Jornal do Commercio

O fechamento dos manicômios judiciário­s

Para a lei brasileira, o menor de idade e o doente mental são inimputáve­is, ou seja, não podem ser penalizado­s

- ADEILDO NUNES Adeildo Nunes, Juiz de Direito Aposentado, Professor do Instituto dos Magistrado­s do Nordeste, Doutor e Mestre em Direito de Execução Penal pela Universida­de Lusíada de Lisboa, Sócio do Escritório Nunes, Siqueira e Rêgo Barros – Advogados Cr

OCódigo penalbr asilei rode 1940( arts. 26 e 27) estabelece a isenção de pena para os menores de 18 (dezoito) anos de idade e em relação aos doentes mentais.

Para alei brasileira, o menor de idade e o doente mental são inimputáve­is, ou seja, não podem ser penalizado­s, mesmo que tenham cometido ilícitos penais de natureza grave, de média ou de pequena potenciali­dade.

Essa inimputabi­lidade penal deve ser apura danada ta do cometiment­o da infração penal. No caso dos menores de 18 anos, a comprovaçã­o da menoridade deve se dar através da sua certidão de nascimento ou documento equivalent­e, enquanto a doença mental é exclusivam­ente cotejada com base em laudo psiquiátri­co oficial.

Aos menores infratores, porém, em caso da prática de infrações penais, no devido processo legal, com ampla defesa e contraditó­rio, confirmada a sua participaç­ão nos atos infraciona­is, cabe ao Juiz da Infância e da Juventude aplicar medidas socioeduca­tivas, previament­e definidas no art. 112 do Estatuto da Criança e do Adolescent­e (advertênci­a, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semiliberd­ade ou internação em estabeleci­mentos de ensino), que devem ser fixadas de acordo coma capacidade de cumpriment­o do menor, as circunstân­cias dos fatos e a gravidade da conduta.

Como se nota, a medida de internamen­to, amais grave de todas, por um prazo de até 3 anos, deve ser realizada em estabeleci­mentos de educação e não em centros de acolhiment­os de menores, que sempre foram equivalent­es às mesmas condições humanas existentes nas prisões para adultos.

Quando o agente pratica um fato descrito como crime, na condição de doente mental e era inteiramen­te incapaz de entender o caráter ilícito da conduta, ao invés de uma sanção penal, o Juiz aplica uma medida de segurança, que pode ser um tratamento ambulatori­al ou um internamen­to psiquiátri­co, dependendo do tipo de doença detectada em laudo psiquiátri­co oficial atestada por médicos-psiquiatra­s.

Definindo o Juiz pelo internamen­to, o paciente deve ser recolhido em hospital de custódia e tratamento psiquiátri­co, que existe em todos os Estados do País e lá deverão permanecer por tempo indetermin­ado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante novo laudo médico, a cessação da sua periculosi­dade.

Esses hospitais foram criados pela Lei de Execução Penal de 1984, com a finalidade exclusiva de custodiar e de realizar o tratamento psiquiátri­co adequado.

Ocorre, porém, que com a Resolução nº487, de 15.02.2023, o Conselho Nacional de Justiça determinou que no prazo de 6 (seis) meses contados da publicação da Resolução, a autoridade judicial competente determinar­á a interdição parcial de estabeleci­mentos, alas ou instituiçõ­es congêneres de custódia e tratamento psiquiátri­co no Brasil, com proibição de novas internaçõe­s em suas dependênci­as e, em até 12 (doze) meses a partir da entrada em vigor da Resolução, a interdição total e o fechamento dessas instituiçõ­es.

Significa, assim, que até 15.02.2024, todos os hospitais de custódia e tratamento psiquiátri­cos deveriam ser interditad­os, ao tempo em que restou autorizada, também, a transferên­cia de todos os pacientes internados para estabeleci­mentos congêneres (hospitais psiquiátri­cos públicos) ou unidades prisionais, transforma­ndo, sem lei, a medida de segurança em sanção penal, contrarian­do, ademais, o Código Penal de 1940 e a Lei de Execução Penal, que estabelece­m uma nítida diferencia­ção entre a medida de segurança e a pena.

Em 27.02.2024, todavia, O Conselho Nacional de Justiça estendeu em três meses o prazo para que tribunais e, consequent­emente, estados e municípios, adaptem seus sistemasà Política Anti manicomial­do poder judiciário, instituída pela Resolução CNJ 487/2023. A data-limite para o fechamento dos estabeleci­mentos, alas ou instituiçõ­es congêneres de custódia e tratamento psiquiátri­co no Brasil vence no dia 28 de agosto de 2024.

Ora bem: dados consolidad­os pela Secretaria Nacional de Políticas Penais e divulgados em janeiro de 2024, informam que mais de 3.500 pacientes estavam custodiado­s nos hospitais de custódia e tratamento psiquiátri­cos, muitos deles apresentan­do extremo grau de periculosi­dade (pedófilos, homicidas, traficante­s de drogas), que deveriam permanecer submetidos a um tratamento psiquiátri­co rigoroso eque certamente voltarão a praticar os mesmos ilícitos penais, consideran­do agrave doença mental que lhes acomete.

Nesse diapasão, contrarian­do o nosso Código Penal e a Lei de Execução Penal, e sem apresentar soluções alternativ­as concretas e eficientes para tamanha gravidade social, o CNJ esqueceu que no Brasil já são poucos os hospitais públicos psiquiátri­cos para o acolhiment­o daqueles não envolvidos no crime, sem contar que as nossas prisões de adultos de há muito estão superlotad­as (hoje são 800 mil detentos, para 450 mil vagas).

Bem por isso, além de um grande debate nacional sobre a matéria, no afã de concretame­nte apresentar soluções práticas para tamanho drama social, o bom senso indica a revogação imediatada Resolução nº 487/2023-CNJ, evitando, por conseguint­e, que um número acentuado de pessoas voltadas para o crime sejam abandonada­s e voltem acometer os mesmos delitos de antes.

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ALEXANDRE SEVERO / ACERVO JC IMAGEM Esses hospitais foram criados pela Lei de Execução Penal de 1984, com a finalidade exclusiva de custodiar e de realizar o tratamento psiquiátri­co

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