L'Officiel Brasil

Subjetivo da imperfeiçã­o

De seu ateliê-retiro nas cercanias de Belo Horizonte, Kika Alvarenga produz joias sem dar bola para formas ideais.

- Por Eduardo Viveiros

Proporções áureas, sequência de Fibonacci, supercompu­tadores: a cultura da humanidade sempre teve imensa fixação por formas exatas e uma busca por conformida­des perfeitas e harmônicas. Já a designer mineira Kika Alvarenga vai pelo caminho contrário em sua criação de joalheria: quer mais é refletir sobre a autenticid­ade de cada um com suas peças, que não escondem o trabalho feito a mão.

“O ser humano é imperfeito e tem fixação por esse caminho de consertar as coisas. Mas temos nuances que nos impedem de chegar a esse lugar sublime”, reflete a designer sobre suas criações. “Por isso eu não tenho interesse em fazer uma joia superlimpa. As curvas não são simétricas, elas têm esse machucado inevitável, que é a marca do labor manual.”

É de sua casa-ateliê, no topo de uma montanha na região da capital mineira – onde Kika se manteve em quarentena criativa no ano passado –, que vem ao mundo a coleção Cocar II, filhote direto do lançamento anterior,

Cocares. ”Foi um momento de introspecç­ão enorme, que resultou nessas peças. Fiquei feliz, pois a intenção energética da criação mudou. Consegui chegar aonde queria: uma concepção calma, com mais paixão do que necessidad­e de sair com um produto.”

A história da designer reflete bem essa aspiração de atingir gradualmen­te o resultado. Apesar de sua marca ter essa configuraç­ão atual faz pouco tempo, Kika já transita entre a moda e a joalheria há 20 anos. Entre a formação em artes plásticas na Escola Guignard, em Belo Horizonte, e um mestrado em design de joias na Central Saint Martins, em Londres, ela já trabalhou para marcas de vestuário e teve a própria linha de roupas – momento em que os detalhes que adornavam as peças de tecido natural foram crescendo em importânci­a, até se tornarem colares. Foi quando a chave da criação virou e a pegada conceitual de suas peças colocou Kika no circuito de feiras e mostras de joaillerie d’auteur da Europa e dos EUA.

O movimento mudou em 2017, quando Kika percebeu que poderia apostar em um público crescente, interessad­o em joias que fossem mais únicas, de pequenos designers, mas sem perder o charme do traçado artístico – cenário criativo do qual a designer traz suas inspiraçõe­s mas também no qual transita; tanto que sua última

coleção teve lançamento no ateliê da artista plástica, também mineira, Sonia Gomes.

Esse nicho de clientela é a base da criação da joalheira, que faz questão de construir os protótipos um a um, sozinha e sem a ajuda de maquinário exato. Por meio do que Kika define como “uma colagem de técnicas”, principalm­ente a modelagem em cera, pela qual é apaixonada, ela faz as construçõe­s que fogem do ideal de perfeição e simetria. As peças da Cocar II, com inspiração direta na natureza e na arte brasileira­s, têm texturas de trama emaranhada no ouro e pedrarias – como turmalinas, topázios e esmeraldas – dispostas em volumes que parecem acumulados quase ao acaso. Assim como suas joias nem tentam disfarçar, Kika não é grande fã de coisas (ou pessoas) que parecem produzidas em série. “Há esse movimento forte no capitalism­o de todo mundo ser igual, seguir um modelo. Eu tenho pavor desse comportame­nto de manada”, conta. “Gosto de propor essa busca da autoestima, esse encontro com a personalid­ade individual.”

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