L'Officiel Brasil

A dois passos do Paraíso

- POR PATRÍCIA FAVALLE FOTOS ROMULO FIALDINI SET DESIGN TISSY BRAUEN

ARIANA QUE ADORA DEIXAR DE LADO O SENSO COMUM, A JORNALISTA E EXPERT EM DESIGN DE INTERIORES, SILVIANE NENO, ABRE AS PORTAS DE SEU APÊ ANCORADO NA CAPITAL PAULISTA

Ela tem o gênio fervido dos nascidos sob a regência de Áries quase camuflado pela docilidade do sotaque paraense, manso e boa-praça. Silviane Neno é jornalista de raiz, daquelas que farejam notícia importante, destrincha horizontes ainda desconheci­dos e revelam o que tem de bacana por aí. E foi justamente entre as tarefas cotidianas que ela percebeu que estava diante de um verdadeiro tesouro.

Ao se deparar com a antiga moradia do zelador, no alto do prédio em que mora, no bairro de Higienópol­is, ela imediatame­nte enxergou potencial. Muitos empreendim­entos construído­s entre as décadas de 1960 e 1980 reservavam o topo do edifício para a “casinha do zelador”. Com a modernizaç­ão dos sistemas de segurança e a terceiriza­ção da administra­ção dos condomínio­s, a figura do “faz-tudo” entrou em extinção, e esses espaços foram, literalmen­te, abandonado­s. “Há mais de 18 anos não havia ninguém ali. O lugar servia de depósito de materiais de limpeza e restos de obras dos moradores do prédio em que vivo há 22 anos. Ninguém se preocupava com o pequeno apartament­o, todo quebrado, banhado pelo sol e de onde se vê até o pico do Jaraguá”, diz.

Silviane não só se interessou, como resolveu propor aos vizinhos fazer uma reforma geral – bancada por ela em troca da utilização da área por um tempo predetermi­nado. “Isso aconteceu há um ano e meio, quando resolvi levar a ideia aos outros residentes. A princípio queria fazer um ambiente moderno para o meu único filho, de 21 anos. A arquiteta Juliana Borges foi a responsáve­l pelo projeto de arquitetur­a e trabalhamo­s juntas para aproveitar o layout de 44 metros de área interna e 44 metros de área externa.”

Enquanto a obra avançava, elas encontrara­m um recinto desperdiça­do na sala das máquinas dos elevadores. “Ficava um nível acima da unidade e era conectado por uma escada outdoor e revestido com tijolos antirruído. Esse achado fez a planta ganhar mais seis metros. Criamos, assim, mais um quarto. Bingo!”

Foram necessário­s oito meses e toda a troca de pisos, janelas, revestimen­tos e portas para que a casinha se tornasse habitável. Juliana desenhou

“Mudar para um lugar menor, no mesmo prédio, significou uma mudança de estilo. Quando comecei a encaixotar as coisas, me dei conta do quanto acumulava de inutilidad­es. Meu guarda-roupa definitiva­mente não caberia na casa nova e nem aquelas roupas e sapatos pareciam fazer sentido na vida que eu queria ter quando subisse aquelas escadas”

“Não aprendi a fazer pão. Bolo também não fiz, mas conheci vizinhos com quem nunca falara antes, e trocamos receitas, deliveries e serviços de quem precisou se reinventar durante uma quarentena sem prazo para acabar. Juntos, ajudamos porteiros, funcionári­os domésticos e moradores de rua. Nos ajudamos também”

a marcenaria para aproveitar cada centímetro do imóvel. “Quando estávamos perto do final, decidi me mudar para a casa do zelador com o meu filho. Aluguei o meu apartament­o, no sexto andar, com tudo dentro, até com os quadros nas paredes, e parti para uma vida quatro andares acima”, pontua.

Antes de fazer as malas, Silviane precisou se desfazer de boa parte do closet e dos supérfluos. “Separei quatro malas de doações e despachei outro tanto de coisas para uma amiga que faz upcycling.

Escolhi apenas obras de arte, fotografia­s – como as de Cássio Vasconcell­os e as de Simone Monte –, livros e objetos que faziam parte da minha memória afetiva.”

O décor foi planejado para ser intimista e contou com a curadoria da designer e coreógrafa carioca Rosanne Moares Rego. “Tudo parece ter uma razão de ser e de estar presente”, reflete. No paisagismo, quem deu o ar da graça foi Clariça Lima, que se encarregou de ressignifi­car o concreto com o uso de plantas mais singelas, a exemplo das primaveras, oliveiras, bromélias e manjericão. “A trepadeira começava a trançar os seus galhos no guarda-corpo da varanda quando veio a pandemia. Ficar em casa não era mais opção, era questão de saúde. Morar na ‘Casa do Zelador’ passou a fazer mais sentido no momento em que o mundo se voltava para dentro. O meu pequeno jardim se transformo­u numa espécie de infinito particular. Era ali que eu lia o jornal pela manhã, tomava café, fazia exercícios seguindo os comandos de um professor pelo celular. A cada dia que sentia o sol na pele, ouvindo música na caixinha de som, eu olhava para o céu e agradecia a graça de ter aprendido a viver com menos, de ter aprendido a viver ali. Do privilégio de respirar sem máscara num oásis assistindo a algazarra dos passarinho­s no pé de jabuticaba. Mal sabia que só estava a dois lances de escada do Paraíso!”

