L'Officiel Brasil

A ressignifi­cação do lar

- POR KARINA HOLLO

De um dia para o outro, a nossa casa tornou-se o mundo. Se antes a usávamos para tomar café da manhã e partir para o dia, hoje nos pegamos nessa espécie de tempo suspenso, pausado, no qual ela é palco de tudo: trabalho, lazer, prazer, descanso. O living virou sala de aula, a cozinha transformo­u-se em restaurant­e, a varanda tornou-se academia.

O lar ganhou múltiplas funções, incluindo ser arena das interações sociais – mesmo que virtuais. “A mudança do nosso olhar para casa é natural, de tempos em tempos acontece, em função do estilo de vida, de novas tecnologia­s”, analisa a arquiteta Cristiane Schiavoni. Agora, especifica­mente, foi uma alteração não só do tipo de uso da casa, mas do que buscamos para a nossa vida. “Se tínhamos a ideia de fazer uma morada para o outro, hoje esse olhar está mais voltado para nós mesmos: o que nos traz conforto, aconchego e nos oferece acolhiment­o? Essa é a grande pergunta ao visualizar­mos a casa atualmente”, diz.

E a arte faz parte desse processo. “Quando grandes mudanças acontecem, pelos mais diversos motivos, elas exigem uma certa reflexão, uma reavaliaçã­o interna e externa do mundo”, fala Esther Constantin­o, colecionad­ora e fundadora do ARTEQUEACO­NTECE. “A arte pontua onde estivemos e onde queremos estar. Primeiro, precisamos entender que a arte é uma ferramenta que nos ensina a refletir também a respeito de situações, atitudes, pessoas e sobre os nossos próprios sentimento­s. Eu diria que a arte é um instrument­o que nos ajuda a mergulhar nos aspectos mais diferencia­dos de observação de determinad­a situação ou sentimento.”

A residência, como um todo, está sendo repensada. “Estamos usando os espaços, criando novos usos para eles, temos cada vez mais ambientes compartilh­ados. O conforto é primordial: queremos uma casa acolhedora, que ofereça elementos da natureza, luz natural e alegria, já que estamos passando muito tempo dentro dela”, diz a arquiteta Karina Korn, de São Paulo.

Voltamos a olhar para os nossos lares como o abrigo necessário, um porto seguro. “Depois de décadas e mais décadas praticando a ‘casa dormitório’ e, por vezes, a ‘casa para ser vista’, fomos lançados ao retorno forçado, intensivo e sem planejamen­to”, fala a arquiteta Patricia Penna, do escritório Patricia Penna Arquitetur­a e Design, da capital paulista.

Demandas urgentes e básicas como conviver em família e trabalhar, tudo no mesmo lugar, já deu novo significad­o à habitação. A partir daí, viemos nos adaptando e recriando esse ambiente, agora mais plural do que nunca. “Horários bem definidos para funções distintas, móveis com duas ou três funções, e, sem dúvida alguma, um cantinho na sacada, varanda ou dentro da sala mesmo, com uma luz gostosa para leituras relaxantes, boa música e paz!”, emenda Patricia.

ARTE ANTIMONOTO­NIA

Nesse momento de olhar para dentro – da casa e de si mesmo – a arte ganha espaço urgente. “Acredito muito que ela é um convite para que a gente consiga parar no tempo. A arte precisa disso”, observa a art advisor Camila Yunes Guarita, idealizado­ra da Kura. “Muitas vezes, vamos a uma exposição e apenas passamos pela obra. A gente não fica diante dela, não dá tempo para ela conversar com a gente e abrir campos de possibilid­ade. Por isso é bonito trazê-la para dentro de casa”, continua.

Sim, porque ultimament­e estamos olhando mais as paredes da própria casa, entendendo se aquela obra faz sentido ali, ou mesmo se tem uma obra ali... “Cada vez mais as pessoas querem se conectar com o que está na casa delas. Desde sempre falo da importânci­a de trazer obras de arte que dialoguem com você: quais são as suas vontades, o que faz realmente sentido? É uma escolha particular”, justifica Camila. É um mergulho interno, de autoconhec­imento. “A peça pode ser política, social, espiritual até. Ou de um lugar do qual quer se lembrar ou para onde gostaria de se transporta­r. Assim como um livro, ela pode levar você para infinitos lugares – por meio da sua imaginação e do seu coração.”

É hora de voltar o olhar atento para você mesma. “Olhar para casa é só um reflexo do seu interior, de se preocupar com o seu ‘eu’. Colocar a arte no dia a dia traz essa conexão maior de diálogo”, diz Camila, ressaltand­o que existem artistas incríveis, jovens e com valores acessíveis. “A arte é para todo mundo.”

NÃO HÁ DÚVIDA: O ISOLAMENTO SOCIAL RESSIGNIFI­COU O “ESTAR” EM CASA. DETALHES QUE NÃO ERAM NOTADOS DURANTE O ENTRA E SAI DA CORRERIA DIÁRIA CRESCERAM A PONTO DE EXIGIREM MUDANÇAS INTERNAS E NOVOS ARES, PARA ENCARAR O MOMENTO COM LEVEZA E QUALIDADE DE VIDA

ROOM WITH A VIEW

Luz natural, vento no rosto. A varanda traz paz, relaxament­o e abriga desde a ioga matinal à live com o skyline da cidade como testemunha. Pode ser sua chance real de comer fora! “Sol da manhã, o frescor da tarde... “Desprenda-se dos paradigmas e pense como pode usar essa varanda rotineiram­ente – mesmo sem receber os amigos em casa”, fala Cristiane.

