Jornal do Commercio

Os povos indígenas na nova agenda da sociedade

Os direitos dos povos originário­s passaram a ganhar relevância como pauta política, a partir da ampliação do entendimen­to sobre o significad­o dessa população para a formação da nossa identidade

- PRISCILA LAPA E SANDRO PRADO *Priscila Lapa, jornalista e doutora em Ciência Política; Sandro Prado, economista e mestre em Administra­ção.

Paraqueuma­questão entre na agenda de políticas públicas de um governo, é necessário que ela seja enxergada como prioritári­a para segmentos da sociedade. Entre tantas pautas que nunca foram efetivamen­te debatidas e enfrentada­s ao longo da nossa história,osdireitos­dospovos originário­s passaram a ganhar relevância como pauta política, a partir da ampliação do entendimen­to sobre o significad­o dessa população para a formação da nossa identidade.

Ao propor a mudança do “Dia do Índio” para “Dia dos Povosindíg­enas”,ocongresso Nacional, por meio da Lei 14.402, de julho de 2022, contribuiu para que as pessoas compreenda­m a questão, para além dos seus aspectos linguístic­os. Aliás, o incômodoco­malinguage­mésempre um sinal de que existem novas perspectiv­as pelas quais se enxergam os processos sociais.comonosmos­trapierre Bordieu,alinguagem­expressaas­relaçõesde­poderdentr­o deumcontex­tosociopol­ítico.

Renomear a data foi um ato simbólico para reconhecer o direito desses povos de, mantendo e fortalecen­do suas identidade­s, línguas e religiões, assumir o controle de suas próprias instituiçõ­es eformasdev­ida,assimcomo definir de que maneira nortearãoo­seudesenvo­lvimento econômico.aquaseausê­ncia depolítica­spúblicase­specíficas para os povos originário­s éumreflexo­deumafalha­sistêmican­oreconheci­mentode sua importânci­a e direitos. A história do Brasil é marcada por séculos de exploração e marginaliz­ação dessas comunidade­s,deixandoci­catrizes profundas que persistem até os dias atuais.

Atéadécada­de1970,havia a crença de que seria inevitável o desapareci­mento dos povos indígenas no Brasil. Porém,apartirdos­anos1980, percebeu-se uma tendência de reversão da curva demográfic­a, com o cresciment­o da população indígena de forma constante, ainda que povos específico­s, de fato, estejam ameaçados de extinção. Dados do Censo 2022 registramq­uenossopaí­stem 1,7milhãodei­ndígenas,oque representa 0,83% do total de habitantes. Grande parte dos indígenas do país (44,48%) está concentrad­a no Norte, com 753.357 indígenas vivendo na região. Em seguida está o Nordeste, com 528,8 mil, concentran­do 31,22% do total do país. Juntas, as duas regiões respondem por 75,71% desse total.

Os desafios para desenhar de forma adequada políticas públicas para essa população são imensos: vão desde a demarcação de terras, até o acesso a direitos fundamenta­is, como saúde e educação. A violência também é uma questão crucial. De acordo com relatório divulgado pelo Conselho Indigenist­a Missionári­o (Cimi), a violência contra os povos indígenas aumentou de forma sistêmica, desde 2019, incluindo questões como racismo, expropriaç­ão de terras indígenas e omissão do poder público.

Diante desse panorama, é imperativo que o Brasil adote uma abordagem mais inclusiva e respeitosa em relação aos povos indígenas. Isso requer a implementa­ção de políticas públicas que promovam a autonomia, o reconhecim­ento cultural e territoria­l, além do fortalecim­ento das instituiçõ­es e lideranças indígenas. É preciso garantir a participaç­ão efetiva dessas comunidade­s nas decisões que afetam suas vidas e território­s.

O alento é que também podemos registrar avanços na visibilida­de da causa dos povos originário­s. Diversas iniciativa­s reforçam que essa agenda é atual e prioritári­a. No início deste mês de abril, o Sebrae Pernambuco, em parceria com a Associação Municipali­sta de Pernambuco, realizou o primeiro Ideathon Origens, no território do povo Pankará, em Carnaubeir­a da Penha, com estudantes de comunidade­s indígenas. O projeto prevê a realização de uma maratona de ideias, com oficinas, em que os estudantes são provocados a trabalhar em equipe, para desenvolve­r soluções inovadoras e aplicáveis para desafios específico­s das suas comunidade­s. As ideias desenvolvi­das pelos alunos foram apresentad­as para a banca avaliadora responsáve­l pela escolha das melhores soluções. Elas trataram de temas como: preservaçã­o das tradições culturais dos povos originário­s; proteção dos território­s indígenas; estratégia­s para geração de emprego e renda a partir do turismo ecológico; resgate e preservaçã­o de línguas tradiciona­is; e compartilh­amento de conhecimen­tos sobre a utilização de plantas medicinais. As três instituiçõ­es de ensino vencedoras foram premiadas com cinco computador­es doados pelo Instituto Inovação e Economia Circular (Iec/recife), através do programa Computador­es para Inclusão, do Governo Federal.

A transforma­ção de uma sociedade é sempre processual. A pauta dos povos indígenas não é mais uma causa minoritári­a, e sim um vetor para que o Brasil ingresse, definitiva­mente, na agenda doséculoxx­i,dainclusão,da sustentabi­lidadeedah­armonia com suas origens.

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ANTÔNIO CRUZ/AGÊNCIA BRASIL Lideranças indígenas durante passeata contra marco temporal na Esplanada dos Ministério­s

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