O poder do feminino
Transitando entre saberes ancestrais e novas formas de comercialização, a Catarina Mina completa 15 anos transformando a produção de grupos de rendeiras tradicionais do Ceará.
Conta a história que, no fim de 1921, Lampião teria composto a letra de Mulher Rendeira em homenagem a sua avó, uma exímia mestra na construção da renda de bilro. Cem anos depois, enquanto o cangaceiro ficou para a história, a linhagem das mulheres que se dedicam a essa arte ancestral continua viva e forte pelo Nordeste.
No Ceará, a região do Trairi, a 140 quilômetros de Fortaleza, é o grande polo dessa produção: são mais de 5 mil artesãs que se dedicam ao ofício do bilro. Tradicionalmente passada de geração a geração, a técnica consiste em construir pontos elaborados de renda sobre uma almofada recheada de palha de bananeira, com a ajuda de guias de papelão, usando agulhas feitas de espinhos de mandacaru e ornadas com sementes de bilreiro, árvore da região que emprestou o nome ao estilo.
No entanto, como acontece com muito do que é categorizado como artesanato pelo País, o trabalho com a renda de bilro é subvalorizado e pouco absorvido pela cadeia da moda. Um conhecimento que poderia ser fonte de sustento
para centenas de famílias sofre com um valor precarizado e sobrevive por teimosia. “A renda se mantém viva até hoje pela força dessas mulheres, que amam tanto fazer aquilo, e por um apego a essa tradição familiar”, conta Celina Hissa, diretora criativa da Catarina Mina, que lançou um projeto de capacitação criativa em parceria com essas artesãs do Trairi.
Batizado de Olê, como canta o verso do xaxado de Lampião, o projeto se materializa na primeira grande coleção de roupas da marca cearense, pensada com mais de 120 rendeiras daquela região. Ela é fruto de uma longa série de conversas e oficinas promovidas pela Catarina Mina com essas mulheres, de modo a repensar um modelo de negócio que as inserisse no mercado de uma forma que fosse mais lucrativa e sustentável. “Discutimos muito sobre como podemos reinventar essa tradição para resolver novos desafios. A ideia é ajudar a viabilizar a artesania delas como fonte de renda em longo prazo, aproveitando o grande potencial desse trabalho”, explica Celina.
O processo começou no fim de 2019 e atravessou o ano passado inteiro, com conversas infinitas por Whatsapp, a distância por conta da pandemia. De um lado, as rendeiras tiveram de considerar novos caminhos de trabalho além das peças que fazem parte da tradição. De outro, a equipe da Catarina aprendeu as técnicas da renda de bilro para modernizar a produção de moldes, com ajuda de softwares, criando peças contemporâneas que tivessem mais apelo de mercado, mas sem desvirtuar os pontos clássicos. O lançamento, com desfile na edição virtual da última Brasil Eco Fashion Week, mostrou que o match foi bom: são 13 peças — entre blusas, túnicas, quimonos e vestidos — que trazem a arte das rendeiras mais para perto do desejo da moda do século 21.
O formato de comercialização se fia nas possibilidades dessas mulheres, com foco na sustentabilidade do slow fashion: as roupas só são produzidas depois que a venda é efetuada, e o prazo de entrega é de pelo menos 45 dias. “Não queremos que o artesanato