L'Officiel Brasil

A CASA DA ONÇA

JANAÍNA RUEDA É DOCE SEM SER ENJOATIVA, ÁCIDA NA MEDIDA EXATA E DONA DE UM TEMPERAMEN­TO APIMENTADO, QUE A TRANSFORMA EM UMA MULHER ABSOLUTAME­NTE ENCANTADOR­A

- POR PATRÍCIA FAVALLE FOTOS CHRISTIAN MALDONADO

Se a vida da chef paulistana Janaína Rueda fosse uma música, certamente ela teria versos de Caetano Veloso com muitas pitadas sacadas da obra de Rita Lee. Isso porque a moça tem gosto pelo avesso e consegue achar beleza até mesmo onde Narciso evita mirar o olhar.

Foi assim que ela, nascida e criada em São Paulo, resolveu ancorar o seu primeiro empreendim­ento gastronômi­co sob os desígnios de Oscar Niemeyer, em pleno Copan – em uma época nada glamourosa para o bairro. Por sinal, o apê que divide com o marido, o chef Jefferson Rueda, e os dois filhos, também fica no cartão-postal mais curvilíneo da Pauliceia.

Esse passo ousado de ocupar o centro da capital serviu de impulso para a retomada da região, já que outros investidor­es viram na ideia um potencial promissor para o endereço boêmio.

Batizado de “Bar da Dona Onça” – reza a lenda que o nome tem a ver com a personalid­ade forte de sua dona –, o espaço inaugurado em 2008 tem em seu DNA a brasilidad­e descomplic­ada do arroz com feijão, além de contar com releituras de clás

sicos da culinária tupinambá com toque afetuoso. O casal ainda comanda a Casa do Porco (listado entre os 50 melhores restaurant­es do mundo), a lanchonete Hot Pork e a Sorveteria do Centro.

Em meio à correria cotidiana, que virou pausa forçada nos últimos seis meses, a chef avisa que sempre encontrou tempo para colocar nas panelas as suas melhores memórias afetivas. “Desde o início da quarentena entendi que o ‘ficar em casa’ era cozinhar para pessoas em situação de rua e de vulnerabil­idade social, organizand­o a coleta de doações pelo Bar da Dona Onça e buscando meios de contribuir com o setor da gastronomi­a, tão impactado pela crise. Nos últimos dois meses, aproveitei para me dedicar à escola Rueda, uma cozinha caipira a céu aberto, localizada no nosso sítio em São José do Rio Pardo, interior de São Paulo. É ali que criamos os porcos e plantamos os orgânicos que abastecem os nossos restaurant­es. Nesse período, também conquistei o registro de agricultor­a familiar, uma honra para mim”, diz.

De volta ao apartament­o com arquitetur­a dos anos 1950, o coração pulsa na cozinha desenhada e projetada por Jefferson – decorada pelas panelas favoritas da dona do pedaço e que cumprem a função de cozer as gostosuras servidas por ali. O bar que se conecta ao ambiente foi herança do antigo inquilino, enquanto as obras que percorrem a casa são assinadas por vários artistas plásticos, como Flipon (Felipe Yung) e Lumumba. “Adoramos experiment­ar novos ângulos, então, as mudanças nunca param. Parece que sempre há algo com a nossa cara que queremos implementa­r.”

Anfitriã trabalhada no bom papo, Janaína confessa que não tem sido fácil praticar o distanciam­ento social, mas que tem seguido à risca os protocolos de segurança. “Depois de todo esse tempo em casa, agora estamos de volta ao trabalho para que não falte

o pão de cada dia. Mas, sempre que possível, prefiro não sair, mesmo amando festas e aglomeraçõ­es.” E não é para menos, já que ela veio ao mundo em pleno domingo de Carnaval, há exatos 45 anos.

Na adolescênc­ia, Janaína mantinha um ar de rebeldia, que se tornou autêntico com o tempo. Ela fugia de casa para ver shows do Legião Urbana ou apenas para assistir ao programa “Perdidos da Noite”, comandado por Fausto Silva; levava o animal de estimação para a sala de aula (hoje ela tem o gato Sardinha), curtia a cultura gótica, o hip-hop e o samba, e não fazia ideia que cozinhar seria um ato tão transgress­or.

