Jornal do Commercio

“Nossas prioridade­s são outras”

- José Paulo Cavalcanti Filho, advogado

Foi a única exigência feita pelos militares, nas negociaçõe­s da transição. Para beneficiar os responsáve­is pelo Riocentro, que se deu na noite de 30 de abril de 1981. Posterior, portanto, à primeira lei (que é de 1979). Tancredo morto, coube a Sarney honrar esse compromiss­o. O que foi feito com a Emenda Constituci­onal nº 26, de 27 de novembro de 1985 (art. 4º, com sete parágrafos). Votada por um Congresso livre de quaisquer pressões. O mesmo que elegeu Tancredo, opositor civil ao Regime Militar. Uma regra não apenas posterior, no tempo, como também de nível superior ao das leis ordinárias, posto que passou a constar da própria Constituiç­ão.

Membros de nossa Comissão (a maioria) pretendera­m recusar dita anistia. Para constar, na votação das “Recomendaç­ões” da Comissão Nacional da Verdade, votei a favor dela. Textualmen­te, assim ficou registrado: “Baseado nas mesmas razões que, em 29 de abril de 2010, levaram o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Arguição de Descumprim­ento de Preceito Fundamenta­l nº 153, e com fundamento em cláusulas pétreas da Constituiç­ão brasileira, a recusar, por larga maioria (sete votos a dois), essa tese”. Em razão do que nenhum dos envolvidos, de parte a parte, poderá mais ser punido. A menos que o Supremo modifique seu entendimen­to.

No mais, essa nova Comissão terá todas as dificuldad­es que tivemos. Sem mais testemunha­s confiáveis, em razão da idade dos depoentes (apenas uns poucos vivos). E com todos os documentos destruídos, naqueles tempos ainda, pelos militares. O grosso, nos fundos do Aeroporto Santos Dumont (Rio de Janeiro). Haverá pouco a acrescenta­r.

De vez em quando perguntam se fui atingido. Respondo que não, posto que restei apenas proibido de estudar no Brasil (era presidente do Diretório Acadêmico da Faculdade de Direito). E pedir Democracia, naquele tempo, era muito arriscado. Respondi processo, por isso. Mais tarde, fui também proibido de ensinar. E ainda lembro palavras de meu pai. Quando cheguei em casa, depois da cassação, disse “Não fique triste que um dia você ainda vai por isso no seu currículo”. Sábias palavras, saudades do Velho. E nem foi tão ruim; que acabei indo a Harvard, em Bolsa de Estudos (com tudo pago), e a vida seguiu.

Bem visto, quase nada em relação ao que se deu com tantas pessoas queridas que perdi. Como Eduardo Collier Filho, maior amigo que tive na infância, preso ao sair de um hotel barato em Copacabana, num sábado de Carnaval (queria ver as escolas de samba), e morto em Rezende. Fui dos últimos a vê-lo, que fiquei em sua casa num congresso da UNE em Salvador. Informados de que seu corpo teria sido incinerado em forno de uma usina, no Rio de Janeiro, tentamos obter alguma prova do fato. Mesmo contra a opinião dos peritos, que diziam ser (quase) impossível. E fizemos, no local, 108 furos, para ver se conseguíam­os algum resto de DNA dos seus ossos, em meio às cinzas. Sem sucesso, infelizmen­te.

Seja como for, e por tudo, sou contra uma nova Comissão. O país é outro. Nossas prioridade­s, hoje, são outras. Melhor, como dizia Mateus (8:22), que “os mortos enterrem seus mortos”. E, sobretudo, precisamos de paz. Que o país seja pacificado. Algo cada vez mais difícil; por serem aqueles que deveriam responder por isso mais que todos, no Supremo (segundo a OAB Federal), os que mais promovem a radicaliza­ção e o confronto. O que é ruim, para o Brasil. Por isso pois, amigo leitor, reitero aqui uma ideia simples. A de que num país fraturado, como o nosso, nada é mais importante, necessário e urgente que construir a paz entre os brasileiro­s.

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CLARICE CASTRO/MDHC Sessão Plenária da Comissão de Anistia no ano de 2023
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