Como será o amanhã
A “ARTIVISTA” ANGELA HASELTINE POZZI CONSOLIDA-SE ENTRE OS NOMES MAIS IMPORTANTES DE SUA GERAÇÃO NAS QUESTÕES QUE ENVOLVEM A LIMPEZA E A DESPOLUIÇÃO DOS RIOS E DOS OCEANOS POR MEIO DA ARTE
Angela Haseltine Pozzi ficou viúva e então percebeu que precisa ressignificar a própria existência. Mudou-se para perto do mar e nas caminhadas diárias percebeu que a ação do homem estava destruindo o meio ambiente. Foi então que ela aarregaçou as mangas e passou a dedicar todo o seu conhecimento em arte para chamar a atenção da vizinhança. As esculturas tramadas de lixo recolhido das praias logo conquistaram os olhares de gente que só passava por ali de visita – e isso foi essencial para a consolidação da sua iniciativa e para a criação da Ongwashed Ashore, que recolhe toneladas de plásticos descartados nas praias para transformá-los em arte – que faz refletir sobre o destino do planeta.
L’OFFICIEL Como surgiu a ideia de fazer arte a partir do que foi tirado dos mares?
ANGELA HASELTINE POZZI Cresci amando o oceano e as praias e, quando adulta, mudei-me para perto do mar depois da morte do meu marido. Andava pelas praias todos os dias, tentando encontrar novamente um propósito para a minha vida. Fui para aquele lugar para me curar, mas encontrei um oceano que precisava de cura. Plástico se espalhava pelas praias e eu fiquei enojada com a ideia de que os humanos estavam destruindo o mundo. Decidi colocar todos os meus anos de ensino de arte em bom uso e tentar salvar os mares. Tinha encontrado o meu propósito. Queria despertar as pessoas comuns para o problema da poluição do plástico no oceano, mostrando-lhes a coisa real bem na frente delas de uma forma que não pudessem ignorar. Então, fazer animais gigantes com os destroços que os ameaçam simplesmente fazia sentido para mim. A obra é feita para ser bonita, mas precisa provocar e educar só de olhar.
L’OFF Quais são algumas das maiores influências em seu trabalho?
AHP Tive a sorte de ser criada por dois artistas e naturalistas incríveis e maravilhosos. Eles estimularam o amor pela natureza em mim desde pequena e também me ensinaram sobre a importância da linguagem das artes. Os meus pais, Jim e Maury Haseltine, foram de longe os artistas mais influentes para mim, assim como Craig Pozzi, o meu primeiro marido, fotógrafo e professor. Todas essas pessoas me ensinaram como ver e como usar a linguagem das artes para me comunicar. Outros artistas que admiro são Dr. Suess (Theodore Geisel) por
sua abordagem caprichosa e brilhante de ensino, Alexander Calder, por envolver crianças com ideias inovadoras, Louise Nevelson, por seu pioneirismo e por começar com sucata encontrada nas ruas de Nova York.
L’OFF Como trabalhar com grupos de colaboradores mudou o seu trabalho?
AHP É uma forma de trabalhar completamente diferente. Felizmente, também passei muitos anos como dançarina e colaborei com músicos e intérpretes. Encontrar maneiras de trabalhar com outras pessoas expande a visão em um projeto e sempre se aprende mais. A Washed Ashore trabalhou com muitos voluntários desde o início e aprendeu como direcionar uma variedade de níveis de habilidade e aceitar os resultados desafiadores. Trabalhar com outros artistas, assistentes e milhares de voluntários não é para todos. Mas com 30 anos ensinando, eu adoro fazer isso!
L’OFF Como funciona a ONG Washed Ashore?
AHP Grande questão! Somos uma organização sem fins lucrativos baseada em missão. Nossa missão é construir e exibir arte esteticamente poderosa para educar um público global sobre a poluição do plástico no oceano e provocar mudanças positivas nos hábitos de consumo. Tudo começa com a limpeza das praias. Estamos baseados em uma pequena cidade na costa sul do Oregon, no Oceano Pacífico. Recebemos muitos detritos que atravessam o mar como parte das correntes asiáticas. Não há grandes cidades em nosso litoral e não recebemos muito lixo. Porém, todos os dias há lixo em nossas praias. Voluntários colhem e deixam em nosso centro de processamento de detritos marinhos, chamado Art 101. De lá, a nossa equipe assume – é preciso enxágue, esfrega, desinfecção e secagem de cada peça. Utilizamos 90% de tudo o que chega, descartando apenas os itens severamente degradados ou perigosos. Em seguida, classificamos, cortamos, perfuramos, costuramos e prendemos os plásticos em estruturas. Muito do trabalho é feito em nossas oficinas de voluntários, onde mais de 14 mil pessoas trabalharam nos últimos dez anos. Este ano, por causa da COVID-19, tivemos que fechar as portas. Reduzimos a nossa produção de esculturas com voluntários, mas continuamos a criar obras de arte com os membros da equipe. Depois que as esculturas são criadas – mais de 80 obras de arte foram feitas até o momento –, nós as agrupamos para idealizar exposições que percorrem os Estados Unidos e o Canadá. Tentamos atingir um público diversificado exibindo em Museus de Ciência, Jardins Botânicos, Zoológicos, Aquários, Universidades, Centros Naturais, Museus de Arte e até Parques Temáticos.
