Neorretrato ianque
“Olhar na direção oposta” soa como mantra para Catherine Opie. A fotógrafa nascida em 1961, inspirada no contundente trabalho documental de Lewis Hine, cuja retrospectiva traz à tona temas como o trabalho infantil, começou a registrar as suas primeiras fotos quando ganhou de presente uma Kodak Instamatic. Aos 14 anos, a garota da cidade de Sandusky, Ohio, nos Estados Unidos, já sabia montar uma câmara escura.
O caminho trilhado a partir de então, naturalmente, a guiou à faculdade de Belas Artes. Até o début acadêmico, Catherine havia se dedicado à fotografia P&B e mudou radicalmente de estilo ao assinalar esquemas publicitários, canteiros de obra e layouts residenciais localizados na comunidade de Valência, na Califórnia, com jeitão de obra de arte.
Nessa pegada, há três décadas, ela ganhou os holofotes desfilando um portfólio intrigante, que desvenda os estratos minoritários da sociedade, concentrando-se em grupos específicos, como participantes de S&M e comunidades LGBTS. Muitas vezes consideradas politicamente incorretas, as suas imagens apresentam uma figura central, destacando a vida interior de seu objeto por meio da remoção dos detalhes externos. Trata-se, sem dúvida, de uma cuidadosa pesquisa antropológica. Ao longo de sua trajetória, Opie também investiga a cultura Queer e a história pessoal de seus personagens, criando narrativas autobiográficas e salpicadas por sua própria experiência como lésbica.
A intensidade à flor da pele e o tom provocativo servem de fios condutores rumo ao (sub) mundo da artista, que já expôs nos badalados Guggenheim de Nova York e no Instituto de Arte Contemporânea de Boston. Ao lado de um time formado por John Baldessari, Barbara Kruger e Ed Rusch, ela integrou o conselho do Museu de Arte Contemporânea de Los Angeles, e ainda fez parte da diretoria da Fundação Andy Warhol.
Mães de um jovem às vésperas de completar 20 anos, Opie e a companheira, a pintora Julie Burleigh, transformaram o lar em uma extensão do pequeno ateliê ancorado no quintal da construção (o verdadeiro bunker da fotógrafa
ARTISTA OBCECADA POR QUESTÕES PERPLEXAS SOBRE AS RELAÇÕES DAS MINORIAS COM A COMUNIDADE, CATHERINE OPIE EXPLORA TEMAS DELICADOS, PORÉM CADA VEZ MAIS NECESSÁRIOS
ocupa uma área de 5 mil metros quadrados, numa antiga cervejaria no centro de Los Angeles). A casa exala o gosto pelo autoral, com pegada que vagueia entre o incomum traduzido por rostos multifacetados e a obviedade dos portraits de esportistas e a fotografia de paisagem – paixões declaradas das anfitriãs.
O trabalho apresentado ao público em 2018, pontuado pela seara digital, compõe a série “Rhetorical Landscapes”, e remete à eleição presidencial de 2016, quando Catherine começou a recortar revistas e a colecionar figuras que vão da cena política à mudança climática, a exemplo de fotografias de armas de fogo, senadores, imigrantes, focas recostadas em calotas polares cada vez menores e edifícios sendo engolidos por mares indóceis. Mas tudo isso com a dialética de sempre: em que a fotografia cumpre o seu papel como engajadora política.
Por sinal, esse contexto está explícito em toda a obra de Opie, que desde os anos 1980 investe em ações de empoderamento e de contestação social. É o que se vê na coleção “Being and Having”, de 1991, que compreende closes de amigas lésbicas usando bigodes falsos, com tom desafiador ao legado do gênero. “Tenho orgulho de ser mulher, feminista, sapatão e mãe. Gosto da complicação de ser chamada de ‘senhor’ todos os dias e ter um bigode ralo. Gosto da fluidez da minha própria identidade”, diz.