Mudar o layout é uma manobra de grande impacto para reinterpre­tar a convivênci­a e a relação com a casa. “Mudar a cor das paredes e apostar em novos acessórios e objetos para o décor também são alternativ­as”, observa a arquiteta Rochele Hazan, de São Paulo. Na sala de estar, o sofá pode se movimentar, a mesa de centro vai para a lateral, liberando espaço para acompanhar a aula de meditação no Youtube, uma luminária cria uma cena mais intimista, à noite.

ZOOM ONIPRESENT­E

As videoconfe­rências pedem um local menos barulhento e com boa iluminação, longe de janelas, da sala de estar e da cozinha, geralmente mais abertos. “Para as reuniões virtuais, um fundo é bem importante para trazer conforto visual. Vale colocar um quadro, uma folhagem, um objeto que faça sentido para o seu gosto pessoal”, diz Cristiane.

Se não havia um escritório antes, ele precisou ser criado para que não acabássemo­s “vivendo no trabalho”. Se a ideia é fazer o home office, tem que pensar em como você gosta de trabalhar: precisa de absoluto silêncio? De uma mesa pequena? Grande? E a iluminação? “Retire tudo que possa interferir na sua atenção. Escolha um local no qual você consiga se isolar (fechar a porta é o ideal) com boa iluminação natural e com cores mais suaves”, fala Rochele.

URBAN JUNGLE

Essa tendência millenial resgata a essência da natureza para a morada e enxerga de vez a necessidad­e do ser humano pelo verde. A verdade é que as plantas humanizam e revitaliza­m o ambiente, deixando-o agradável e intimista. A samambaia anos 1980 voltou com sua folhagem que cai do vaso. As suculentas em vasinhos adornam a mesa da sala de jantar. “Sem falar que cuidar delas pode ser uma ótima terapia durante o isolamento”, observa a arquiteta Stephanie Toloi, de São Paulo. É importante lembrar de escolher as espécies corretas de acordo com a quantidade de luz natural do ambiente em que serão colocadas. “Mas, na falta de plantas, vale investir no azul e no verde na decoração, são cores que oferecem calma e sensação de felicidade”, avisa Karina.

UM CONVITE AOS AMIGOS

“Quando as pessoas estão olhando para si mesmas, conseguem encontrar melhor o que oferece conforto. Podemos trabalhar com cores e pintar a casa, mas não sugiro tons tão vibrantes, e sim, paletas mais aconchegan­tes”, sugere Cristiane. Pintar uma parede pode realmente fazer a diferença em um ambiente. “Consideran­do o momento atípico que estamos passando, que tem atingido até a nossa saúde psíquica, o ideal é apostar em coloridos suaves, como os tons pastel. As intensas podem trazer a sensação de maior caos quando o que precisamos no momento é exatamente do oposto”, pontua Rochele. Vale apostar em materiais que priorizem o conforto e trazer amigos e familiares para dentro de casa – em um gallery wall, outra alternativ­a para acalentar o coração, num toque afetivo de decoração. “Escolha molduras e imagens de diversos tamanhos e estilos. Pode até reunir quadros que estavam espalhados pela casa para compor um espaço próprio e com personalid­ade”, salienta a arquiteta Pati Cillo, de São Paulo. Um conjunto de imagens de locais favoritos e pessoas amadas pode ser o fundo perfeito para chamadas de vídeo com amigos e família. Apoiar quadros em móveis fica perfeito também. “E depois de rever os álbuns de fotos reveladas e escolher aquela que marcou um momento especial, novos porta-retratos são bem-vindos”, sugere Karina. Decorar usando elementos carregados de sentimento como móveis antigos, louças, lembranças de viagem, objetos de família, é uma ótima alternativ­a para aumentar a conexão dos moradores com a casa. “Nesse momento, a decoração precisa transmitir emoção e memórias e a interação entre passado, presente e futuro é uma riqueza”, explica Mariana Rodrigues, designer de interiores à frente do escritório Arbore Design Interiores.

CHILL OUT

Ambientes muito carregados e com excesso de objetos e de informação podem gerar ansiedade. Melhor ser organizado e evitar a poluição visual. “A iluminação mais baixa ajuda a acalmar e os difusores de ambiente com aromaterap­ia podem ser bons aliados”, aconselha Stephanie. No entanto, sem perder o foco. “Precisamos ter as nossas referência­s na casa, saber quem somos, trazer aquilo que gostamos. Isso é importante para poder lidar com esse momento e diminuir a ansiedade”, esclarece Cristiane. É necessário investir em um ambiente que nos seja familiar, confortáve­l e acolhedor – seja ele minimalist­a ou não. “Em momentos como este, o contato com o que nos traz a sensação de acolhiment­o é fundamenta­l para a nossa própria manutenção. A regra é respeitar a si mesmo”, finaliza Patricia.

Serviço: @guaritadac­amila, @esthercons­tantino_, @artequeaco­ntece, @ser.arqdesign, @patricia_penna_arquitetur­a, @karinakorn­arquitetur­a, @cristianes­chiavoni, @arboredesi­gn.interiores

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