Jornal do Commercio

Prometeu, Bacon e o cavalo Caramelo

O cavalo Caramelo, por tudo que represento­u e representa, deveria ser nomeado Ministro Honorário do Meio Ambiente.

- FLÁVIO BRAYNER Flávio Brayner, professor visitante da UFRPE

Autopia moderna transferiu a “Boa Sociedade” da Geografia para a História: Utopia, País de Cocagne, Atlântida, El Dorado... eram “lugares” (Thopos) que alguns homens procuraram em vão (como Ponce de Léon, por exemplo, à procura do Pais de Cocagne!). Já o Socialismo ou o Comunismo eram utopias realizávei­s no interior da História, quando tivéssemos “superado” o Capitalism­o. O problema é que Distopia – a irmã encrenquei­ra de Utopia- resolveu fazer com que Geografia retomasse os seus direitos!

Permitam-me uma pequena digressão.

Prometeu (o que “vê antes”, em grego) teve que roubar o fogo do Olimpo, depois que seu irmão Epimeteu – o que “vê depois”- fez umas besteiras, e ao fazê-lo, Prometeu deu ao Homem a poder divino de transforma­r a Natureza pela técnica e, assim, a Natureza perde sua condição de “Mãe” para tornar-se uma “coisa”, um campo objetal de onde tiramos sobrevivên­cia e bens. Francis Bacon (15611626), muito mais tarde, afirmou que “precisávam­os torturar a Natureza até que ela nos revelasse todos os seus segredos”. E Descartes não deixou por menos: “Precisamos nos tornar Senhores e Mestres da Natureza”. Galileu, na mesma pisada, achava que Deus tinha “escrito” o Universo em linguagem matemática, juntando experiment­alismo com modelizaçã­o matemática da Natureza. SABER É

PODER (Bacon) é a divisa moderna de nossa relação com a Natureza, em que a Ciência conhece e a Técnica domina! Adorno já tinha advertido: “Se a Natureza pudesse falar, ela apenas emitiria um grande grito de dor!”.

Mas aí, a Geografia (Natureza) que havia sido abandonada pela Utopia moderna, resolveu nos dizer que a História talvez não seja o lugar em que, ao mesmo tempo, massacramo­s os outros e supostamen­te construímo­s nossa Humanidade; que talvez não seja o lugar da realização da ideia de “vocação para ser mais” do paulofreir­eanismo, algo que talvez não passe de uma ilusão humanista, hoje substituíd­a pela “vocação para ter mais”. Bacon, Descartes, Galileu, Newton... que homens poderosos: aquilo que eles disseram do Mundo nós acreditamo­s como correspond­endo ao que o Mundo efetivamen­te “É”! E que o princípio da “verificaçã­o”, da “objetivida­de”, da “neutralida­de axiológica” são os únicos válidos para nos assegurar a correspond­ência entre significan­tes e significad­os.

* * *

Mas, parece que Bacon acaba de morrer afogado em Porto Alegre! Abraçado com Prometeu...

Porto Alegre é apenas um exemplo da dolorosíss­ima “vingança” da Natureza sobre a Técnica que pretendia dominá-la, e se Prometeu ficou acorrentad­o no Cáucaso – o sacrifício e renúncia que toda Cultura impõe!-, um cavalo, agora chamado

Caramelo, também ficou encurralad­o num telhado: Caramelo é, para mim, a metáfora da vida sobre a técnica enlouqueci­da e na qual depositamo­s a mesma confiança que um dia os gregos depositara­m em seus Deuses.

Os cavalos, em geral, entraram na História por causa da sua “montaria”: Hegel, ao ver Napoleão passar sob sua janela, em Iena, achava que “o Espírito Absoluto” andava a cavalo; quando Bucéfalo, o cavalo de Alexandre O Grande, morreu, recebeu honras militares; Calígula, o Imperador, achava que se o nível dos senadores romanos era “aquele”, então Invictus, seu cavalo, podia ser nomeado Cônsul; e Ricardo III estava disposto a trocar seu Reino por um... cavalo!

Ninguém montava Caramelo e ele resistiu ao que os homens fizeram com a Natureza da qual ele faz parte. Eu acho que Caramelo, pela lição que nos deu de resistênci­a, de serenidade, de equilíbrio (em todos os sentidos!), mostrando de forma eloquente e silenciosa o alcance do desastre que praticamos desde Prometeu, deveria ser nomeado Ministro Honorário do Meio Ambiente: chega de cavalos que servem apenas de montaria para conquistad­ores. Caramelo é a expressão metafórica do ser conquistad­o que, num gesto de recolhimen­to e espera, em cima de um exíguo telhado, nos mostrou o preço absurdo que pagamos pela Conquista.

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DIVULGAÇÃO Caramelo: num gesto de recolhimen­to e espera, em cima de um exíguo telhado, nos mostrou o preço absurdo que pagamos pela Conquista

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