Subjetivo da imperfeição
De seu ateliê-retiro nas cercanias de Belo Horizonte, Kika Alvarenga produz joias sem dar bola para formas ideais.
Proporções áureas, sequência de Fibonacci, supercomputadores: a cultura da humanidade sempre teve imensa fixação por formas exatas e uma busca por conformidades perfeitas e harmônicas. Já a designer mineira Kika Alvarenga vai pelo caminho contrário em sua criação de joalheria: quer mais é refletir sobre a autenticidade de cada um com suas peças, que não escondem o trabalho feito a mão.
“O ser humano é imperfeito e tem fixação por esse caminho de consertar as coisas. Mas temos nuances que nos impedem de chegar a esse lugar sublime”, reflete a designer sobre suas criações. “Por isso eu não tenho interesse em fazer uma joia superlimpa. As curvas não são simétricas, elas têm esse machucado inevitável, que é a marca do labor manual.”
É de sua casa-ateliê, no topo de uma montanha na região da capital mineira – onde Kika se manteve em quarentena criativa no ano passado –, que vem ao mundo a coleção Cocar II, filhote direto do lançamento anterior,
Cocares. ”Foi um momento de introspecção enorme, que resultou nessas peças. Fiquei feliz, pois a intenção energética da criação mudou. Consegui chegar aonde queria: uma concepção calma, com mais paixão do que necessidade de sair com um produto.”
A história da designer reflete bem essa aspiração de atingir gradualmente o resultado. Apesar de sua marca ter essa configuração atual faz pouco tempo, Kika já transita entre a moda e a joalheria há 20 anos. Entre a formação em artes plásticas na Escola Guignard, em Belo Horizonte, e um mestrado em design de joias na Central Saint Martins, em Londres, ela já trabalhou para marcas de vestuário e teve a própria linha de roupas – momento em que os detalhes que adornavam as peças de tecido natural foram crescendo em importância, até se tornarem colares. Foi quando a chave da criação virou e a pegada conceitual de suas peças colocou Kika no circuito de feiras e mostras de joaillerie d’auteur da Europa e dos EUA.
O movimento mudou em 2017, quando Kika percebeu que poderia apostar em um público crescente, interessado em joias que fossem mais únicas, de pequenos designers, mas sem perder o charme do traçado artístico – cenário criativo do qual a designer traz suas inspirações mas também no qual transita; tanto que sua última
coleção teve lançamento no ateliê da artista plástica, também mineira, Sonia Gomes.
Esse nicho de clientela é a base da criação da joalheira, que faz questão de construir os protótipos um a um, sozinha e sem a ajuda de maquinário exato. Por meio do que Kika define como “uma colagem de técnicas”, principalmente a modelagem em cera, pela qual é apaixonada, ela faz as construções que fogem do ideal de perfeição e simetria. As peças da Cocar II, com inspiração direta na natureza e na arte brasileiras, têm texturas de trama emaranhada no ouro e pedrarias – como turmalinas, topázios e esmeraldas – dispostas em volumes que parecem acumulados quase ao acaso. Assim como suas joias nem tentam disfarçar, Kika não é grande fã de coisas (ou pessoas) que parecem produzidas em série. “Há esse movimento forte no capitalismo de todo mundo ser igual, seguir um modelo. Eu tenho pavor desse comportamento de manada”, conta. “Gosto de propor essa busca da autoestima, esse encontro com a personalidade individual.”