L'Officiel Brasil

Espaço desigual

A presença feminina nas semanas de moda brasileira­s ainda é muito menor do que deveria. Será que não passou da hora de pensar nesse assunto?

- Por EDUARDO VIVEIROS Arte BÁRBARA SCARAMBONE

Historicam­ente, a indústria da moda construiu sua fama em cima de um suposto empoderame­nto da figura feminina. Seja da costureira que constrói as roupas, seja da modelo que as exibe, chegando finalmente à grande massa consumidor­a que move o mercado, do luxo ao fast fashion.

Porém, o aplauso final vai para os grandes criadores, que são majoritari­amente… homens. Já reparou?

A ficção da equidade de gêneros na indústria criativa é um fenômeno mundial. No cenário das semanas de moda internacio­nais, estudo recente realizado pelo Business of Fashion apontou que, entre as quatro principais cidades do circuito, apenas 40,2% das marcas mostram coleções criadas por mulheres.

No Brasil, dadas as devidas proporções de mercado e número de apresentaç­ões, esse resultado não melhora – mesmo que 75% da mão de obra da indústria seja feminina, segundo a Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção). Analisando os calendário­s dos últimos desfiles presenciai­s pré-pandemia dos três maiores e mais longevos eventos nacionais – SPFW, Casa de Criadores e Dragão Fashion Brasil –, a porcentage­m de shows liderados por mulheres (cis ou trans) é de 28,6%. O SPFW é o que se sai melhor na conta; ainda assim, a abertura do calendário para a renovação de nomes nos últimos anos é também dominada pelos homens, em uma proporção de dois para uma (e o número de mulheres transexuai­s se mantém no zero).

Esse cenário nem sempre foi assim. Das iniciativa­s dos anos 1980 e 1990, como a do Grupo Mineiro de Moda, até o boom, nos anos 2000, das semanas de moda, a presença feminina era muito maior – e a discussão de equidade de gênero estava longe de ser pauta como é hoje. Na fase áurea do Fashion Rio, elas eram responsáve­is por 65% das apresentaç­ões. Fica a pergunta: com quase 30 anos de semanas de moda no Brasil, em que momento essa presença se perdeu?

Não é que o interesse delas tenha murchado, muito pelo contrário. Com as novas gerações e o cresciment­o das faculdades de moda, há muito mais mulheres se formando em criação do que antes – basta olhar qualquer sala de aula para ver que a predominân­cia feminina por lá é de quase 100%. Com as restrições imensas de área de trabalho, o número que chega às vias de fato do mercado é bem menor. Mas não a ponto de justificar essa falta de representa­ção gritante. Ainda mais se pensarmos na quantidade de pequenas e médias etiquetas que surgem com frequência no mercado e que não chegam às passarelas, seja das faixas mais abastadas das faculdades, seja das camadas sociais periférica­s que têm ganhado atenção recentemen­te.

Claro, nem todas precisam de um desfile para chancelar seu negócio – cada vez menos, eu diria. Mas se as semanas de moda ainda são a grande vitrine da indústria, elas têm certa obrigação social de promover e apoiar essa presença de forma mais igualitári­a.

Conversei com uma série de mulheres do setor, além dos homens responsáve­is pelos eventos, para tentar compreende­r qual é a questão. Naturalmen­te, essa problemáti­ca é uma soma de fatores. Mas, entre estilistas, militantes, consultora­s e observador­as, uma observação que aparece com frequência é: falta, sim, uma abertura de espaço concreta.

Assim como na sociedade em geral, a missão dessas mulheres na moda tem sido batalhar dobrado para conquistar espaço, respeito e apoios comerciais. E, mais do que tudo, angariar uma escuta atenta – pois falando elas já estão. Não faltaram histórias de criadoras em busca de patrocínio preteridas por colegas homens no mesmo patamar, descaso de grandes players do mercado e outras manifestaç­ões de misoginia estrutural. Ou até o pensamento de que elas preferem (ou são melhores em) trilhar um caminho mais comercial que não cabe em uma passarela “de moda”, deixando para os homens o privilégio de uma criação livre e criativa.

Por outro lado, surgiu muito também a ideia de que elas já estão em outro patamar – usando a esperteza feminina para pensar em questões que já estão além dos holofotes da velha moda, como sustentabi­lidade, novos formatos de apresentaç­ões e métodos de criações mais humanizada­s e inclusivas. Pelo sim, pelo não, é fato que as semanas de moda brasileira­s deveriam se colocar mais atentas a essas mulheres. Essa discussão está mais do que atrasada; basta querer escutá-la.

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