Arquitetur­a: Juliana Borges

Paisagismo: Clariça Lima

Flores: Flower Bar

 ??  ?? ACIMA, PORTA COM INSPIRAÇÃO LONDRINA, FEITA
PELA PORMADE. A MAÇANETA É PADO E O PUXADOR FOI PRESENTE DO AMIGO E ARQUITETO JOÃO MANSUR. À DIREITA, SILVIANE VESTE NERIAGE E POSA COM O LUSTRE SPUTINIK, DA ITENS, COM DESIGN DE ANA NEUTE
ACIMA, PORTA COM INSPIRAÇÃO LONDRINA, FEITA PELA PORMADE. A MAÇANETA É PADO E O PUXADOR FOI PRESENTE DO AMIGO E ARQUITETO JOÃO MANSUR. À DIREITA, SILVIANE VESTE NERIAGE E POSA COM O LUSTRE SPUTINIK, DA ITENS, COM DESIGN DE ANA NEUTE
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ?? NESTA PÁGINA, A MARCENARIA SOB MEDIDA TEM DESENHO DE JULIANA BORGES E FOI EXECUTADA PELA LEGNO PLANEJADOS. NA PAREDE, TRABALHOS DE CÁSSIO VASCONCELL­OS E HÉRCULES BARSOTTI. À ESQUERDA, MÁQUINA DE ESCREVER QUE PERTENCEU À MÃE DE SILVIANE. O CINZEIRO FOI PRESENTE DA ARTISTA ISABELE TUCHBAND. DETALHE DA GELADEIRA QUE REDEFINE O SIGNIFICAD­O DE BEM-ESTAR
NESTA PÁGINA, A MARCENARIA SOB MEDIDA TEM DESENHO DE JULIANA BORGES E FOI EXECUTADA PELA LEGNO PLANEJADOS. NA PAREDE, TRABALHOS DE CÁSSIO VASCONCELL­OS E HÉRCULES BARSOTTI. À ESQUERDA, MÁQUINA DE ESCREVER QUE PERTENCEU À MÃE DE SILVIANE. O CINZEIRO FOI PRESENTE DA ARTISTA ISABELE TUCHBAND. DETALHE DA GELADEIRA QUE REDEFINE O SIGNIFICAD­O DE BEM-ESTAR
 ??  ?? A VARANDA TEM PAISAGISMO DE CLARIÇA LIMA. O GARDEN SEAT É DE JORGE ELIAS
E OS TECIDOS DO EMPÓRIO BERALDIN. BANCO EXECUTADO PELA LEGNO PLANEJADOS. O PISO É DA DAMME PORCELANAT­O. À DIREITA, A COZINHA TEM BANCADA DA COSENTINO E EXECUÇÃO DA MONT BLANC MÁRMORES. FORNO, COIFA E COOKTOP SÃO DA TRAMONTINA
A VARANDA TEM PAISAGISMO DE CLARIÇA LIMA. O GARDEN SEAT É DE JORGE ELIAS E OS TECIDOS DO EMPÓRIO BERALDIN. BANCO EXECUTADO PELA LEGNO PLANEJADOS. O PISO É DA DAMME PORCELANAT­O. À DIREITA, A COZINHA TEM BANCADA DA COSENTINO E EXECUÇÃO DA MONT BLANC MÁRMORES. FORNO, COIFA E COOKTOP SÃO DA TRAMONTINA
 ??  ??
 ??  ?? COZY: O QUARTO RECEBEU COLCHÃO SOB MEDIDA. O ENXOVAL É DA TROUSSEAU. AS FOTOS SÃO DE SERGIO ZALIS. NA SALA, A FOTO MAIOR É DE SIMONE MONTE, FEITA NA ITÁLIA. AO LADO, TRABALHOS DE CÁSSIO VASCONCELL­OS E DE OSVALDO GAIA. ROSANNE MORAES REGO FEZ A CURADORIA DE ARTE. TAPETE DE ZEBRA DO EMPÓRIO BERALDIN. A BABUCHE FOI TRAZIDA DE UMA VIAGEM AO MARROCOS
COZY: O QUARTO RECEBEU COLCHÃO SOB MEDIDA. O ENXOVAL É DA TROUSSEAU. AS FOTOS SÃO DE SERGIO ZALIS. NA SALA, A FOTO MAIOR É DE SIMONE MONTE, FEITA NA ITÁLIA. AO LADO, TRABALHOS DE CÁSSIO VASCONCELL­OS E DE OSVALDO GAIA. ROSANNE MORAES REGO FEZ A CURADORIA DE ARTE. TAPETE DE ZEBRA DO EMPÓRIO BERALDIN. A BABUCHE FOI TRAZIDA DE UMA VIAGEM AO MARROCOS
 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil