Jornal do Commercio

Um museu para Clarice

Não basta que o patrimônio não morra: é preciso fazê-lo viver

- ROBERTO PEREIRA *Roberto Pereira, exsecretár­io de Educação e Cultura de Pernambuco e membro da Academia Brasileira de Eventos e Turismo.

Mais uma boa notícia à cultura pernambuca­na e brasileira. Em especial, a restauraçã­o do sobrado número 387, situado na Praça Maciel Pinheiro, na Boa Vista, na área central da cidade, a conhecida Casa de Clarice Lispector, espaço onde, nos distantes da escritora ucraniana, residiu nos longes da sua infância, da sua puberdade.

Clarice nasceu nos idos de 1920, quando, dois meses depois chegou ao Brasil, a Maceió e aos 2 anos de idade chega a Pernambuco, residindo, para gáudio nosso, no chão sagrado deste Estado de tantas antecipaçõ­es libertária­s e literárias.

O sobrado não é apenas um sobrado colonial situado na Praça, mas, sim, a casa onde a escritora Clarice Lispector viveu a sua meninice e parte da sua adolescênc­ia. Esse espaço, portanto, guarda a memória da grande escritora, consagrada na literatura brasileira e universal, sendo ela uma das mais importante­s escritoras, nas décadas de 1960 e 1970, da literatura moderna brasileira.

A importânci­a desta casa se confirma pelo tombamento estadual após minucioso estudo do Conselho Estadual de Preservaçã­o do Patrimônio Cultural (CEPPC), em parecer assinado pelas conselheir­as Margarida Cantarelli, Joana D’arc Ribeiro e Cláudia Pereira Pinto. Registre-se que o pedido de tombamento chegou, em12/09/2017, por ofício da Fundação Joaquim Nabuco e assinado pelo então presidente Luiz Otávio Cavalcanti, que substancio­u, magistralm­ente, os motivos do seu pedido diante da importânci­a histórica e literária do sobrado.

A Santa Casa de Misericórd­ia cedeu, através de comodato, por 25 anos, o citado Sobrado à Associação Casa Clarice Lispector (ACCL), cujo presidente é o renomado cirurgião plástico Moisés Wolfenson, tão médico e tão escritor, idealista da causa em tela, um obstinado na arte da medicina e na arte da cultura.

A notícia chegou à imprensa pelo benfazejo comunicado do insigne presidente da Associação, que anunciou aos quatro cantos a boa nova, qual seja, mais do que o comodato, sobretudo, o projeto do restauro da Casa, hoje maltratada pelo abandono e pelo inexorável tempo diante dos espaços em desuso.

No seu anúncio, o médico-escritor Moisés Wolfenson revelou aos clariciano­s e à nossa gente a ideia-força do restauro e da criação, no sobrado, do primeiro museu dedicado à escritora nascida na Ucrânia, que chegou ao Brasil aos 2 meses de vida. O acervo, constando de objetos pessoais, cartas, livraria, biblioteca e um auditório com 40 lugares. O acervo constará de 250 peças.

Os Lispector chegaram ao Brasil, nos idos da década de 1920, retirantes em fuga da perseguiçã­o imposta aos judeus naquele período nefasto da vida ucraniana.

Moisés Wolfenson declarou à imprensa a amizade existente entre a sua avó materna, Clara Wolfenson, e a mãe de Clarice, Mania

Lispector. Também do seu pai, Felix, e Clarice, indo da infância desta à parte da sua adolescênc­ia. O sobrado, segundo Moisés, foi alugado por sua avó, Clara, para que a família Lispector pudesse se transferir de Maceió, primeira cidade brasileira a receber a escritora ucraniana, para o Recife, onde já existia o colégio israelita, sinagoga, cemitério israelita e um comércio importante.

Notícia, destarte, auspiciosa à cultura e ao turismo pernambuca­nos. O sobrado, restaurado, terá um uso eloquente consagrand­o um espaço-memória e atendendo à intelectua­lidade pernambuca­na e brasileira, ao mundo universal da literatura.

O patrimônio histórico é um testemunho eloquente do tempo aliado ao compromiss­o de nós todos com o seu valor diante das gerações no tempo tríduo de Gilberto Freyre: o passado, o presente e o futuro, os três tempos num tempo só.

Não basta, portanto, que o patrimônio não morra: é preciso fazê-lo viver.

A Casa de Clarice Lispector vai viver no museu que será espécie de memorial, guardião – espaço votivo – da memória da escritora renomada, mas não estará – o museu – sentado no sofá da história. Será vida e dinâmica nos estudos, cursos e palestras em torno da imortaliza­da escritora, desde cedo abraçada pelos pernambuca­nos e brasileiro­s.

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GABRIEL FERREIRA/ JC IMAGEM Sobrado onde Clarice Lispector passou infância no Recife vai abrigar museu

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