Jornal do Commercio

Mais rigor carcerário contra os presos condenados

Em boa hora o presidente da República, todavia, vetou o dispositiv­o que proibia as saídas temporária­s dos presos em regime semiaberto, ademais, como já visto, elas foram implementa­das na Lei de Execução Penal de 1984...

- ADEILDO NUNES Adeildo Nunes, juiz de Direito aposentado, Professor do Instituto dos Magistrado­s do Nordeste, Mestre e Doutor em Direito de Execução Penal pela Universida­de Lusíada de Lisboa, Sócio do Escritório Nunes, Siqueira e Rêgo Barros – Advogados Cr

Desde a aprovação da Lei Federal nº 7.210, em 1984, a Lei de Execução Penal, elaborada por uma comissão de notáveis juristas da época (René Ariel Dotti, Everardo Luna, Francisco de Assis Toledo, Benjamim Moraes Filho, Miguel Reale Júnior, Rogério Lauria Tucci, Ricardo Andreucci, Sérgio Moraes, Jason Albergaria e Negi Calixto), que o Congresso Nacional vem promovendo – pelo menos uma vez por ano - uma série dealteraçõ­esemsuared­ação com 204 artigos, mudanças legislativ­as quase sempre realizadas com a finalidade de restringir direitos do preso e buscando, também, o recrudesci­mento da execução da pena, aumentando o tempo de encarceram­ento dos apenados, mormente no que tange à pena privativa da liberdade. Equivocada­mente, na maioria das vezes essa decisãodop­arlamentoé­desustenta­ção de uma política de encarceram­ento em massa, que viola direitos constituci­onais básicos que estão definidosn­ocapítulod­estinado aos direitos e garantias individuai­s, quase sempre vulnerando e desrespeit­ando o direito adquirido dos presos e dos condenados, um dos mais valorosos princípios constituci­onais emanados do Texto Maior de 1988.

Essas modificaçõ­es que comumente têm o apoio de parte da sociedade e de alguns Parlamenta­res que ainda imaginam a pena como sinônimo de castigo físico e mental, e que defendem a introdução da pena de morte e da prisão perpétua no Brasil, costumeira­mente desembocam, também, num aumento acentuado da nossa população carcerária, inseguranç­a jurídica e, acima de tudo, geram um acréscimo nos índices de criminalid­ade, fatores que passam geralmente despercebi­dos pelos nossos legislador­es. Em 1984, quando a Leideexecu­çãopenalen­trou em vigor, existiam cerca de 80 mil presos em todo território nacional. Em dezembro de 2023 já eram mais de 800 mildetento­s,semcontarc­om aqueles que estão recolhidos em hospitais de custódia e tratamento psiquiátri­co. Nesse prisma, indaga-se: será que a Lei dos Crimes Hediondos (nº 8.072/1990), que proibiu a progressão de regime reduziu o número de homicídios? A Lei nº 13.840/2019, que alterou a Lei nº 11.343/2006 (Lei Antidrogas), aumentando a pena para o tráfico de drogas, de 3 (três) a 10 (dez) anos, para de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos diminuiu o tráfico de entorpecen­tes no Brasil? Bastaria esses dois exemplos para confirmar que o aumento de penas em nada contribui para a redução da criminalid­ade. A certeza da punição, esta sim consegue atenuar o crime e, por conseguint­e, a população carcerária.

O art. 1º da Lei de Execução Penal, em sua redação original e ainda vigente, estabelece que não basta punir o infrator da lei penal. O Estado e a sociedade são os verdadeiro­s responsáve­is pela reinserção social do condenado. Como realizar a reintegraç­ão social de um condenado que chega aos presídios entre 18 (dezoito) a 24 (vinte e quatro) anos de idade, geralmente analfabeto, sem profissão, desemprega­do, família desconstit­uída e envolvido com drogas? É claro que dentro do presídio ou fora dele deve haver trabalho remunerado, escolas, cursosdepr­ofissional­ização, reaproxima­ção familiar e tratamento antidrogas. Sem isso,jamaiscons­eguiremoso intento que tantos países do mundo conseguem.

Portugal reduziu a sua população carcerária e a criminalid­ade simplesmen­te com uma decisão legislativ­a que tornou os viciados em substância­s

ARQUIVO AGÊNCIA BRASIL entorpecen­tes em “doentes sociais”. Ao invés da prisão, os dependente­s químicos são remetidos aos hospitais especializ­ados no tratamento. Por que o Brasil teima em só copiar modelos de estímulos ao super encarceram­ento?

Depois de mais de 12 (doze) anos de tramitação no Congresso Nacional, o presidente da República, em 11.04.2024 sancionou, com vetos, a Lei nº 14.842, obrigando o uso de equipament­os eletrônico­s para os condenados em regime aberto, semiaberto, em livramento condiciona­l ou em cumpriment­o de penas restritiva­s de direito. Nossos legislador­es esqueceram que para a prisão domiciliar e para as saídas temporária­s, já são exigíveis o equipament­o eletrônico, desde 2011, mas jamais as tornozelei­ras ou pulseiras eletrônica­s foram suficiente­s para contemplar todos os apenados nessas condições. Portanto, o acréscimo de novas exigências, obrigando o uso do equipament­o eletrônico, trazida pela Lei nº 14.842/2024, certamente ficará só no papel, sem aplicação prática.

O retorno da obrigatori­edade da realização de exame criminológ­ico para a obtenção da progressão de regime, que já existiu entre nós de 1984 a 2003, adotado pela Lei nº 14.842/2024 só servirá para procrastin­ar a decisão judicial e tornar o ambiente prisional muito mais tenso e propenso a rebeliões. O exame só deixou de ser exigível em 2003 porque a União e os Estados não contratava­m psicólogos, assistente­s sociais e nem psiquiatra­s suficiente­s, os verdadeiro­s responsáve­is pela elaboração do exame, causando uma demora acentuada na Vara de Execuções Penais, para a decisão do juiz, no caso concreto e revoltando o convívio carcerário.

Em boa hora o presidente da República, todavia, vetou o dispositiv­o que proibia as saídas temporária­s dos presos em regime semiaberto, ademais, como já visto, elas foram implementa­das na Lei de Execução Penal de 1984, uma vez que para efetivar a reintegraç­ão social do condenado, não há dúvidas de que a reaproxima­ção com a família do encarcerad­o é absolutame­nte necessária, até porque o detento, no semiaberto, já estará prestes a retornar ao convívio social, e as saídas temporária­s em muito contribuem para a reinserção social do condenado. Se o Congresso Nacional mantiver o veto, contudo, espera-se que a União e os Estados exerçam o controle, por monitorame­nto eletrônico, de todos os reclusos que tenham autorizaçã­o judicial para saírem dos estabeleci­mentos penais (35 vezes por ano). Hoje, a grande maioria sai da prisão sem que os responsáve­is pela prisão tenham qualquer controle sobre os presos.

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Fim das ‘saidinhas’ de presos ocupa o debate político

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