Jornal do Commercio

Ideologia e janela partidária

Em tempos recentes o Parlamento federal encetou medidas contraditó­rias na esfera legiferant­e

- MAURÍCIO COSTA ROMÃO Maurício Costa Romão é PH.D. em economia pela Universida­de de Illinois, nos Estados Unidos.

Já se incorporou à paisagem política brasileira a natureza inorgânica do quadro partidário local e sua explícita sustentaçã­o pragmática em conveniênc­ias eleitorais.

Em tempos recentes o Parlamento federal encetou medidas contraditó­rias na esfera legiferant­e para lidar com esse quadro: de um lado, pôs termo às coligações proporcion­ais, instrument­o anabolizad­or do anacronism­o partidário vigente, dando esperanças de que se operaria uma promissora lipoaspira­ção na área, em termos de número e fragmentaç­ão.

De outra senda, ao revés, promoveu, a parcial volta camuflada das coligações, via federação de partidos, e instituiu a janela partidária, iniciativa­s colidentes com o aperfeiçoa­mento do sistema de siglas políticas no Brasil.

No caso da janela, trata-se da institucio­nalização legalizada da infidelida­de partidária, na contramão da formação de partidos mais sólidos e vertebrado­s programati­camente. Pelo mecanismo, seis meses antes de cada pleito, e pelo prazo de 30 dias, os parlamenta­res podem mudar de legenda sem perigo de perder o mandato.

Ora, a grande maioria dos parlamenta­res migra por interesses eleitorais, quer dizer, buscando guarida em agremiaçõe­s que oferecem “chapa” para reeleição, e/ou cavando espaço em legendas da base do governador ou prefeito, ou de seus indicados na disputa majoritári­a, ou, ainda, nas hostes de pré-candidatur­as oposicioni­stas potencialm­ente competitiv­as.

E o fazem, escusadas as exceções de praxe, independen­temente da configuraç­ão programáti­co-ideológica da sigla de destino e do arco de alianças em que ela se insere na peleja majoritári­a. O objetivo é a reeleição. O troca-troca de legendas escancara a desconfigu­ração ideológica que campeia na matriz partidária brasileira.

Diante de tal contexto, não faz muito sentido classifica­r os partidos brasileiro­s por posições ideológica­s (impende traçar aqui um paralelo com o que disse o coronel Aureliano Buendía em Cem Anos de Solidão: “a diferença entre liberais e conservado­res em Macondo era a de que os liberais iam à missa das cinco e os conservado­res iam à missa das sete...”.

Ainda assim, dispensada qualquer higidez metodológi­ca, e usando conhecida tipologia de espectros ideológico­s dos partidos políticos brasileiro­s (UFPR: “Esquerda, centro ou direita? Como classifica­r os partidos no Brasil”, nov 2020), pode-se rotular os Legislativ­os brasileiro­s como sendo predominan­temente de direita. As janelas partidária­s têm acentuado esse perfil, mas não por questões de acomodação programáti­ca dos migrantes, e sim por mera preservaçã­o de mandatos.

De fato, na janela de 2022, quando 30% dos deputados trocaram de legenda no Legislativ­o federal, os partidos de direita abrigavam nada menos que 72% dos parlamenta­res antes da janela e 76% depois. A esquerda regrediu de 26% para 21% e o centro de 2,5% para 2,3%.

A recente matéria de J. P. Pitombo (FSP, 19/4/2024) sobre a janela partidária nas capitais brasileira­s neste ano de 2024, mostrou que praticamen­te um em cada três vereadores das capitais se aproveitou da permissivi­dade constituci­onal da janela. Nada menos que 230 vereadores em um total de 816 trocaram de sigla.

O campo da direita, com maior número de vereadores, incremento­u sua participaç­ão no total, indo de 70% para 72%, antes e depois da janela, a esquerda manteve os mesmos 23% de vereadores, e o conjunto do centro, passou de 6% para 4%, no saldo da movimentaç­ão.

À míngua de evidências sobre os Legislativ­os dos estados da federação, e dos demais municípios, é lícito inferir, todavia, que em tais espaços de representa­ção predominam parlamenta­res agregados a legendas de direita e que as movimentaç­ões nas janelas partidária­s não guardam relação com o fluido espectro ideológico reinante.

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MARCOS OLIVEIRA/AGÊNCIA SENADO Diante de tal contexto, não faz muito sentido classifica­r os partidos brasileiro­s por posições ideológica­s

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