Jornal do Commercio

A violência contra a mulher e a apatia das autoridade­s

Enquanto toda a sociedade não reconhecer a necessidad­e de combater essa situação, seja em discursos ou em ações; é porque não entendemos ainda a urgência que é a luta pela vida das mulheres.

- SANDRA SANTOS Sandra Santos, perita criminal, professora e escritora

As inúmeras faces de violência contra as mulheres estão amparadas em desigualda­des alimentada­s ao longo da história. Vivemos numa sociedade que valoriza relações de poder que favorecem asuperiori­dadedoshom­ens.

A sociedade sempre praticou a “coisificaç­ão” da mulher, colocando ela mesma e o seu corpo como um objeto que pode ser usado pelos homens. Esse processo fortalece o sentimento de “posse”. Dessa forma, o homem não enxerga a mulher como “pessoa”. É a desumaniza­ção. Essa sem dúvida é uma das principais causas da violência contra a mulher. A desumaniza­ção legitima o abuso.

Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2023), no ano de 2022:

Tivemos o maior número de estupros da história (74.930). Desses, 63,8% ocorreram dentro da residência das vítimas.

Todos os indicadore­s da violência doméstica cresceram: 245.713 agressões por violência doméstica, 613.529 ameaças, 899.485 ligações para o número 190, 155 casos diários de stalking, 24.382 registros de violência psicológic­a, 445.456 medidas protetivas de urgência emitidas, 6.114 registros de assédio sexual, 27.530 registros de importunaç­ão sexual e 1.437 feminicídi­os.

No ano de 2022, diariament­e, 673 mulheres se deslocaram até uma delegacia de polícia para denunciar um episódio de violência doméstica.

É assustador saber que 53,6% dos feminicídi­os são perpetrado­s pelo parceiro íntimo; 19,4% são efetuados pelo ex-parceiro íntimo e 10,7% são cometidos por outro familiar, como filho, irmão ou pai. Esses dados evidenciam a vulnerabil­idade das mulheres notadament­e dentro de casa.

Mesmo sabendo que a violência contra a mulher é sub notificada, esses números são alarmantes e inaceitáve­is. Diante dessa realidade, não é exagero afirmar que existe uma urgência de “salvar” nossas mulheres.

Alutadas mulheres por e qui da de e respeito és ecu lar. Passa pela perseguiçã­o das “bruxas” na idade média, pelas sufragista­s que foram às ruas pelo direito ao voto. Pelo direito a frequentar a escola e a faculdade. Pelo direito de trabalhar, entre tantas outras conquistas femininas ao longo dos anos.

Hoje, frente a tantos avançosdah­u manida de,é inacreditá­vel que as mulheres continuem lutando pelo direito à vida.

O combate à violência contra a mulher é sim muito mais discutido hoje em dia. E esta reflexão, por si só, já é um problema. Não pela discussão, mas sim pela ineficácia de ações que garantam às mulheres liberdade para fazer suas próprias escolhas.

Recentemen­te acompanham­os julgamento­s de brasileiro­sfamosos condenados por estupro. Vergonhosa­mente, também assistimos ao julgamento e achincalha­mento das vítimas. E o agressor que diante da obsessão de causar dores ofrimentoà ex-companheir­a, assassinou a própria filha? Outra história estarreced­ora culminou com o assassinat­o do porteiro de um condomínio onde outro agressor espancava a companheir­a. Ela conseguiu escapar e se abrigar. Ao sair em busca da vítima, o algoz assassinou o porteiro e em seguidasui­cidou-se. já não basta destruir a própria família!

Embora o depoimento recente de uma vítima de violência doméstica tenha chocadoe revoltado a sociedade, sinto dizer que nesse“jogo de covardia”, devemos avançar de “fase” e partir para a ação. O agressor, um advogado armado com uma faca, ignorando a medida protetiva e a tornozelei­ra eletrônica; invadiu o apartament­o da mãe do seu próprio filho. Bateu, mordeu, engoliu fragmentos de pele da vítima; enquanto repetia a frase: você vai morrer! Ela lutava pela vida, enquanto o filho do casal, fugia e pedia socorro. Ela foi salva pelo filho, pelos vizinhos e pela própria coragem. Acreditem, essa mulher fez tudo o que estava ao seu alcance para se livrar do relacionam­ento abusivo, porém, nada foi suficiente. O agressor, condenado por violência doméstica, ganhou a liberdade poucos meses depois. Enquanto a vítima ameaçada, buscava um jeito de salvar-se, trancafiad­a no apartament­o. Essa mulher é tão vítima do ex-companheir­o, quanto do Estado omisso, de parlamenta­res covardes e de uma justiça que minimiza o comportame­nto feminicida.

É difícil explicar porque a ajuda não chega. Seja do Estado, seja da família, seja da sociedade que insiste em não ouvir suficiente­mente os pedidos de socorro. A violência contra a mulher é incessante e ades esperançaé­o que resta. Vivemos a violação diária de direitos, o silêncio e a ausência de acolhiment­o de vítimas pertencent­es a todas as classes sociais.

Qualé o papel do Poder Executivo, Legislativ­o, Judiciário e da própria sociedade diante do desespero de tantas mulheres? Até quando vamos assistir tanta barbaridad­e? Enfim, o que fazemos diante disso tudo?

A ver da deéquebr asi leiras são diariament­e submetidas a agressões, humilhaçõe­s, tortura, violência. São inúmeras mulheres agredidas, humilhadas, torturadas, roubo, enganações, estupros assassinat­os com requintes de crueldade. A incapacida­de dos poderes constituíd­os fica escancarad­a!

O verdadeiro enfrentame­nto dessa violência, seja no âmbito familiar ou comunitári­o; perpetrada ou toleradape­lo e sta doéurg ente. não há dúvidas, que esse tipo de violênciaé­umd os principais obstáculos para a garantia dos direitos humanos e das liberdades fundamenta­is de mulheres emeninas.

E assim chegamos ao final de mais um mês de março, mês das mulheres, mês de luta por igualdade, mês do desalento. Enquanto toda a sociedade não reconhecer a necessidad­e de combater essa situação, seja em discursos ou em ações; é porque não entendemos ainda a urgência queéal ut apela vida das mulheres.

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© DIVULGAÇÃO “Não é exagero afirmar que existe uma urgência de “salvar” nossas mulheres”

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