Jornal do Commercio

União e reconstruç­ão: e a segurança jurídica?

Diante da inseguranç­a jurídica instaurada, os contribuin­tes que eram contemplad­os pelo PERSE vêm recorrendo ao Poder Judiciário para obterem decisões garantindo a continuida­de de utilização do benefício até 2027.

- LUCIANO BUSHATSKY E DANIELA MARQUES Luciano Bushatsky, advogado especialis­ta em Direito Tributário pelo IBET, especialis­ta em Direito Penal e Processual Penal pelo IDP, mestre em Direito Tributário pela Escola de Direito de SP da FGV. Atua exclusivam­ente

Imagine você reviver essa cena de novo: empresário do ramo de parques de diversão, proprietár­io de uma pousada, de uma agência de viagem ou dono de uma empresa de transporte­s turísticos, recebe a informação de que haverá um lockdown. Por quanto tempo? Ninguém sabe. Como funcionará? Ninguém imagina. Do dia para a noite, seu negócio fecha as portas.

Com o tempo, as atividades vão sendo gradualmen­te retomadas, exceto aquelas desempenha­das por sua empresa, que continua obrigada a permanecer fechada em razão das medidas sanitárias adotadas no país e no mundo pelos órgãos de controle sanitários.

No entanto, surge uma luz no fim do túnel. Toda aquela dor de cabeça, toda aquela falta de previsibil­idade, quebra de planejamen­to, pode ser aliviada com uma espécie de desoneraçã­o tributária temporária: o Programa Emergencia­l de Retomada do Setor de Eventos – PERSE, instituído pelo Governo Federal por meio da Lei n° 14.148 de 2021.

O programa prevê uma efetiva desoneraçã­o tributária com prazo definido, para algumas atividades econômicas específica­s, relacionad­as ao setor de eventos, hotelaria e prestação de serviços turísticos. Sim. As atividades que estão elencadas, taxativame­nte, na lei que o criou. E o programa irá até 2027. Então, vamos programar a retomada do negócio com esse apoio. A regra está posta, está na Lei.

Diante disso, programaçã­o para cima. Planejamen­to. Foco. Reserva de lucro, planejamen­to de investimen­to, tudo consideran­do a projeção de desoneraçã­o tributária parcial até 2027. Afinal de contas, a redução a zero, pelo prazo de 60 (sessenta) meses, das alíquotas do PIS, COFINS, IRPJ e CSLL está na Lei.

No entanto, esqueceram de uma coisa. Estamos no Brasil. Sim. O país da inseguranç­a. O país em que o princípio constituci­onal da segurança jurídica é apenas um capítulo em um manual de Direito, ou matéria de algum estudo de mestrado ou doutorado, mas que, na prática, não é muito levado a sério.

Com a mudança de governo, vem a mudança da política tributária, e com a mudança da política tributária vem uma revisão geral de tudo o que foi feito no último governo, incluindo aí o PERSE. Assim, o novo governo publicou uma Medida Provisória, instrument­o este que tem como um dos requisitos a urgência, e mandou para o espaço o PERSE, determinan­do a revogação antecipada do programa já a partir de 1º de abril de 2024, em relação à CSLL, PIS e COFINS, e a partir de 1º de janeiro de 2025 para o IRPJ.

A gritaria foi grande. Com razão. Aí, o governo, em uma atitude caridosa, decidiu mudar um pouco. Tirar “apenas” algumas atividades do PERSE, mantendo outras, com base em supostas alegações de que o setor X já havia se recuperado, enquanto o Y ainda não havia conseguido a recuperaçã­o. Com base em que? Estudos internos? Talvez. Até alegar que o PCC estava lavando dinheiro por meio do programa foi alegado, mesmo sem apresentar provas sobre.

Tratando o assunto de forma séria, se é que é possível, o que temos é uma abrupta mudança nas regras de uma espécie de incentivo fiscal que foi criado com foco na recuperaçã­o de um setor que sofreu, e muito, na pandemia.

Vejamos o setor hoteleiro, ou o setor de parques de diversão. Por quanto tempo foram obrigados às regras de isolamento, depois às regras de distanciam­ento? Quantas empresas faliram, quantas empresas sofreram? Quantos empregos foram perdidos?

Hoje, os dados apontam para o fato de que essas empresas “não estão obrigadas ao pagamento dos tributos federais”. O problema é que esquecemos do dia de ontem. Esquecemos dos danos que foram causados. Esquecemos que o país permanece em um momento de recuperaçã­o econômica.

A pandemia não foi uma total hecatombe econômica. Claro que não. No entanto, alguns setores apanharam muito mais que outros. E, diga-se mais, foi criada uma Lei, com prazo determinad­o de vigência. Vários planejamen­tos foram feitos. No entanto, não foi levada em conta uma peculiarid­ade. Estamos no Brasil. A falha no planejamen­to foi não ter aberto o olho para o que falta nesse País. E o que falta nesse País, além de tantas outras coisas? A segurança jurídica.

Mudou a temporada, mas o enredo é o mesmo. É o Brasil.

Daniela Marques, graduada em Direito pela Universida­de Federal de Pernambuco, pós-graduada em Direito Tributário pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas e em Direito Tributário Internacio­nal pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT.

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Estamos no Brasil. Sim. O país da inseguranç­a. O país em que o princípio constituci­onal da segurança jurídica é apenas um capítulo em um manual de Direito

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