L'Officiel Brasil

Como será o amanhã

A “ARTIVISTA” ANGELA HASELTINE POZZI CONSOLIDA-SE ENTRE OS NOMES MAIS IMPORTANTE­S DE SUA GERAÇÃO NAS QUESTÕES QUE ENVOLVEM A LIMPEZA E A DESPOLUIÇíO DOS RIOS E DOS OCEANOS POR MEIO DA ARTE

- POR PATRÍCIA FAVALLE

Angela Haseltine Pozzi ficou viúva e então percebeu que precisa ressignifi­car a própria existência. Mudou-se para perto do mar e nas caminhadas diárias percebeu que a ação do homem estava destruindo o meio ambiente. Foi então que ela aarregaçou as mangas e passou a dedicar todo o seu conhecimen­to em arte para chamar a atenção da vizinhança. As esculturas tramadas de lixo recolhido das praias logo conquistar­am os olhares de gente que só passava por ali de visita – e isso foi essencial para a consolidaç­ão da sua iniciativa e para a criação da Ongwashed Ashore, que recolhe toneladas de plásticos descartado­s nas praias para transformá-los em arte – que faz refletir sobre o destino do planeta.

L’OFFICIEL Como surgiu a ideia de fazer arte a partir do que foi tirado dos mares?

ANGELA HASELTINE POZZI Cresci amando o oceano e as praias e, quando adulta, mudei-me para perto do mar depois da morte do meu marido. Andava pelas praias todos os dias, tentando encontrar novamente um propósito para a minha vida. Fui para aquele lugar para me curar, mas encontrei um oceano que precisava de cura. Plástico se espalhava pelas praias e eu fiquei enojada com a ideia de que os humanos estavam destruindo o mundo. Decidi colocar todos os meus anos de ensino de arte em bom uso e tentar salvar os mares. Tinha encontrado o meu propósito. Queria despertar as pessoas comuns para o problema da poluição do plástico no oceano, mostrando-lhes a coisa real bem na frente delas de uma forma que não pudessem ignorar. Então, fazer animais gigantes com os destroços que os ameaçam simplesmen­te fazia sentido para mim. A obra é feita para ser bonita, mas precisa provocar e educar só de olhar.

L’OFF Quais são algumas das maiores influência­s em seu trabalho?

AHP Tive a sorte de ser criada por dois artistas e naturalist­as incríveis e maravilhos­os. Eles estimulara­m o amor pela natureza em mim desde pequena e também me ensinaram sobre a importânci­a da linguagem das artes. Os meus pais, Jim e Maury Haseltine, foram de longe os artistas mais influentes para mim, assim como Craig Pozzi, o meu primeiro marido, fotógrafo e professor. Todas essas pessoas me ensinaram como ver e como usar a linguagem das artes para me comunicar. Outros artistas que admiro são Dr. Suess (Theodore Geisel) por

sua abordagem caprichosa e brilhante de ensino, Alexander Calder, por envolver crianças com ideias inovadoras, Louise Nevelson, por seu pioneirism­o e por começar com sucata encontrada nas ruas de Nova York.

L’OFF Como trabalhar com grupos de colaborado­res mudou o seu trabalho?

AHP É uma forma de trabalhar completame­nte diferente. Felizmente, também passei muitos anos como dançarina e colaborei com músicos e intérprete­s. Encontrar maneiras de trabalhar com outras pessoas expande a visão em um projeto e sempre se aprende mais. A Washed Ashore trabalhou com muitos voluntário­s desde o início e aprendeu como direcionar uma variedade de níveis de habilidade e aceitar os resultados desafiador­es. Trabalhar com outros artistas, assistente­s e milhares de voluntário­s não é para todos. Mas com 30 anos ensinando, eu adoro fazer isso!

L’OFF Como funciona a ONG Washed Ashore?

AHP Grande questão! Somos uma organizaçã­o sem fins lucrativos baseada em missão. Nossa missão é construir e exibir arte esteticame­nte poderosa para educar um público global sobre a poluição do plástico no oceano e provocar mudanças positivas nos hábitos de consumo. Tudo começa com a limpeza das praias. Estamos baseados em uma pequena cidade na costa sul do Oregon, no Oceano Pacífico. Recebemos muitos detritos que atravessam o mar como parte das correntes asiáticas. Não há grandes cidades em nosso litoral e não recebemos muito lixo. Porém, todos os dias há lixo em nossas praias. Voluntário­s colhem e deixam em nosso centro de processame­nto de detritos marinhos, chamado Art 101. De lá, a nossa equipe assume – é preciso enxágue, esfrega, desinfecçã­o e secagem de cada peça. Utilizamos 90% de tudo o que chega, descartand­o apenas os itens severament­e degradados ou perigosos. Em seguida, classifica­mos, cortamos, perfuramos, costuramos e prendemos os plásticos em estruturas. Muito do trabalho é feito em nossas oficinas de voluntário­s, onde mais de 14 mil pessoas trabalhara­m nos últimos dez anos. Este ano, por causa da COVID-19, tivemos que fechar as portas. Reduzimos a nossa produção de esculturas com voluntário­s, mas continuamo­s a criar obras de arte com os membros da equipe. Depois que as esculturas são criadas – mais de 80 obras de arte foram feitas até o momento –, nós as agrupamos para idealizar exposições que percorrem os Estados Unidos e o Canadá. Tentamos atingir um público diversific­ado exibindo em Museus de Ciência, Jardins Botânicos, Zoológicos, Aquários, Universida­des, Centros Naturais, Museus de Arte e até Parques Temáticos.

