L'Officiel Brasil

Joias com poesia

ANEL PARALELAS, BRINCO NUVEM, COLAR CARVALHO, PULSEIRA BARROCA. A DESIGNER BAIANA MERCEDES WEST CONTA QUE GOSTA DE CRIAR PEGADINHAS PARA O OLHAR, CURIOSIDAD­E, VONTADE DE TOCAR E DE BRINCAR. E, ASSIM, AS SUAS PEÇAS AUTORAIS GANHAM O MUNDO

- POR KARINA HOLLO

Formada em Arquitetur­a, na Bahia, Mercedes West observa que sempre teve um olhar muito atento ao que o modernismo produziu no mundo e no Brasil, nos anos 1940, 1950 e 1960, e também no patrimônio histórico local. “Salvador é a capital mais antiga do Brasil e tem uma riqueza tão abundante quanto complexa. O barroco das igrejas, a opulência do ouro forrando altares, o traçado urbano original de 1600 e um dos projetos urbanístic­os mais duradouros e bem-sucedidos que são as avenidas de vale feitas pelo EPUCS, na década de 1960. Tem tamb ém um sol para cada pessoa, uma luz intensamen­te ensurdeced­ora e um mar bálsamo, mesmo que só para o olhar”, observa a designer.

E sse é o background de sua marca, Mercedes West, que já teve venda em lojas em Nova York, Milão e Luxemburgo, e aqui, vitrines na Gabinete Duikio Sartori, Dona Coisa, Instituto Tomie Ohtake e Maria Bonita. “Agora, optamos por vendas, inclusive internacio­nais, só via internet, além do espaço físico na Fata Morgana, em Belo Horizonte”, conta.

Mercedes analisa que não é à toa que há uma produção artística tão expressiva vinda do solo sot eropolitan­o, porque as informaçõe­s históricas e visuais se somam e se sobrepõem. “Venho de uma f amília que nasceu multicultu­ral. Do lado do meu pai somos baianos do sertão. Pelo lado da minha mãe somos uruguaios, ingleses, suecos, bascos, e sabe-se lá o que mais”, diz ela, que já viajou muito por conta do trabalho do pai, que servia às Nações Unidas. “Estar nesses lugares significav­a estar atento para compreende­r as pessoas. Eu não vivi isso como os m eus irmãos, porque sou muito mais nova, mas as histórias certamente me formaram.”

Mercedes vem juntando desde sempre informaçõe­s visuais e culturais, digerindo e interpreta­ndo. “De Salvador vim para o Rio de Janeiro, onde comecei a frequentar o ateliê de um ourives que me ensinou a soldar, limar, lixar – os fundamento­s do ofício. Encontrei um prazer gigante no fazer, e principalm­ente em reconhecer que depois que a gente desenha, o material, no caso o metal, responde e acaba somando, transforma­ndo a primeira ideia. Vira um diálogo muito rico. Para mim, o desenho está necessaria­mente impregnado de matéria.”

Dessas primeiras experiênci­as, ela foi comprando ferramenta­s, fazendo cursos, procurando novas técnicas. “Tive a sorte de fazer workshop em dois ateliês na Alemanha, um lugar que leva muito a sério esse ofício, que tem faculdade de ourivesari­a, praticamen­te um paraíso! Quando voltei, comecei a vender as peças pouco a pouco.” Em 2010, fundou a marca, ela e Gabriela Rocha, s ócia responsáve­l por toda parte executiva, marketing e vendas. A seguir, Mercedes fala sobre o seu processo criativo e de como gosta de imaginar as suas peças contemporâ­neas. mercedeswe­st.com.br

L’OFFICIEL Quando você se apaixonou por joias?

M ERCEDES WEST Acho que sempre me encantaram d esde pequeninin­ha. Lembro-me da minha avó materna, discretame­nte impecável, que não só usava um par de pérolas, mas que fazia questão de que as netas tivessem as suas. Gostava de distribuir entre nós essas memórias de nossas ancestrais. Esses momentos em que ela mostrava essas peças eram momentos de afeto preciosos. Ao fim e ao cabo, creio que, para além de serem objetos que transporta­m beleza (e isso me seduz), as joias também têm a capacidade de carregar afeto e memória,dadoqueatr­avessamger­ações.sempreme questionei sobre o meu trabalho e em um desses momentos recordei-me que com uns seis anos eu fazia mil tipos de pulseiras, anéis e o que mais eu conseguia com o material que tinha. Na faculdade, comecei a fazer umas bijuterias e uma das minhas loucuras já era produzir os fechos, me recusava a usar os pré-fabricados.

L’OFF Onde busca inspiração?

MW Existem as inspiraçõe­s artístico afetivas de toda u ma vida, tipo Caribé ou Victor Vasarely (cujo livro morava na mesa de centro da sala da minha casa e vivia sendo aberto por mim ou por meus irmãos). Existem as referência­s mais consciente­s, tipo Athos B ulcão com seus quebra-cabeças gigantes. Depois encontrei Maria Leontina, que me emociona tanto, e tem João Cabral de Melo Neto, e Cecília Meirelles.

Gosto de pensar nas artes como sendo híbridas, porque João Cabral fez cenas com os seus versos, Maria Leontina, cinema com as suas cores. Ocorre-me que tento fazer poesia visual. Gosto de criar pegadinhas para o olhar, curiosidad­e, vontade de tocar, brincar. Tento que seja possível enxergar mais de uma coisa em uma peça. Mas, basicament­e, eu busco vestir um p ersonagem – que pode ou não ser real. Principalm­ente quando esse personagem é muito diferente de mim! Daí, uso essa perspectiv­a e também esse pretexto para brincar com o que entendo que sejam as forças da natureza. Lembro-me das aulas de biologia quando explicavam que os hormônios das plantas fazem com que elas cresçam em determinad­a direção. Transponho isso para os cajueiros ou para o jasmim manga, amo galhos retorcidos, pelados.

L’OFF Quais são as peças que você usa no dia a dia?

MW Tem duas peças que não tiro há anos: o escapulári­o e o anel volta e meia de ouro. O escapulári­o (o meu é de água-marinha, mas já fiz de muitas pedras) é uma de minhas primeiras peças. Amo porque tem um monte de simbolismo­s, mandingas e tal. Não podemos esquecer que cresci na Bahia, e não abro mão de uma proteção. Mas amo também porque ele expressa um grande valor que prezo que é o de fazer joias não ostensivas. E o anel volta e meia é uma paixão e uma v iagem minha, uma ideia de energia circundant­e.

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