Ato de Moraes contra Musk dá ‘munição’ à tese de excessos do ministro
Especialistas rechaçam, no entanto, a ideia de que Moraes tem agido para perseguir Jair Bolsonaro, como alegam aliados do ex-presidente.
Osrecentesembates entre Elon Musk, dono do X (antigo Twitter), e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, reacenderam o debate sobre possíveis excessos cometidos pelo magistrado da Corte, especialmente após a inclusão do bilionário no inquérito das milícias digitais e a abertura de investigação por obstrução à Justiça contra ele.
Juristas ouvidos pelo Estadão admitem que o episódio tem o potencial de dar munição à tese de que o magistrado pode estar atuando para além de suas competências judiciais. Os especialistas rechaçam, no entanto, a ideia de que Moraes tem agido para perseguir Jair Bolsonaro, como alegam aliados do ex-presidente.
Na avaliação do doutor em direito penal pela USP e coordenador do curso de Direito da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), Marcelo Crespo, a decisão de Moraes de abrir uma investigação contra Musk e incluí-lo em um inquérito à revelia da Procuradoria-geral da República (PGR), que é a instituição responsável por investigar e denunciar criminalmente abre margem para críticas. “Moraes está antecipando movimentos que deveriam ser naturalmente da PGR. O debate não é o mérito mas o caminho como se deu”.
Da mesma forma, o professor de Direito Processual Penal da USP, Gustavo Badaró, ressalta que este tipo de conduta, além de excessiva, também suscita dúvidas sobre a imparcialidade de Moraes. “Quando um ministro determina a inclusão de alguém como investigado em um inquérito e depois esse mesmo ministro vai tomar decisões judiciais como relator do mesmo inquérito, me parece que há uma clara perda de imparcialidade.”
O professor de Direito Constitucional da UFF, Gustavo Sampaio, concorda que Moraes agiu de ofício e, portanto, não seguiu o caminho natural do sistema acusatório. O jurista, porém, apoia a inclusão, mesmo que, até o momento, o bilionário não tenha desrespeitado as decisões determinadas por Moraes no X, o que, a princípio, impede a configuração de crime de obstrução à Justiça.
“Inquérito não tem por objetivo condenar ninguém, e sim apurar. Se não se incluir o Musk, não se tem como apurar se ele teve participação em práticas que colaboraram no sentido da interrupção do processo democrático no Brasil”, avalia.
Desde 2020, Moraes tem determinado a suspensão de perfis em redes sociais de aliados bolsonaristas.
A medida foi justificada pela necessidade de “interromper discursos criminosos de ódio, subversão da ordem e incentivo à quebra da normalidade institucional e democrática”. Crespo e Sampaio pontuam que a decisão é necessária, considerando que a liberdade de expressão não é um direito irrestrito e ilimitado. Os juristas, porém, ressaltam que, em excesso, a prática pode levar a julgamentos discricionários, já que tais decisões são feitas caso a caso pelo Judiciário, com base em critérios muitas vezes subjetivos.
“A partir de qual momento é razoável considerar que uma conta deva ser bloqueada porque ela está sendo utilizada basicamente para praticar crimes e causar desinformação?”, questiona Crespo.
Para Crespo e Sampaio, as recentesdecisõesdoministro contra Musk e a rede social X extrapolam as controvérsias no âmbito jurídico e se transformam em uma espécie de ‘munição política’ para que aliados bolsonaristas reforcem o discurso de que o ex-presidente está sendo alvo deperseguiçãonosmúltiplos inquéritos em que é investigado, a maioria sob a relatoria de Moraes. “Sem dúvida nenhuma, é bastante munição, isso é pólvora para o discurso político”, diz Crespo.
A própria defesa de Bolsonaro tem levantado uma série de questões nas apurações em curso, como a concentração de poder em um único ministro e o impedimento de Moraes para julgar os inquéritos, pontos que podem, inclusive, levar à nulidade dos processos.
CONCENTRAÇÃO DE PODER NAS MÃOS DE MORAES
Um dos primeiros aspectos controversos é o possível excesso de poder de Moraes. Relator do inquérito das fake news aberto em 2019 pelo próprio STF, o ministro centralizou a relatoria de outras investigações no Supremo, incluindo aquelas relacionadas aos atos antidemocráticos de 2021, às milícias digitais e aos ataques do 8 de Janeiro.
Todos esses casos, nos quais o ex-presidente é investigado, permanecem sob o comando de Moraes, com base na regra de que quando há conexão entre os fatos investigados, a competência para julgar os processos deve ser mantida com o mesmo magistrado. Ou seja, a partir do inquérito das fake news, Moraes assumiu, por prevenção, a relatoria de outras investigações devido ao elo probatório nas diferentes ações.
Na avaliação de Badaró, nem todas as investigações parecem ter relação entre si, sendo necessário, nessa situação, separá-las e sorteá-las entre os ministros - como é a praxe da Corte. Como exemplo, ele menciona não ver ligação entre a falsificação do certificado de vacina e os atos antidemocráticos. O jurista pontua ainda que um dos efeitos da conexão é a reunião dos processos em único inquérito, o que não aconteceu no caso de Moraes. “Se os inquéritos estão tramitando separados é porque não há conexão, então deveria ter distribuição livre”.