Sem meias-palavras, ela se define como “verdadeira, custe o que custar”, baladeira de carteirinh­a e fã de uma (ou várias, dependendo da companhia) dose de uísque. Num passado recente, fez parte de um programa municipal de merenda escolar que visava à troca dos enlatados por comida in natura. Passou quase três anos e meio treinando as merendeira­s e chegou a atender 1.800 escolas. Mas, de um dia para o outro, o projeto foi abandonado, sem nenhuma explicação.

Janaína Rueda se entristece com o descaso com as políticas públicas, mas faz planos e sonha com um futuro para o Brasil com mais veracidade e menos patifes. “Quero estar ao lado da minha família, quero plantar, colher e cozinhar. Ah, e não vejo a hora de comprar um trator!”, pontua. Como diria a senhora Rita Lee, “mulher tem um sexto sentido maior que a razão”.

“Depois de todo esse tempo em casa, agora estamos de volta ao trabalho para que não falte o pão de cada dia. Mas, sempre que possível, prefiro não sair, mesmo amando festas e aglomeraçõ­es.”

 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ?? NA FOTO DE ABERTURA, JANAÍNA POSA COM O MASCOTE SARDINHA. NA PÁGINA DA ESQUERDA, DETALHE DA ESCULTURA DA MÃE ONÇA. NESTA FOTO E ABAIXO, SALA DE JANTAR NO MELHOR ESTILO ANOS 1950, COM LUGARES DE SOBRA PARA OS CONVIDADOS QUE FREQUENTAM A CASA E DETALHE DA ESTANTE FEITA SOB MEDIDA. À ESQUERDA, O CORAÇÃO DO IMÓVEL: A COZINHA DESCOMPLIC­ADA E ESPAÇOSA QUE O CASAL DIVIDE NO DIA A DIA
NA FOTO DE ABERTURA, JANAÍNA POSA COM O MASCOTE SARDINHA. NA PÁGINA DA ESQUERDA, DETALHE DA ESCULTURA DA MÃE ONÇA. NESTA FOTO E ABAIXO, SALA DE JANTAR NO MELHOR ESTILO ANOS 1950, COM LUGARES DE SOBRA PARA OS CONVIDADOS QUE FREQUENTAM A CASA E DETALHE DA ESTANTE FEITA SOB MEDIDA. À ESQUERDA, O CORAÇÃO DO IMÓVEL: A COZINHA DESCOMPLIC­ADA E ESPAÇOSA QUE O CASAL DIVIDE NO DIA A DIA
 ??  ?? ACIMA, RECORTES DO LIVING, COM MUITA ESTAMPA ANIMAL PRINT NAS ALMOFADAS, TELAS E CINZEIROS. NA FOTO MAIS À DIREITA, COLEÇÃO DE IMAGENS SACRAS DO CRISTIANIS­MO E DAS RELIGIÕES DE MATRIZES AFRICANAS. NA PÁGINA SEGUINTE, VISTA DO BAR DEIXADO PELO ANTIGO INQUILINO, OBRAS DE ARTISTAS CONTEMPOR­NEOS E PEÇAS DE DESIGN. ABAIXO, LIVING COM BASE BRUTALISTA E DÉCOR INTIMISTA
ACIMA, RECORTES DO LIVING, COM MUITA ESTAMPA ANIMAL PRINT NAS ALMOFADAS, TELAS E CINZEIROS. NA FOTO MAIS À DIREITA, COLEÇÃO DE IMAGENS SACRAS DO CRISTIANIS­MO E DAS RELIGIÕES DE MATRIZES AFRICANAS. NA PÁGINA SEGUINTE, VISTA DO BAR DEIXADO PELO ANTIGO INQUILINO, OBRAS DE ARTISTAS CONTEMPOR­NEOS E PEÇAS DE DESIGN. ABAIXO, LIVING COM BASE BRUTALISTA E DÉCOR INTIMISTA
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil