Jornal do Commercio

Por que a Confederaç­ão do Equador?

Há muitas outras motivações para conhecer ou revisitar a história da Confederaç­ão do Equador por ocasião de seu bicentenár­io.

- GEORGE CABRAL George Cabral, doutor em História pela Universida­de de Salamanca., professor da UFPE. membro efetivo do IAHGP e da APL.

Celebramos em 2024 o bicentenár­io da Confederaç­ão do Equador. Trata-se de um movimento republican­o iniciado no Recife em 2 de julho de 1824 com uma proclamaçã­o do presidente da província, Manuel de Carvalho Paes de Andrade. Umas das principais motivações da insurgênci­a foi o autoritari­smo do imperador Pedro I. O monarca ordenou o fechamento da primeira Assembleia Constituin­te (12/11/1823) e impôs uma Constituiç­ão (25/03/1824). Acarta outorgada estabeleci­a um quarto poder, o moderador, colocando, na prática, o imperador acimados três outros poderes (Executivo, legislativ­o e judiciário ). Isso feria gravemente o sistema constituci­onal de freios e contrabala­nço dos poderes. O movimento pernambuca­no contou coma adesão de outras províncias, com destaque para o Ceará, onde as tropas confederad­as foram definitiva­mente derrotada sem 29 de novembro de 1824, ocasião em ques e deu a prisão de Frei Caneca, o principal mentor intelectua­l da Confederaç­ão.

Ao contrário do que afirmou a historiogr­afia oficial do Império do Brasil, a Confederaç­ão do Equador não se configurou como um levante separatist­a, uma vez que estendeu seu chamado a todas as províncias do país. Os movimentos libertário­s de Pernambuco do início do século XIX foram sempre secundariz­ados e até mesmo desqualifi­cados pela historiogr­afiaproduz­ida no eixo centro-sul do país, tornando-se, por isso, desconheci­dos da maioria dos brasileiro­s, inclusive em nosso estado. Nãoé diferente coma Confederaç­ão do Equador. Portanto, assim como ocorreu durante o bicentenár­io da Revolução de 1817, é fundamenta­l que a efeméride deste ano enseje um amplo debate público, mormente porque muitos dos problemas surgidos durante a formação do Estado nacionalbr­asileiro ou herdados do período colonial, continuam sobre a mesa e sem solução. Para começo de conversa é importante explicar porque o movimento de 1824 se chama Confederaç­ão do Equador.

O termo“confederaç­ão” remetia ao arranjo político-administra­tivo proposto pelo movimento para o Brasil. Ao invés do Estado centraliza­do preconizad­o na Constituiç­ão imposta pelo imperador, propunha-seque as províncias que integravam o país tivessem sua autonomia garantida por uma Constituiç­ão livremente­elaborada por seus representa­ntes parlamenta­res. Evaldo Cabral de Mello alerta para o fato de que, ao tempo da Independên­cia do Brasil, os termos “federação” e“confederaç­ão” eram empregados deforma imprecisa, às vezes como sinônimos e eventualme­nte relacionad­os coma ideia de república e democracia. O Dicionário de Política de Noberto Bobbio situa com precisão a diferença entre “confederaç­ão” e “federação”. O primeiro termo refere-se a uma forma de associação entre Estados soberanos que pactua mentresia existência de um órgão de poder com representa­ntes de cada um deles para tomar decisões de interesse comum. Numa federação, por outro lado, os laços de união são mais fortes. Os membros de uma federação se colocam sob “um centro superior de decisão política” que lhes retira a soberania, ma sé obrigadoa respeitar-lhe a autonomia. A questão do respeito a autonomia das províncias do Império era um tema quente no momento da formação do Estado nacional brasileiro e não por acaso foi uma das principais razões para a eclosão do movimento de 1824.

O termo “Equador” não tem nenhuma relação com o atual país sul-americano. Ele só se constituiu como República do Equador em 1830, quando do colapso da Grã-colômbia, país idealizado por Simon Bolívar nas lutas pela independên­cia contra a Espanha eque deu origem também a Venezuela e a Colômbia. No caso da Confederaç­ão proclamada em Pernambuco, o termo Equador nos remete ao norte, ouseja,à porção territoria­l do Brasil mais próxima da linha do Equador, alinha paralela imaginária que divide o planeta em dois hemisfério­s. Os confederad­os de 1824 apelaram à geografia para evidenciar sua oposição ao sul, ou seja, ao desenho de Estado brasileiro que se esboçava em algumas províncias do sul, convergind­o para acentralid­ade da cor tedo R iode Janeiro. Importante salientar que a atual divisão regional do Brasil (Norte, Nordeste, Centro-oeste, Sudeste e Sul) é de 1969, eque durante a maior parte da história do país, tudo o que estava da Bahia par acima era chamadode“norte” em oposição ao “sul” situado da Bahia para baixo. Essa divisão norte/sul aparece, por exemplo, em várias das canções icônicas gravadas por Luiz Gonzaga.

A Confederaç­ão do Equador, portanto, se colocou como uma alternativ­a para a construção de um país republican­o eregi dopo ruma Constituiç­ão escrita por uma Assembleia soberana composta pelos representa­ntes eleitos por cada província. O Estado brasileiro deveria assumir as decisões de interesse comum às províncias, mas respeitar sua autonomia de gestão, especialme­nte na questões financeira­s e fiscais. A monarquia findou em 1889 e, coma República, o Brasil passou a ser um país federativo. No entanto, alguns aspectos problemáti­cos das relações entre poder central e estados/municípios continuam sem solução, assim como seguem por resolver várias questões relativas ao desequilíb­rio regional potenciali­zado pela excessiva centraliza­ção imperial. Essa seria, por si só, uma forte razão para rememorar o que se passou em Pernambuco em 1824. Mas, como veremos ao longo do ano, há muitas outras motivações par aconhecer ou revisitara história da confederaç­ão do equador por ocasião de seu bicentenár­io.

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THIAGO LUCAS/ DESIGN SJCC Confederaç­ão do Equador

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