Grand finale
GRANDES JORNADAS
Outro animal ameaçado nesse tsunami incandescente foi a onça-pintada, maior felino das Américas, que precisou escapar dos focos de calor que alcançaram 80% do Parque Estadual Encontro das Águas, em
Mato Grosso. Resgatadas pelas equipes de salvamento, muitas delas tiveram as patas queimadas e precisaram ser tratadas com células-tronco, sem garantia de reinserção na natureza. No workshop com os monitores do Onçafari, outra das parceiras da Caiman, vimos que a luta pela sobrevivência faz parte de sua história. Veneradas pelos nativos do continente e personificadas em inúmeras divindades incas, elas passaram a ser ameaçadas com a chegada dos europeus. Nos anos de 1950 e de 1960, para se ter uma ideia, de 15 mil a 18 mil indivíduos eram mortos todos os anos para suprir o comércio de peles.
“Hoje, os dentes e os ossos são enviados de forma ilegal para o mercado asiático, onde serão utilizados como amuleto”, explica o monitor, que continua: “Lá quase extinguiram o tigre, e como agora é muito difícil encontrá-lo, os caçadores voltaram seu interesse para as Américas atrás das onças-pintadas”. Por aqui, a modificação dos ecossistemas nativos em campos para a pastagem e para a agricultura, bem como o abate daquelas que atacam os rebanhos das fazendas, estão entre os maiores problemas dos felinos. No período anterior às queimadas, a Wildlife Conservation Society (WCS) estimava que 5 mil onças vivessem no Pantanal.
Idealizada por Mario Haberfeld, ex-piloto de Fórmula 1, a Onçafari iniciou os trabalhos em 2011, depois que o paulistano trocou as pistas de corrida pela conservação da vida selvagem. “O termo que dá nome à organização é uma junção de ‘onça’, da onça-pintada, e ‘safári’, palavra de origem africana, do idioma suaíli, que significa ‘jornada’ ou ‘grande jornada’.” Essa experiência de observação levada ao Pantanal – denominada de habituação – remete aos acampamentos instalados na África, como os vistos na rede de luxo Wilderness Safaris, em que as pessoas percorrem trajetos em veículos adaptados para avistar leões, elefantes, rinocerontes e girafas bem de perto. O Refúgio Ecológico Caiman, por sua vez, recebe muitos visitantes de outros países, alguns vindos de passeios feitos na cidade de Foz do Iguaçu, no Paraná. Entre os brasileiros, a maior parte é de São Paulo.
A parceria desses empreendedores ambientais já demonstra ótimos resultados. Só na década em que a Onçafari passou a atuar no refúgio, houve um aumento de 270% no número de hóspedes. Nesse período, foram contabilizados mais de 3.400 avistamentos de onças e, em 2019, 98% dos aventureiros disseram ter visto ao menos uma delas. Sem perder tempo, a organização levou sua expertise para o Cerrado, para a Amazônia e para a Mata Atlântica, onde são feitos o monitoramento e a reabilitação de onças-pintadas e de lobos-guará. Somados a eles, outras espécies são preservadas pela entidade, como onças-pardas, bugios-pretos, ariranhas, jaritatacas, gatos-mouriscos e tatus-canastras. Por fim, lembrando a etapa que fecha o ciclo das águas do Pantanal – a das chuvas –, espera-se que as nuvens trazidas pelo vento nos meses de novembro e de dezembro tenham abastecido um tanto do Rio Paraguai e dado condições para uma nova temporada de recuperação.