O AMOR EM TEMPOS DE CÓLERA
DURANTE A QUARENTENA FORÇADA, FERNANDA TAKAI DEU VOZ AO SEU NOVO PROJETO, RODADO INTEGRALMENTE NO CONFINAMENTO E QUE CONTA COM COLABORAÇÕES DE PESO FEITAS A DISTÂNCIA
Enquanto a maioria dos humanos se trancafiou em casa para ver a vida passar em câmera lenta, Fernanda Takai acelerou o ritmo e preferiu criar novos projetos – todos dentro da própria casa. Ao lado do marido, o produtor e músico John Ulhoa, ela acaba de lançar o álbum “Será que você vai acreditar?”.
Logo na primeira faixa, Olavo de Carvalho, papa-mor do bolsonarismo, ficaria contrariado com a letra da música “Terra Plana”. Interpretada quase como um sussurro, a canção inicia com o seguinte trecho: “Se eu disser que mesmo tendo medo você deve se arriscar, será que você vai se machucar? E se alguém te contar que a Terra é plana e que não dá pro espaço viajar, será que você vai acreditar? Não pode ser, onde é que eu errei? Como é que isso foi acontecer?”.
Se a melodia parece surreal, ela foi escrita de olho no que tem rolado por aí – os movimentos terraplanistas existem e militam nas redes sociais sem medo do mico. “Escrevi a música pensando em nossa filha, imaginando se estamos dando a ela as ferramentas que precisa para ter a coragem que a vida pede e a sabedoria para se esquivar do obscurantismo que anda nos assolando. É sobre pais envelhecendo e desejando ter acertado na educação dos filhos, para um dia poderem se despedir em paz”, diz John.
Por falar em maternidade, desde o nascimento de Nina, em 2003, o casal faz questão de criar composições para crianças e adolescentes, assim como se permite sair da zona de conforto, com gravações que vão do rock ao japan pop. É da dobradinha com o marido que surgiu, por exemplo, o projeto “Música de Brinquedo”, ganhador do Grammy Latino de 2010, e que mereceu versão ao vivo em 2011.
A vocalista do Pato Fu, banda mineira que passeia entre o indie e o folk, na estrada desde 1992, coloca o seu vozeirão – uma mistura contemporânea e bem dosada de Nara Leão e Elizeth Cardoso – em sucessos tramados ao lado de Andy Summers, ex-the Police, Duran Duran (a moça fez participação especial em um show da banda) e nas interpretações do Clube da Esquina, que reuniu Lô Borges, Milton Nascimento, Toninho Horta, Wagner Tiso, Beto Guedes e Márcio Borges.
De volta ao seu trabalho mais recente, “Não Esqueça”, de Nico Nicolaiewsky soa como verdadeira declaração de amor e parece tão atual, mesmo tendo sido escrita há anos. O verso “Não esqueça que é tudo ilusão, não esqueça de lavar as mãos” está conectado com a realidade pandêmica, de um mundo que adotou novos hábitos e quase perdeu a esperança. Mais à frente, em “Não Creio em mais Nada”, de Paulo Sérgio, Fernanda criou uma balada gostosa de ouvir, com batidas que dificilmente desgrudam da mente.
E então chega a hora de tocar “O Amor em Tempos de Cólera”, escrita em parceria com Virginie Boutaud, ex-líder do grupo Metrô, um arrasa-quarteirão dos anos 1980. “Pensamos nessa canção como um carinho, um momento de aconchego em tempos difíceis. Virginie é sempre muito delicada em tudo que faz e adorei as nossas vozes juntas. Ela lá em Toulouse [França] e eu aqui em Belo Horizonte estamos mais perto do que nunca!”, avisa Takai. Ainda na onda das collabs, Maki Nomiya, que integrou o duo Pizzicato Five (primo do conjunto psicodélico Deee-lite), assina a coautoria e canta com Fernanda “Love Song”. “Ter a Maki comigo neste disco celebra mais uma vez nossa amizade musical, além da relação entre Brasil e Japão. Fizemos essa música sobre um amor que está distante, do outro lado do mundo, mas que sobrevive a todas as dificuldades”, diz.
E se o enredo “tupinipônico” pega bem, a set list que vem na sequência faz a gente querer mais: tem adaptações de Amy Winehouse (“Love is a Losing Game”) e outra que ficou famosa na voz de Michael Jackson (“One Day in Your Life”). Fernanda Takai, no auge de seus 41 anos – completados durante o confinamento –, virginiana bossa-nova com um respingo de leão nos olhos, ainda tem muito a dizer, ou melhor, a cantar. @fernandatakai