Mais de 25 milhões de pessoas já viram o nosso trabalho pessoalmente na última década e outros milhões viram o nosso trabalho pela mídia online. O nosso trabalho mais importante é acordar e educar o público para se preocupar com o problema da poluição do plástico em todo o mundo e agir para mudar essa maré.
L’OFF O que você aconselharia os jovens artistas a fazerem para garantir um projeto colaborativo bem-sucedido?
AHP Solte o seu ego! Acho que os artistas visuais muitas vezes têm dificuldade em trabalhar com outras pessoas e muitos preferem tornar o seu trabalho pessoal. Colaborar com qualquer pessoa que já tenha experiência em artes cênicas, além das artes visuais, é uma grande vantagem. Aprenda a trabalhar colaborativamente envolvendo-se em atividades em grupo, até mesmo os esportes ajudam. Aprenda a dar e a receber e a não ser possessivo. Ouça, observe, aprenda e se deixe levar.
L’OFF Se você pudesse voltar no tempo, que conselho daria a si mesma como uma artista emergente?
AHP “Mantenha a fé, trabalhe duro e preste atenção ao mundo ao seu redor. Desafie-se e não aceite o título de artista muito rapidamente.” Fui professora de arte por 30 anos antes mesmo de me considerar digna do título de artista. Sempre senti que precisava merecê-lo. Esses anos de aprendizado e ensino realmente me ajudaram a fazer um trabalho de qualidade. Só quando tinha 45 anos de idade eu pensei que seria bom me chamar de artista. Acredito que essa atitude me ajudou a conquistar o título. É difícil ser artista e ser bom. Então, eu era uma artista emergente tardia. Agora estou com quase 63 anos e me sinto bem em dizer que sou uma artista profissional.
L’OFF Como é um dia de trabalho para você?
AHP Como fundadora da organização sem fins lucrativos, comecei fazendo todos os trabalhos da organização Washed Ashore. Lavando lixo, cumprimentando doadores, escrevendo subsídios, perfurando plásticos, fazendo marketing, construindo esculturas, subindo escadas, levantando pacotes, etc. Desde então, contratei outras pessoas para me ajudar e várias outras vieram e partiram ao longo de dez anos. Agora, reduzi as minhas responsabilidades de ser diretora artística e uma das duas artistas principais. Eu treinei outro artista e frequentemente trabalhamos juntos. Trabalho em estreita colaboração com o novo diretor executivo para redigir concessões e dirigir o lado artístico da organização. Como artista, passo muito
tempo apenas olhando para o lixo que entra e descobrindo no que ele pode se tornar. O processamento de resíduos em arte é cerca de 75% do processo artístico. Organizar o caos é o primeiro passo e, em seguida, encontrar inspiração e educação. Fazer um trabalho bonito, mas, provocativo, e expor ao público é o último passo. Faço parte de cada etapa.
L’OFF Como você imagina o mundo daqui a 50 anos? AHP Tenho medo de dizer que parece assustador agora. O idealista em mim diz que a humanidade vai acordar, agir e salvar o planeta da poluição do plástico e das mudanças climáticas. Fico feliz em dizer que Washed Ashore está na linha de frente e desde que comecei esse projeto tenho visto um grande aumento de inovações, informações científicas e discussões para encontrar soluções. Se tivermos humanos dispostos a investir dinheiro em alternativas para os plásticos e mudar os nossos problemas de fluxo de resíduos em todo o mundo, haverá esperança. Gostaria de pensar que todos os itens descartáveis em 50 anos serão biodegradáveis, que a sacola plástica será uma coisa do passado, que os recifes de coral serão salvos e que todos os rios do mundo terão coletores de lixo e países terão de reciclar tudo o que pode ser reaproveitado.
L’OFF Você tem acompanhado a política brasileira, principalmente a que fala sobre os biomas da Amazônia e do Pantanal?
AHP O mundo é desafiado em todos os lugares com a poluição do plástico. Estou preocupada com a poluição dos principais rios do mundo e manter a saúde da bacia hidrográfica do Brasil afeta a todos nós. Estima-se que mais de 80% de toda a poluição por plástico no oceano provenha de rios. Por tudo que tenho visto, o Brasil é um lugar lindo com pessoas boas e atenciosas, que podem fazer a diferença. Cada ação sua conta.
L’OFF Como você percebe a nova geração de ativistas? AHP Precisamos abrir os seus corações e as suas mentes para o problema e tornar possível que os jovens ajudem. Inclui-los nas soluções e nas ações. Se pudermos envolver as crianças desde cedo, poderemos criar adultos que valorizem a natureza e veem a importância de cuidar dela. Precisamos usar a mídia pela qual eles gravitam para trazê-los para coisas que são novas para eles. As artes também são importantes e inclusivas e podem oferecer vias de expressão e comunicação que atingem a todos. Acredito firmemente no poder das artes para educar e tocar o coração para a ação.