Moda com propósito
Sustentabilidade, consumo consciente, floresta amazônica: tudo isso se confunde na história da Paimm, marca da designer de moda corporativa sustentável Manoela Paim. Nascida em Rio Branco, ela criou uma label que usa borracha produzida em Curralinho, Feijó, no Acre, e também algodão reciclado e de garrafa pet na produção de uniformes, aventais e dólmãs para bares e restaurantes. “O objetivo da Paimm é contribuir para um mundo mais sustentável, inclusivo e justo, por meio da moda. Até hoje, já reutilizamos dez mil garrafas pet e 600 quilos de resíduos têxteis, evitando que fossem parar nos lixos e aterros sanitários”, comemora. Mas como nasceu essa ideia?
SEMENTE FRANCESA
Manu cresceu rodeada de livros. Seu pai montou uma das primeiras livrarias do Acre e os exemplares preferidos dela eram os de vestir bonequinhas com diferentes looks. “Eu também tinha uma vizinha que costurava. Estava sempre na casa dela fazendo roupa para as minhas Barbies com sobra de tecido”, lembra ela, que nunca ligou esses passatempos de infância à paixão pela moda. Como não havia esse curso na cidade – e os pais a queriam por perto – Manu fez contabilidade por dois anos. “Até que, com 19 anos, vim para São Paulo estudar moda, já com a intenção de fazer pós fora do Brasil.”
Depois de passar pela Inglaterra, foi a Paris. “Lá, fiz estágios em fashion styling, artigos sobre moda, dava dicas de looks, vestia artistas para videoclipes... Para me formar, precisava trabalhar ou estagiar em empresa – e fui parar na Dior, um dos meus sonhos.” Manu era responsável pela comunicação visual da loja principal, na avenue Montaigne, que então era mandada para o restante do mundo, da montagem e exposição das peças às vitrines. Porém, sete meses mais tarde, percebeu que não era aquilo que queria para sua carreira. “Sentia que estava trabalhando sem propósito. Disse à minha tutora que voltaria ao Brasil para montar uma coisa minha e ela achou que eu tinha enlouquecido. Acontece que sempre quis criar algo que fizesse sentido para o mundo e diferença na vida das pessoas.” Era a primeira sementinha da Paimm dando as caras.
REENCONTRO COM O ACRE
Manu passou os dois anos seguintes entre idas e vindas para fincar pé em São Paulo no fim de 2015, já com um plano de negócios. “Um amigo que trabalhava na WWF (World Wide Fund for Nature) me apresentou uma borracha que tinha sido criada em uma parceria entre Inglaterra-unb (Universidade de Brasília). Ela era colorida e funcionava como produto final. A Vert Shoes, uma marca francesa de tênis usava essa borracha, que descobri ser do
DONA DA PAIMM, PIONEIRA EM ROUPAS DE TRABALHO SUSTENTÁVEIS, MANOELA PAIM GANHOU O MUNDO PARA DEPOIS VOLTAR PARA CASA, NO ACRE, E FAZER A DIFERENÇA NO CENÁRIO FASHION COM PEÇAS FEITAS DE BORRACHA SUSTENTÁVEL E ALGODÃO ORGÂNICO
Acre. Foi um insight.” Ela desenhou uma coleção cápsula com a ajuda de uma consultora de moda especialista em artesanato e partiu para conhecer a comunidade de Feijó, que fica a seis horas de carro de Rio Branco e mais duas horas de barco. Era isso! “Minha mãe cresceu no seringal, meu avô materno, que não cheguei a conhecer, era seringueiro. Meu avô paterno era seringalista. No segundo ciclo da borracha, muitos nordestinos foram para o Acre. Eles podiam escolher ir para a guerra ou ser soldados da borracha. E foi o que fez meu bisavô. Por isso, sempre tive uma conexão forte com essa história”, lembra.
SUSTENTABILIDADE E PREÇO JUSTO
Existiam mais pontos que faziam Manu ter certeza de que era esse o caminho: o projeto fazia parte da preservação da Amazônia. “Os seringueiros precisam das árvores em pé para sobreviver. Por isso, preservam. Fiz a viagem conheci as famílias, entendi o que seria um preço justo, o trabalho deles, voltei mais duas vezes e procuro ir todo ano. Acho importantíssimo esse contato.” O látex é sustentável, feito de material orgânico. O processo é todo manual, da manta à coloração. O algodão revestido com borracha se transforma em uma espécie de couro vegetal sustentável. “Fico feliz de fazer parte desse resgate da cultura extrativista no meu estado, de valorizar a mão de obra local.”
Os tecidos usados pela Paimm vêm de cooperativas em São Paulo e no sul do país para trabalhar com tecidos sustentáveis de produção 100% brasileira, feitos de algodão reciclado e de garrafa pet – cada metro representa 480 gramas de resíduos têxteis (que iriam para aterros sanitários) e oito garrafas pet coletadas nas comunidades.
As cooperativas produzem um novo fio a partir desse material, uma mistura. “O setor da moda é um dos que mais gera resíduos. Uma camisa de algodão precisa de mais ou menos dois mil litros de água na sua produção. Nós, na Paimm, buscamos gerar o mínimo de resíduo. O algodão reciclado usa 70% menos de água. E tentamos também minimizar o descarte. Uso as sobras de tecido para fechar os pacotes e quando não tem jeito, junto para fazer enchimento de almofada – ótima forma de dar um novo ciclo a esse tecido que viraria lixo.”
CORPORATIVO E CONSCIENTE
A hoje consultora de moda consciente entende que sustentabilidade envolve uma cadeia de produção em que todo mundo sai ganhando. E que ao comprar apenas aquilo que usa e precisa – e não só porque estava barato ou era bonito, ajuda o meio ambiente. “Roupa parada emite CO2 e polui. A gente precisa pensar no que está comprando, no que está investindo. A partir do momento que compra qualidade em vez de quantidade, toda uma cadeia sai ganhando: você, o ambiente, o pequeno produtor...”
A Paimm começou com moda casual, era sobre ser sustentável e desejável. Mas vendia muito pouco porque o custo era alto. “Vendia um vestido por mês e isso não sustentava a empresa. Foi aí que fiz um avental para uma amiga do ramo de coquetelaria e todo mundo começou a pedir um igual.”
Fechou o primeiro cliente e vendeu 60 peças – o que não tinha feito em um ano de moda casual. “Senti que o mercado tinha demanda, mas no início tinha bloqueio. Para mim, roupa de restaurante, de cozinha, não era moda. Mas eu estava errada.” A marca acabou especializando-se e é pioneira em aventais sustentáveis no Brasil. “Descobri, com os uniformes, uma maneira de levar a moda consciente para as pessoas, os restaurantes, os bares, as empresas. Ano passado vendemos para a França, e para Milão, na Itália. Estamos muito felizes com o resultado”, comemora.
Este ano, Manu inovou oferecendo máscaras sustentáveis e ecobags feitas com a borracha da Amazônia, e se prepara para lançar acessórios de borracha para mesa – porta-panelas, porta-copos, porta-pratos, 100% emborrachados, produzidos na comunidade de Sena Madureira, em Cazumbá, por 11 mulheres. “A gente já chegou bem longe mas não ainda onde gostaria de estar. A meta é aumentar a produção com a borracha e incluir mais famílias na linha de frente”, finaliza ela que ainda reserva tempo para dar treinamentos para empresas e grupos sobre moda consciente e cheia de propósito. paimm.com.br