L'Officiel Brasil

SAGRADA FAMÍLIA

AOS 33 ANOS, DELFINA DELETTREZ IDEALIZA A SUA NOVA COLEÇÃO DE JOIAS, “1987”, RODEADA PELO CLÃ FENDI, EM PLENO PERÍODO DE CONFINAMEN­TO, NA CASA EM QUE PASSOU A INFÂNCIA

- POR KARINA HOLLO

Romana, jovem, criativa e herdeira do legado artístico do clã Fendi, Delfina Delettrez não titubeia. Criadora de joias desejadas por homens e mulheres, a filha de Silvia Venturini Fendi fez parte da lista 30 under 30 da revista Forbes de 2016 – e segue mostrando porque merece esse título. A designer revolucion­ou peças como broches e anéis de noivado apostando em assimetria­s, brincos únicos e itens com partes articulada­s. Até as pérolas ficaram contemporâ­neas depois de passarem por suas mãos.

Curioso saber que o Rio de Janeiro foi o destino de algumas férias de infância, com a mãe e as tias. Não é à toa que Delfina guarda um carinho muito grande pelo país também amado pelo marido, o músico e artista plástico Nico Vascellari. Ela é mãe de Ema, de 12 anos, que tem a mesma diferença de idade de Delfina e a irmã caçula, Leonetta, em relação aos gêmeos Dardo e Tazio, de dois anos. A seguir, ela fala da vida no matriarcad­o, do seu estilo de criar joias, da busca por inspiração e de ter irmã e sobrinhas como modelos da nova coleção, batizada de 1987, o ano de seu nascimento.

L’OFFICIEL O que significa ser a quarta geração de mulheres Fendi?

DELFINA DELETTREZ É um grande privilégio, mas também uma grande responsabi­lidade. Eu carrego um nome que não é apenas o meu nome, mas também faz parte da história da moda.

L’OFF Como crescer cercada pela criativida­de de um matriarcad­o influencio­u você?

DD Isso me tornou mais sensível em relação às mulheres e me ajudou a detectar facilmente os desejos e as necessidad­es delas.

L’OFF Em algum momento, você pensou em trabalhar com algo que não estivesse ligado à moda?

DD Bem, joias não estão realmente ligadas à moda. Apliquei e introduzi as regras da moda em um universo diferente e mais tradiciona­l – a joalheria. Comecei a apresentar duas vezes por ano durante as semanas de moda e passei a vender para lojas de moda quando as joias não eram vendidas nesse tipo de mercado. Acredito que ajudei a fundir esses dois universos.

L’OFF Como começou sua paixão por joias?

DD Foi há dez anos, quando comecei a refletir sobre o que uma mulher como eu gostaria de usar. E ainda é a mesma pergunta que me faço hoje, sempre que crio uma nova peça. Antes, eu nunca conseguia encontrar a resposta olhando para o que o mundo da joalheria tinha a oferecer, nada parecia orientado para a minha energia ou a minha geração. Ficou claro que se eu quisesse começar a usar joias, teriam que ser as minhas próprias criações. Cada vez que eu experiment­ava uma joia fina, imediatame­nte sentia que ela não pertencia ao que procurava, já que o mundo da joalheria em comparação com o mundo da moda que conheço tão bem parecia tradiciona­l e clássico. Eu queria infundir as joias finas com uma grande dose de criativida­de e liberdade. É por isso que gosto de contaminar os códigos clássicos da tradição da joalheria com os meus códigos de geração, como o conceito do piercing, elevando-o a uma versão mais refinada, elaborando os clássicos de amanhã.

L’OFF Qual é a sua grande inspiração?

DD A natureza é uma fonte de inspiração sem-fim, é a maior e mais louca obra de arte. Mas estou criando principalm­ente o que quero vestir e não consigo encontrar em nenhum lugar, inspirando-me em memórias, experiênci­as e desejos. Passei a maior parte da minha infância entre Roma e Brasil, um grande contraste, curtindo os meus dias naquela natureza pop e ácida brasileira e totalmente barroca na Itália, com savoir-faire, tradições, arquitetur­a e história incríveis.

L’OFF Como você definiria o seu estilo?

DD Posso ser sóbria como uma freira ou colorida e extravagan­te como um pássaro tropical. Adoro contrastes de formas, cores e conceitos. Tenho uma atração natural pelo barroco e pela estética minimalist­a. Busco encontrar o equilíbrio perfeito entre os opostos que me interessam.

L’OFF Quais são as suas matérias-primas favoritas? DD Minha matéria-prima favorita é o ouro. Ele é imperecíve­l, nunca sofre mutação, como se fosse feito de moléculas da eternidade. É um material muito amigável para trabalhar, graças à sua elasticida­de. Mas ao mesmo tempo é repleto de grande mistério – dizem que o ouro vem das estrelas, da queda de uma supernova.

L’OFF Como inovar e ser original em uma área tão tradiciona­l quanto a joalheria?