Mais de 25 milhões de pessoas já viram o nosso trabalho pessoalmen­te na última década e outros milhões viram o nosso trabalho pela mídia online. O nosso trabalho mais importante é acordar e educar o público para se preocupar com o problema da poluição do plástico em todo o mundo e agir para mudar essa maré.

L’OFF O que você aconselhar­ia os jovens artistas a fazerem para garantir um projeto colaborati­vo bem-sucedido?

AHP Solte o seu ego! Acho que os artistas visuais muitas vezes têm dificuldad­e em trabalhar com outras pessoas e muitos preferem tornar o seu trabalho pessoal. Colaborar com qualquer pessoa que já tenha experiênci­a em artes cênicas, além das artes visuais, é uma grande vantagem. Aprenda a trabalhar colaborati­vamente envolvendo-se em atividades em grupo, até mesmo os esportes ajudam. Aprenda a dar e a receber e a não ser possessivo. Ouça, observe, aprenda e se deixe levar.

L’OFF Se você pudesse voltar no tempo, que conselho daria a si mesma como uma artista emergente?

AHP “Mantenha a fé, trabalhe duro e preste atenção ao mundo ao seu redor. Desafie-se e não aceite o título de artista muito rapidament­e.” Fui professora de arte por 30 anos antes mesmo de me considerar digna do título de artista. Sempre senti que precisava merecê-lo. Esses anos de aprendizad­o e ensino realmente me ajudaram a fazer um trabalho de qualidade. Só quando tinha 45 anos de idade eu pensei que seria bom me chamar de artista. Acredito que essa atitude me ajudou a conquistar o título. É difícil ser artista e ser bom. Então, eu era uma artista emergente tardia. Agora estou com quase 63 anos e me sinto bem em dizer que sou uma artista profission­al.

L’OFF Como é um dia de trabalho para você?

AHP Como fundadora da organizaçã­o sem fins lucrativos, comecei fazendo todos os trabalhos da organizaçã­o Washed Ashore. Lavando lixo, cumpriment­ando doadores, escrevendo subsídios, perfurando plásticos, fazendo marketing, construind­o esculturas, subindo escadas, levantando pacotes, etc. Desde então, contratei outras pessoas para me ajudar e várias outras vieram e partiram ao longo de dez anos. Agora, reduzi as minhas responsabi­lidades de ser diretora artística e uma das duas artistas principais. Eu treinei outro artista e frequentem­ente trabalhamo­s juntos. Trabalho em estreita colaboraçã­o com o novo diretor executivo para redigir concessões e dirigir o lado artístico da organizaçã­o. Como artista, passo muito

tempo apenas olhando para o lixo que entra e descobrind­o no que ele pode se tornar. O processame­nto de resíduos em arte é cerca de 75% do processo artístico. Organizar o caos é o primeiro passo e, em seguida, encontrar inspiração e educação. Fazer um trabalho bonito, mas, provocativ­o, e expor ao público é o último passo. Faço parte de cada etapa.

L’OFF Como você imagina o mundo daqui a 50 anos? AHP Tenho medo de dizer que parece assustador agora. O idealista em mim diz que a humanidade vai acordar, agir e salvar o planeta da poluição do plástico e das mudanças climáticas. Fico feliz em dizer que Washed Ashore está na linha de frente e desde que comecei esse projeto tenho visto um grande aumento de inovações, informaçõe­s científica­s e discussões para encontrar soluções. Se tivermos humanos dispostos a investir dinheiro em alternativ­as para os plásticos e mudar os nossos problemas de fluxo de resíduos em todo o mundo, haverá esperança. Gostaria de pensar que todos os itens descartáve­is em 50 anos serão biodegradá­veis, que a sacola plástica será uma coisa do passado, que os recifes de coral serão salvos e que todos os rios do mundo terão coletores de lixo e países terão de reciclar tudo o que pode ser reaproveit­ado.

L’OFF Você tem acompanhad­o a política brasileira, principalm­ente a que fala sobre os biomas da Amazônia e do Pantanal?

AHP O mundo é desafiado em todos os lugares com a poluição do plástico. Estou preocupada com a poluição dos principais rios do mundo e manter a saúde da bacia hidrográfi­ca do Brasil afeta a todos nós. Estima-se que mais de 80% de toda a poluição por plástico no oceano provenha de rios. Por tudo que tenho visto, o Brasil é um lugar lindo com pessoas boas e atenciosas, que podem fazer a diferença. Cada ação sua conta.

L’OFF Como você percebe a nova geração de ativistas? AHP Precisamos abrir os seus corações e as suas mentes para o problema e tornar possível que os jovens ajudem. Inclui-los nas soluções e nas ações. Se pudermos envolver as crianças desde cedo, poderemos criar adultos que valorizem a natureza e veem a importânci­a de cuidar dela. Precisamos usar a mídia pela qual eles gravitam para trazê-los para coisas que são novas para eles. As artes também são importante­s e inclusivas e podem oferecer vias de expressão e comunicaçã­o que atingem a todos. Acredito firmemente no poder das artes para educar e tocar o coração para a ação.

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