Moda alto-astral
Eternizado como o criador que "purpurou" Kamala Harris na posse do novo governo dos EUA, Christopher John Rogers é um dos representantes de uma nova moda, inclusiva e pessoal.
Quando Kamala Harris prestou juramento como a nova vice-presidente dos Estados Unidos, ao lado de Joe Biden, no dia 20 de janeiro, fixou-se ali um momento histórico carregado de simbologias. Além do encerramento do governo problemático liderado por Donald Trump, Kamala carrega consigo várias conquistas identitárias. A ex-senadora e advogada é agora a primeira mulher a ocupar o cargo naquele país, além de representar suas ascendências africana e sul-asiática — marcação essencial para uma nação que vem lidando com as questões tanto do racismo quanto da inserção dos imigrantes na sociedade.
Era natural, portanto, que o mundo estivesse de olho no look escolhido por ela para a cerimônia de posse. Esperta, Kamala sabe lidar com seu guarda-roupa de um jeito que é politicamente muito contemporâneo: sem desrespeitar as liturgias do cargo, ela percebe que o que veste não é uma futilidade. Ao contrário: a nova vice é mestra em mandar recados pelas roupas. Foi assim, por exemplo, quando se elegeu e discursou com um terno branco de Carolina Herrera - a cor-símbolo máximo do movimento sufragista daquele país. As pérolas que Kamala sempre usa fazem referência à Alpha Kappa Alpha, a primeira irmandade universitária só de mulheres pretas, da qual ela fez parte em seus anos de formação.
A força e a influência da moda americana também são aspectos que não podem ser desconsiderados nessa situação. Fator essencial no soft power cultural e industrial norte-americano, tornou-se cada vez mais esperado que os representantes máximos do país favoreçam a criação e produção locais. Foi nesse contexto que o conjunto de vestido e casaco roxos usado por Kamala no Capitólio ganharam importância reforçada. Honrando o momentum do país e a própria importância na luta pela equidade racial, Harris convocou o estilista Christopher John Rogers para ser eternizado na história.
Não foi uma escolha trivial. Rogers é um rapaz preto de 27 anos, nascido na Louisiana e com ateliê no Brooklyn, em Nova York. Apesar de ter atuado ao lado de Diane von Furstenberg, com quem trabalhou enquanto estruturava sua marca própria, o criador simboliza uma guinada de importância na indústria. Saem de foco os grandes nomes clássicos, que representam o upper class branco, assim como os industriais do retail — como a J.crew, que teve momentos de glória com Michelle Obama. A cena agora é de uma moda criada por jovens, que têm uma história mais pé no chão para contar, principalmente pela importância da discussão identitária. É esse movimento de renovação que Kamala abertamente propõe e abraça — tanto que, no dia anterior à posse, ela vestiu outra marca do movimento black de Nova York, Pyer Moss.
Certamente Rogers não foi escolhido apenas pela cor de sua pele, mas pela cor de sua moda, que vem ganhando atenção — ele já entrou no guarda-roupa de personas pop, como as cantoras Rihanna e Lizzo, e foi agraciado com o prêmio de apoio a jovens criadores do CFDA (The Council of Fashion Designers of America), em 2019. Com influência forte de movimentos artísticos e um pé nos anos 1980, ele costuma dizer que é favorável ao uso de cores como “ferramentas de expressão de personalidade e para ocupar espaços”. Por isso, ativa-se no maximalismo de formas, cartelas cromáticas e estamparia. “Quero fazer a moda divertida novamente”, disse ele na época da premiação.
Em entrevista à L’officiel USA, Rogers definiu seu trabalho com as cores como “um jeito de fazer as pessoas se sentirem felizes”. Pode-se cravar que foi isso que fez com que ele fosse escolhido por sua nova vice-presidente, ajudando-a a levar à cerimônia mais uma simbologia. O roxo, ali, representava a união das cores de republicanos e democratas, os dois maiores partidos da política local. Também remetia ao movimento secular de sororidade estadunidense, que levou uma mulher ao cargo de segunda pessoa mais poderosa do planeta. E, com ela, a nova moda made in USA.