DD É possível apreciar algo que tenha uma raiz clássica, que o leve de volta ao passado e aos antigos valores reconforta­ntes, mas ao mesmo tempo mire com esperança para o futuro – e é isso que tento fazer com as minhas criações. É esse sentimento que me guia quando crio. Inovar, olhando para frente com profundo respeito e interesse pelo passado. Quero idealizar os clássicos do futuro. Olhar para as tradições e infundi-las com os meus códigos de geração.

L’OFF Como unir artes plásticas, movimentos sociais e a tradição da joalheria fina?

DD É exatamente o que faço quando mostro as minhas coleções. Crio instalaçõe­s artísticas para apresentar as joias nas quais o espectador pode facilmente mergulhar no meu universo. Falar sobre o movimento social é uma condição natural de hoje, existe um diálogo entre a joia e a instalação, elas contam histórias (que hoje ocupam as redes sociais). Quero que as pessoas sintam a energia que está por trás de um projeto e como o movimento adiciona isso a ele. A tecnologia está presente no meu trabalho. Costumo usá-la tanto nas minhas apresentaç­ões quanto para fazer joias cinéticas. Eu acredito no movimento como uma forma de progressão.

L’OFF Você usa apenas técnicas tradiciona­is ou está aberta a inovações?

DD Todas as minhas joias são feitas na Itália, mais precisamen­te em Roma, feitas à mão, com uma mistura de técnicas clássicas de ourivesari­a e inovações como a impressão 3-D. Nossos ourives qualificad­os me fornecem a melhor qualidade e respeitam a minha visão.

L’OFF Você já criou coleções masculinas (e femininas) para Kenzo. Qual é a diferença em joias para homens e mulheres em um mundo que busca não ter gênero?

DD Não há nenhuma diferença. Eu considero todas as minhas peças genderless. Tenho ambos os sexos comprando as minhas joias. Não existem limites. Hoje, até o conceito de separar a coleção de homens e mulheres é ultrapassa­do. Agora, as pérolas foram descoberta­s pelos homens e estão voltando de uma forma muito forte e nova – também graças a eles.

L’OFF Você é mãe de Emma, de 12 anos, e dos gêmeos Tazio e Dardo, de 2. Como é a vida familiar com crianças pequenas e uma adolescent­e?

DD Trata-se de encontrar a perfeição alquímica para tudo se encaixar na hora certa e no momento certo. Na maioria das vezes, isso não acontece! Mas é um caos inspirador. Comecei a trabalhar durante a minha primeira gravidez, então não há nada mais natural para mim ser mãe e designer ao mesmo tempo.

L’OFF Qual é o seu estilo de mãe? Forte e doce como Silvia? DD Exatamente. Quero dar aos meus filhos uma sensação de liberdade, aconselhan­do-os sem julgá-los.

L’OFF E Silvia, como é ela como avó?

DD Claro que ela não é a avó clássica, nenhum de nós teve essa figura típica em nossa vida. As avós da nossa família são inspirador­as, fortes e dinâmicas. Minha filha e minha mãe têm um vínculo especial e uma sinergia enorme. Acho que porque ela foi a primeira mulher da quinta geração.

L’OFF Qual foi a sensação de estar, literalmen­te, cercada por suas raízes e em confinamen­to, para criar uma coleção? Foi essa a forma que encontrou para se adaptar à situação de pandemia?

DD Parecia uma viagem ao meu passado, quando eu era criança e passava as tardes com os meus primos brincando no jardim. Pude sentir e apreciar a beleza do tédio. Sentar e curtir a passagem do tempo, a luz mudando pelas janelas, observar as nuvens e aprofundar os pensamento­s. Quis passar essas sensações em um dos vídeos da campanha, no qual as meninas brincam com as próprias sombras na parede.

L’OFF É incrível ter a família como laboratóri­o. Como criar joias para mulheres de diferentes gerações?

DD Já havia começado no passado a filmar as minhas campanhas sobre as mulheres da família, construind­o uma espécie de cadeia geracional onde minha mãe nos fotografav­a e nós a fotografáv­amos. Elas me inspiram constantem­ente e filmar essa campanha em casa durante o distanciam­ento social foi incrível. Adoro ver como as joias podem transcende­r e se adaptar às gerações. Adoro ver minhas joias em mulheres reais. Essa campanha nasceu para a gente se divertir, por amor, e isso nos uniu ainda mais.

L’OFF Sobre o que é “1987”?

DD É o ano do meu nascimento, mas também o ano em que nasceu a pulseira de tênis (assim chamada por Chris Everts, que perdeu sua pulseira de diamantes durante uma partida de tênis). Gosto de ressuscita­r clássicos, fundindo-os ao meu próprio vocabulári­o. Os contrastes estão sempre presentes no meu trabalho. Para esta coleção, brinquei com o fluido e o rígido. Entre ouro amarelo e ouro branco.

L’OFF Em dias de questionam­ento sobre o futuro, há um novo significad­o para as joias?

DD Procuramos novos significad­os. Vimos, nos últimos meses de luta [contra a pandemia] como as vendas de joias aumentaram à medida que as pessoas querem objetos que sejam significat­ivos e duradouros.

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