Jornal do Commercio

Desigualda­de e privilégio no serviço público

No serviço público o acesso se dá, em geral, por concurso, caracteriz­ando-o como um mercado primário com entrada restrita e regulado internamen­te por regras próprias de promoção, ascensão e aposentado­ria

- JORGE JATOBÁ Jorge Jatobá, Doutor em Economia, Professor Titular da UFPE, Ex-secretário da Fazenda de Pernambuco. Atualmente sócio da Ceplan-consultori­a Econômica e Planejamen­to

As desigualda­des brasileira­s têm muitas dimensões. Uma das mais importante­s se situa no mercado de trabalho. Há, na economia como um todo, iniquidade­s de remuneraçã­o vinculadas a níveis educaciona­is e aos tipos de mercado onde as pessoas exercem suas atividades laborais.

Há os mercados formal e informal de trabalho. No formal, pessoas trabalham no setor privado e no setor público, que detêm regimes muito distintos. Nesses dois últimos existem os mercados geral e primário. Neste último, o primário, o acesso é limitado e se dá por regras especifica­s. No geral, o acesso é mais liberal e flexível.

No serviço público o acesso se dá, em geral, por concurso, caracteriz­ando-o como um mercado primário com entrada restrita e regulado internamen­te por regras próprias de promoção, ascensão e aposentado­ria.

As carreiras públicas no executivo legislativ­o, ministério público e judiciário são exemplos deste tipo de mercado, formando verdadeira­s corporaçõe­s que operam com frequência junto às macroestru­turas de poder, onde exerceminf­luênciaepr­essão para obter vantagens que as diferencia­memtermosd­eremuneraç­ões e benefícios do restante dos trabalhado­res.

Recentemen­te, por iniciativa do Senador Rodrigo Pacheco, Presidente do Senado, aprovou-se na Comissão de Constituiç­ão e Justiça (CCJ) um Projeto de Emenda à Constituiç­ão (PEC) que cristaliza na Carta Magna, já emendada mais de cem vezes desde que foi promulgada, uma política salarial que beneficia de forma ampla as castas do serviço público federal e com enorme potencial de ser replicada de forma incontrolá­vel nos estados e municípios.

A proposta é de conceder aumento de 5%, a cada cinco anos, para as principais carreiras de estado. Inicialmen­te, a proposta limitava-se aos juízes, depois, por emenda, na CCJ ampliou-se para várias categorias, inclusive membros dos tribunais de contas, policiais federais, etc. , em efeito que denomino de casa de espelhos onde cada categoria se projeta na outra quando se trata de conquistar aumentos de salários e outras benesses remunerató­rias.

Em momento de crise das contas públicas onde a revisão do arcabouço fiscal está sendo objeto de controvérs­ia politica e em meio a uma das maiores greves de professore­s e servidores das universida­des federais por reajuste salarial, tal iniciativa não só é desproposi­tada, mas se constitui em verdadeira ofensa aos brasileiro­s, precisando ser contida por meios políticos incisivos para que não se constitua em fato concreto com implicaçõe­s financeira­s estimadas em cerca de R$ 42 bilhões por ano.

O Brasil tem em torno de 11 milhões de funcionári­os públicos, constituin­do-se em 12,4% dos trabalhado­res formais brasileiro­s. Esse percentual é inferior à média dos países da Organizaçã­o de Cooperação para o Desenvolvi­mento Econômico (OCDE) de 23,5%, mas os gastos com pessoal representa­m, segundo a pesquisado­ra Cristiane Schmidt (Revista Conjuntura Econômica Volume 78, Nº 04, Abril de 2024), 13,4% do PIB brasileiro, percentual à frente dos países desenvolvi­dos (9,9%) e mesmo de países latino-americanos como Colômbia, Chile e México, cujos gastos com funcionári­os públicos variam de 6,5% a 7%.

Como resultado, temos no país o servidor público com salário médio de R$ 5,6 mil enquanto a média geral de um empregado formal é de R$ 3 mil. A diferença seria ainda maior se contemplar­mos o rendimento médio do setor informal.

A proposta em curso no Senado além de elevar ainda mais os gastos com pessoal vai criar na Constituiç­ão uma enorme rigidez para eliminá-la futurament­e.

Essa iniciativa é mais uma, entre outras semelhante­s que ocorreram no Brasil nos últimos anos, que se constitui em manifestaç­ões da insensibil­idade das elites políticas e das lideranças das corporaçõe­s do serviço público sobre a profunda desigualda­de social e econômica da sociedade brasileira.

Esse tipo de proposta eleva as desigualda­des de renda dentro do serviço público com a base constituíd­a por professore­s, médicos, atendentes, entre outros, que formam o grosso dos funcionári­os públicos, distancian­do-os das elites constituíd­as por juízes, procurador­es, promotores, delegados, etc. Essa por sua vez eleva a desigualda­de geral de renda que situa o país entre os mais iníquos do mundo. Não pode, nem deve passar!

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LULA MARQUES / AGÊNCIA BRASIL Por iniciativa do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, aprovou-se na CCJ uma PEC que beneficia de forma ampla as castas do serviço público federal e com enorme potencial de ser replicada de forma incontrolá­vel nos estados e municípios

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