As obras paradas e o capital eleitoral da incompetência com propósito
Há muito tempo já se aprendeu, no Brasil, que a distância entre o anúncio de uma obra pública e sua finalização é algo que não se mede com o calendário gregoriano, mas com aquele fornecido pelo Tribunal Superior Eleitoral, separando uma eleição da outra.
Logo, obras públicas não atrasam como estamos acostumados a contar, em anos ou décadas. Obras atrasam em eleições.
Foram cinco delas, no período contado pelo Tribunal de Contas do Estado para o levantamento apresentado esta semana com 1.504 obras paralisadas ou com indícios de paralisação em Pernambuco.
CAPITAL ELEITORAL
Todo mundo sabe que essas obras, senhoras e senhores contribuintes, são o capital eleitoral dos candidatos à reeleição no Brasil. Por que? Pense bem. O sujeito é prefeito ou governador, anuncia que vai construir um corredor de ônibus cortando a cidade e todo mundo se anima para votar nele. Passa a primeira eleição e ele ganha. Passa a segunda eleição, ele ganha, faz um sucessor e a obra lá “prestes a ser concluída”, sem nunca ser entregue à população.
Fica lá, como um tipo de renda eleitoral passiva, garantindo votos e novas promessas por cinco, vou repetir, cinco eleições consecutivas entre estado e prefeitura.
E este não é um exemplo aleatório.
BRT ONDE?
Quem nos lembra disso, usando o calendário gregoriano (aquele dos que não vivem de eleição em eleição), é a colunista de Mobilidade do Jornal do Commercio, Roberta Soares, bem aqui: “Os Corredores do Sistema BRT do Grande Recife - Norte-sul e Lesteoeste - mais uma vez lideram o ranking negativo do órgão de controle. Os dois corredores, inclusive, deveriam estar prontos desde 2013 (ainda para a Copa do Mundo no Brasil de 2014) e, por isso, integram o levantamento do TCEPE desde a primeira edição, ainda em 2014”.
SERVEM NAS ELEIÇÕES
Essas obras, e boa parte das que estão no relatório, foram anunciadas durante o governo Eduardo Campos no Estado e Geraldo Julio (PSB) no município. Ajudaram a eleger Paulo Câmara (na época pelo PSB) em 2014 e estavam lá na reeleição de Geraldo Julio em 2016. Ainda estavam lá, para serem “terminadas e entregues”, na reeleição de Paulo Câmara em 2018 e na eleição do sucessor de Geraldo no Recife, João Campos (PSB), em 2020.
E todo mundo se beneficiou de algum jeito.
ESTRADA
Outro exemplo que precisa ser lembrado é o da duplicação da BR 104. A obra serviu para a reeleição de Eduardo Campos em 2010, foi entregue pela metade em 2014, teve a conclusão prometida por Paulo Câmara naquele mesmo ano, depois foi prometida outra vez na reeleição de Paulo em 2018 e agora, quando o PSB saiu do poder estadual, finalmente está sendo retomada.
Antes disso, o pedaço da obra que faltava foi argumento para ajudar em três eleições socialistas, enquanto os motoristas pagadores de impostos trafegavam no caos, sofriam acidentes e, eventualmente, morriam.
SÓ O SUFICIENTE
Obras paradas precisam ser medidas em eleições e reeleições, porque são argumentos de campanha, servem para angariar votos e podem manter administradores públicos de baixa eficiência, até os medíocres, no poder.
E nem sempre o problema é o custo, porque muitas vezes a obra é anunciada apenas para servir numa eleição. Mas, nem sempre se gasta muito com ela.
Roberta Soares explicou, em reportagem deste JC: “Do total de 1.504 contratos, 462 foram declarados paralisados pelos próprios gestores públicos e 1.042 tiveram sinais de paralisação ou abandono, com gastos considerados pelo tribunal como irrisórios - menores que 15% do valor total do contrato”.