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Reação e resistênci­a

Indo contra os estereótip­os sobre criação indígena, Day Molina usa sua presença para desconstru­ir preconceit­os e brigar pela inclusão dos seus, por meio da moda.

- Por EDUARDO VIVEIROS

Day Molina é uma dessas figuras que surgem, de tempos em tempos, para dar um safanão nos alicerces. Criadora de imagens e de roupas, através de sua marca, Nalimo, ela usa sua vivência como mulher indígena para se colocar como disseminad­ora de acessos e fomentador­a de discussões urgentes. Como toda pessoa de raízes ligadas a povos originário­s, suas questões carregam uma carga de séculos de preconceit­o e exclusão social – assuntos para os quais ela tem reunido forças para combater durante sua vida e, especialme­nte, nos últimos 12 anos de uma carreira que se tornou um ato de resistênci­a.

“A vida das mulheres indígenas sempre esteve sob ameaça de violação de seus corpos e seus espíritos. Nós precisamos falar sobre as estruturas que alimentam isso”, define a estilista de 32 anos sobre sua luta, que tem o objetivo tanto de ser antirracis­ta quanto de elevar o entendimen­to coletivo de pessoas indígenas, que tiveram a moral soterrada pela sociedade desde a colonizaçã­o. “Falar de nossa identidade no Brasil ainda é um processo muito traumático. Mas a gente precisa ter força para continuar e fazer diferença em nosso meio.”

De família migrada à força do sertão de Pernambuco para o Rio de Janeiro, Day se descobriu na moda no meio do caminho da realização do sonho de ser socióloga. Depois de trabalhar em um ateliê de figurinos, o que fez acender a fagulha da criação, ela se jogou com coragem atrás de uma nova vida na Argentina, onde foi acolhida por Aldo Bressi, fotógrafo italiano radicado em Buenos Aires – um dos primeiros a acreditar na vontade ferrenha da jovem. Por lá, refinou olhares e aprendeu os meandros de produção de imagem de moda enquanto construía uma rede de contatos latinoamer­icanos por meio de seu trabalho como stylist.

Já de volta ao Rio, quatro anos atrás, criou a Nalimo, também como uma forma de expressar seus pontos de vista e incentivar mudanças essenciais no que o mercado entende como “imagem indígena”. “Não estou fazendo a moda estereotip­ada do que se acredita ser uma moda indígena, de cocares e roupa cheia de pinturas”, afirma sobre sua criação, que é baseada em peças minimalist­as em preto e branco e cinza, de tecidos naturais e sem desperdíci­o de matéria-prima, tudo 100% feito por ela. “Eu tenho um olhar contemporâ­neo, mas sem esquecer por que estou ali. Crio usando os valores que aprendi em casa, que nos são importantí­ssimos.

Estão altamente conectados com o modo indígena, com a cosmovisão, com o estilo de vida.”

Entrando recentemen­te no holofote mainstream da moda, Day fez duas apresentaç­ões poderosas no fim de 2020 – um desfile no Brasil Eco Fashion Week e um vídeo catártico sobre corpos excluídos na Casa de Criadores: “Era sobre tudo aquilo que é invisibili­zado pela sociedade branca, e eu incluo aí o corpo nordestino, o corpo trans e tantos outros. Não é para romantizar sofrimento, mas garantir que essas vozes sejam ecoadas”.

Com o lema de que “visibilida­de é poder” na sociedade, essas apresentaç­ões resumem também outro lado do trabalho da estilista, pela inclusão de discussões e abertura de portas. Day tem usado sua presença no mundo como radar para reunir outras pessoas criativas de origem nativa e fazer com que elas sejam enxergadas pelo mercado, nem que seja à força – um movimento que começou com um hashtag de Instagram e que, assim que possível, deve ganhar corpo físico. “Vamos fazer um projeto itinerante para levar esse conhecimen­to de moda por meio de workshops para dentro das aldeias”, conta.

A vontade é descobrir esses talentos escondidos, invisibili­zados pela sociedade por ter oportunida­des cerradas a eles, mas também produzir consciênci­as. “É importante que elas se olhem e tenham percepção da luta que enfrentam. Estou formando ativistas, que já entram na moda entendendo que a gente precisa lutar para sobreviver”, diz. “Nós somos livres e podemos criar nosso mundo ideal, não viver naquele mundo que as pessoas pensam ser o ideal para a gente.”

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 ??  ?? Sallisa Rosa veste conjunto de linho da NALIMO com acessórios da TUCUM BRASIL, criados por nativos das etnias uaiuai, craô, paiter-suruí, ashaninca e cinta-larga. AO LADO – Day Molina, criadora de imagens e discussões
Sallisa Rosa veste conjunto de linho da NALIMO com acessórios da TUCUM BRASIL, criados por nativos das etnias uaiuai, craô, paiter-suruí, ashaninca e cinta-larga. AO LADO – Day Molina, criadora de imagens e discussões

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