das maiores reservas de petróleo do mundo, estimadas em 300,9 bilhões de barris, reservas que a PDVSA, obsoleta e ineficient­e, não tem condições de explorar.

Diferente da aventura das Malvinas, que enfrentou a potência britânica, o autocrata venezuelan­o ataca os interesses norte-americanos na vizinha Guiana, com exploração de petróleo. O anti-imperialis­mo também toca os corações ementes dos latino-americanos. Maduro tem também a expectativ­a de contar com o apoio da Rússia e da China que, no entanto, também têm presença e interesses econômicos no pequeno país. A China tem grandes investimen­tos na Guiana em projetos de infraestru­tura e na exploração de petróleo, através da China National Offshore Oil Company.

Embora tudo fosse apenas jogo de cena para explorar o patriotism­o venezuelan­o, a situação se agravou depois que, na semana passada, Nícolas Maduro assinou alei que transforma o território de Guiana num estado da venezuela, denominado Estado da Guiana Essequiba. Ninguém parece acreditar que Maduro vai invadir e ocupar militarmen­te, o “novo Estado” venezuelan­o. Seria um desastre diplomátic­o, total isolamento político, não podendo contar sequer com o apoio dos poucos países do mundo que ainda protegem o governo venezuelan­o, incluindo o Brasil, que seria diretament­e atingido pelo conflito militar na sua fronteira. É lamentável, em todo caso, que o governo brasileiro mais uma vez se cale diante da clara agressão diplomátic­a de Maduro, mesmo depois do presidente Lula da Silva ter investido seu prestígio na mediação do conflito artificial­mente criado por seu aliado venezuelan­o.

Pode ser que, reeleito para o terceiro mandato, Maduro esqueça tudo e o “novo Estado” não saia do papel. Entretanto, o clima de euforia patriótica que ele provocou nos venezuelan­os e os seus superpoder­es, no meio de uma profunda crise interna, abram caminho para atitudes insensatas e irresponsá­veis. Por outro lado, se as tropas da Venezuela não invadirem e assumirem o controle do chamado Estado da Guiana Essequiba, como defende e autoriza a lei assinada agora, Maduro pode provocar uma grande frustração política da sociedade venezuelan­a envenenada pelo patriotism­o. Algo como a síndrome das Malvinas pode ameaçar o seu regime de poder.

Nunca é demais citar a famosa frase do escritor inglês Samuel Johnson - “O patriotism­o é o último refúgio do canalha” (que, segundo o seu biógrafo, ele atacava o “pretenso patriotism­o” usado como um manto para os próprios interesses). O General Galtieri, da Argentina, e Nícolas Maduro, da Venezuela, se enquadram nesta categoria.

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MARCELO GARCIA / VENEZUELAN PRESIDENCY / AFP Se a história comparada tem algum valor, o autocrata da Venezuela, Nicolas Maduro, deveria analisar a guerra das Malvinas e refletir um pouco mais

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