A dois passos do Paraíso
ARIANA QUE ADORA DEIXAR DE LADO O SENSO COMUM, A JORNALISTA E EXPERT EM DESIGN DE INTERIORES, SILVIANE NENO, ABRE AS PORTAS DE SEU APÊ ANCORADO NA CAPITAL PAULISTA
Ela tem o gênio fervido dos nascidos sob a regência de Áries quase camuflado pela docilidade do sotaque paraense, manso e boa-praça. Silviane Neno é jornalista de raiz, daquelas que farejam notícia importante, destrincha horizontes ainda desconhecidos e revelam o que tem de bacana por aí. E foi justamente entre as tarefas cotidianas que ela percebeu que estava diante de um verdadeiro tesouro.
Ao se deparar com a antiga moradia do zelador, no alto do prédio em que mora, no bairro de Higienópolis, ela imediatamente enxergou potencial. Muitos empreendimentos construídos entre as décadas de 1960 e 1980 reservavam o topo do edifício para a “casinha do zelador”. Com a modernização dos sistemas de segurança e a terceirização da administração dos condomínios, a figura do “faz-tudo” entrou em extinção, e esses espaços foram, literalmente, abandonados. “Há mais de 18 anos não havia ninguém ali. O lugar servia de depósito de materiais de limpeza e restos de obras dos moradores do prédio em que vivo há 22 anos. Ninguém se preocupava com o pequeno apartamento, todo quebrado, banhado pelo sol e de onde se vê até o pico do Jaraguá”, diz.
Silviane não só se interessou, como resolveu propor aos vizinhos fazer uma reforma geral – bancada por ela em troca da utilização da área por um tempo predeterminado. “Isso aconteceu há um ano e meio, quando resolvi levar a ideia aos outros residentes. A princípio queria fazer um ambiente moderno para o meu único filho, de 21 anos. A arquiteta Juliana Borges foi a responsável pelo projeto de arquitetura e trabalhamos juntas para aproveitar o layout de 44 metros de área interna e 44 metros de área externa.”
Enquanto a obra avançava, elas encontraram um recinto desperdiçado na sala das máquinas dos elevadores. “Ficava um nível acima da unidade e era conectado por uma escada outdoor e revestido com tijolos antirruído. Esse achado fez a planta ganhar mais seis metros. Criamos, assim, mais um quarto. Bingo!”
Foram necessários oito meses e toda a troca de pisos, janelas, revestimentos e portas para que a casinha se tornasse habitável. Juliana desenhou
“Mudar para um lugar menor, no mesmo prédio, significou uma mudança de estilo. Quando comecei a encaixotar as coisas, me dei conta do quanto acumulava de inutilidades. Meu guarda-roupa definitivamente não caberia na casa nova e nem aquelas roupas e sapatos pareciam fazer sentido na vida que eu queria ter quando subisse aquelas escadas”
“Não aprendi a fazer pão. Bolo também não fiz, mas conheci vizinhos com quem nunca falara antes, e trocamos receitas, deliveries e serviços de quem precisou se reinventar durante uma quarentena sem prazo para acabar. Juntos, ajudamos porteiros, funcionários domésticos e moradores de rua. Nos ajudamos também”
a marcenaria para aproveitar cada centímetro do imóvel. “Quando estávamos perto do final, decidi me mudar para a casa do zelador com o meu filho. Aluguei o meu apartamento, no sexto andar, com tudo dentro, até com os quadros nas paredes, e parti para uma vida quatro andares acima”, pontua.
Antes de fazer as malas, Silviane precisou se desfazer de boa parte do closet e dos supérfluos. “Separei quatro malas de doações e despachei outro tanto de coisas para uma amiga que faz upcycling.
Escolhi apenas obras de arte, fotografias – como as de Cássio Vasconcellos e as de Simone Monte –, livros e objetos que faziam parte da minha memória afetiva.”
O décor foi planejado para ser intimista e contou com a curadoria da designer e coreógrafa carioca Rosanne Moares Rego. “Tudo parece ter uma razão de ser e de estar presente”, reflete. No paisagismo, quem deu o ar da graça foi Clariça Lima, que se encarregou de ressignificar o concreto com o uso de plantas mais singelas, a exemplo das primaveras, oliveiras, bromélias e manjericão. “A trepadeira começava a trançar os seus galhos no guarda-corpo da varanda quando veio a pandemia. Ficar em casa não era mais opção, era questão de saúde. Morar na ‘Casa do Zelador’ passou a fazer mais sentido no momento em que o mundo se voltava para dentro. O meu pequeno jardim se transformou numa espécie de infinito particular. Era ali que eu lia o jornal pela manhã, tomava café, fazia exercícios seguindo os comandos de um professor pelo celular. A cada dia que sentia o sol na pele, ouvindo música na caixinha de som, eu olhava para o céu e agradecia a graça de ter aprendido a viver com menos, de ter aprendido a viver ali. Do privilégio de respirar sem máscara num oásis assistindo a algazarra dos passarinhos no pé de jabuticaba. Mal sabia que só estava a dois lances de escada do Paraíso!”
Arquitetura: Juliana Borges
Paisagismo: Clariça Lima
Flores: Flower Bar