GRITO DA NATUREZA
É CADA VEZ MAIS COMUM A PARTICIPAÇÃO DE ARTISTAS QUE SE DEBRUÇAM SOBRE TEMAS QUE BUSCAM A INTERLOCUÇÃO ENTRE O HOMEM E O MEIO AMBIENTE
Depois de viver em uma caverna em Minas Gerais nos anos 1960, o polonês radicado no Brasil, Franz Krajcberg, mostrou ao mundo a sua arte bruta – porém, purista –, impregnada pela violência do desmatamento causado por ações humanas. A barbárie provocada pelo homem fez o artista plástico transformar troncos e galhos calcinados em esculturas. Ele costumava dizer que a suas obras eram o reflexo das queimadas. “Por isso uso as mesmas cores sempre: vermelho e preto, para representar o fogo e a morte.” E assim como fez Franz, a húngara Agnes Denes, 89 anos, e a norte-americana Mierle Ukeles, 81 anos, também se curvaram à luta preservacionista.
Chamado de “conceitual”, o movimento ganhou peso nas décadas de 1960 e 1970. Foi nessa época que Denes, já residente de Nova York, entrou para o seleto grupo de artistas dedicados ao tema. Mas foi só a partir dos anos 1980 que o público começou a dar atenção ao enredo que estava sendo desenhado – e isso se deve, sobretudo, ao trabalho “Wheatfield – A Confrontation” (Agnes Denes, 1982), considerado o marco mais significativo da Land Art. O campo de dois acres de trigo plantados sob os símbolos cosmopolitas da Wall Street, da Estátua da Liberdade e das torres gêmeas do World Trade Center colocou em xeque os sistemas agressivos da agricultura moderna e o detrimento do solo em benefício do capitalismo selvagem. “Todos os meus conceitos filosóficos parecem culminar e ganhar vida nas minhas obras ambientais. Eles devem iniciar a sua existência no mundo quando concluídos como obras de arte e chegarem a uma total compreensão à medida que crescem e evoluem com as necessidades e as perspectivas da humanidade”, pontua Denes.
No mesmo front, Mierle Ukeles desafia o imaginário coletivo com práticas artísticas mais provocativas. Das esculturas abstratas à “arte de manutenção”, ela relaciona o trabalho doméstico (e feminista) ao cuidado com o meio ambiente. Segundo Ukeles, a arte de manutenção envolve maternidade, criatividade, trabalho emocional e educacional. Além disso, a sua ideia de ready-made eleva à condição de arte objetos comuns e atividades cotidianas, especialmente aquelas realizadas por mulheres.
O seu engajamento despertou o interesse por políticas públicas de saneamento, o que a colocou no radar das divisões de planejamento urbano ianque. E esse flerte acarretou num dos seus mais emblemáticos trabalhos: “Landing”, startado em 1989, e que segue ativo mostrando o espólio sobre a regeneração de um aterro sanitário de Nova York.
Antes, porém, ela protagonizou a intervenção “Touch Sanitation”, que durou um ano e contou com mais de 8.500 garis. “A manutenção tem a ver com a sobrevivência, com a continuidade ao longo do tempo. Você pode criar algo em um segundo. Mas seja uma pessoa, um sistema ou uma cidade, para mantê-la, você precisa continuar. Acho que uma coisa que devemos fazer é valorizar e aprender com aqueles que prestam este serviço”, diz.
Tanto para Mierle como para Agnes, o artista exerce o mesmo papel do ativista, que, nos dias de hoje, ganhou nomenclatura própria: “artvista”. Ambas estão na contramão do modernismo, em que a originalidade é exposta em primeiro plano, enquanto a normalidade simplesmente não existe. Para as artistas, o argumento é justamente o oposto – fazer da realidade o ponto de partida para a criação do debate em torno das questões do ambiente. Contudo, Mierle escolheu contextualizar os assuntos linkados às classes operárias menos favorecidas – incluindo as mães nos scripts metafóricos da arte –, enquanto Denes preferiu usar critérios ambientais e linguagens de percepções em escalas monumentais.
Em sua obra intitulada “Tree Mountain”, em Ylöjärvi, na Finlândia, Agnes Denes ergueu colinas e convidou 11 mil pessoas para plantarem 11 mil mudas de árvores em espirais, dando origem à primeira floresta nativa do mundo criada por humanos. O projeto padrão levou em conta os antigos trabalhos de terraplenagem, bem como a precisão matemática encontrada em muitas das obras dos mestres da pintura. O plantio ocorreu ao longo de quatro anos, de 1992 a 1996. Depois de pronto, a artista deixou a natureza fazer o resto do trabalho. As árvores floresceram nas terras recuperadas e, no início dos anos 2000, o modelo intrincado apareceu para aliviar o estresse ecológico do planeta. Uma década antes, Ukeles estava imersa na tarefa de revelar ao sistema como as engrenagens funcionavam e quais seriam as consequências se elas falhassem. O protesto ambiental não tinha viés de reflorestamento, mas escancara a importância do consumo consciente e da reciclagem – e falamos de 1983, período em que “upcycling” e “sustentabilidade” nem faziam parte dos dicionários.
A obra batizada de “Social Mirror”, mostra um caminhão de coleta de lixo que percorre uma avenida de Nova York como parte de um cortejo, envelopado com painéis de espelhos. No reflexo, a multidão se enxerga como parte da sujeira que é varrida para baixo do tapete. Eis a afronta ideal para responder uma de suas principais indagações diante dos mecanismos que ignoram os responsáveis pela limpeza urbana: “Depois da revolução, quem vai recolher o lixo?”.