OLHAR FEMININO
Com o livro Her Dior: Maria Grazia Chiuri’s New Voice, a marca francesa presta homenagem às mulheres, reunindo imagens feitas por 33 fotógrafas.
Primeira mulher a responder pelo estilo da Christian Dior, Maria Grazia Chiuri estreou em 2016 decidida a dar voz a outras mulheres. Começou tornando icônica a camiseta com a frase “We Should All Be Feminists” inspirada no artigo e TEDX homônimos da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie. Outro statement dessa temporada foi a foto dessa mesma peça clicada pela italiana Brigitte Niedermair, ponto de partida de uma narrativa visual conduzida por olhares femininos. Não à toa, virou a capa do livro Her Dior: Maria Grazia Chiuri’s New Voice, com lançamento no Dia Internacional da Mulher.
Entre as 33 fotógrafas dessa antologia também estão nomes como Sarah Moon, Bettina Rheims, Lean Lui, Nan Goldin, Maya Goded, Julia Hetta e Janette Beckman, que fazem parte de um grupo que desafia as fronteiras de gênero e investe em uma sensibilidade diversa. “Escolhi essas fotógrafas porque queria um olhar feminino capaz de refletir o de outra mulher e restaurar sua intensidade. Cada uma delas também contribuiu para uma reflexão sobre a Dior, a identidade da casa e seus códigos. Independentemente de seu estilo, estudos ou estética, é o que as une neste livro”, diz Maria Grazia à L’officiel. A diretora criativa explica que as imagens trazem uma experimentação sobre os códigos da marca francesa, que são misturados e reinterpretados por meio de sensibilidades e vozes, cada uma diferente, mas unidas pelo desejo de dizer algo importante sobre a moda, a feminilidade e a realidade de hoje.
No livro, quem abre a sequência é a premiada Kristin-lee Moolman, cujo trabalho foi influenciado por sua educação na África do Sul durante a transição política entre o Apartheid e Nelson Mandela. Ela explora essas realidades sociais e políticas ao desconstruir representações tradicionais de masculinidade e feminilidade, ao mesmo tempo que promove novas identidades fortes como contranarrativas ao imaginário atual. São imagens
tão inspiradoras quanto as da modelo Adwoa Aboah assinadas por Alique – fotógrafa e artista plástica de Nova York que construiu sua carreira registrando mulheres em sua beleza e complexidade –, que convidam a uma conversa silenciosa entre o espectador e a imagem.
Maria Grazia chama atenção para o trabalho e a equipe, além das badaladas fotógrafas. “Muitas outras pessoas contribuíram para isso, a começar pelas modelos, que também são autoras na forma como interpretam a moda e se tornam uma experiência viva e tangível por meio de suas posturas e atitudes diante das lentes”, analisa e acrescenta: “Da mesma forma, os maquiadores e stylists contribuem para a criação da imagem que quero apresentar nas minhas coleções. As fotos neste livro expressam de forma direta e imediata a ideia de uma irmandade forte e criativa que está ciente de seu poder e sua beleza”.
Ela revela que, quando olha para o conjunto no livro, enxerga mulheres vestindo mulheres, olhando, retratando e falando sobre elas. “É isso que o conceito do ‘olhar feminino’ significa para mim. A naturalidade dessa ‘conversa feminina’ é o que quero celebrar, um ponto de vista ao mesmo tempo íntimo e corajoso, aberto ao mundo exterior e livre de julgamentos e paternalismo”, sentencia. É um universo múltiplo que acaba passando por feminilidade e feminismo, tema sobre o qual a curadora, autora e diretora do curso de Fashion Design no Istituto Universitario di Architettura di Venezia (IUAV), Maria Luiza Frisa, se debruça no texto do livro.
“Ironicamente, essas duas palavras sempre estiveram historicamente em oposição uma à outra. Agora é possível examiná-las lado a lado, não com base em suas divergências, mas em suas conexões. Ambas expressam uma consciência, uma forma de ser”, analisa a estudiosa. Segundo ela, o mérito de Maria Grazia foi moldar um posicionamento pessoal que assimila esses termos, entre os ideais do ativismo e a celebração do que é o feminino. “Sua conquista, talvez a maior na reivindicação de uma atitude diferente em relação à moda, reside em ter afirmado que a beleza – ou talvez seja melhor dizer o anseio pela beleza – é algo positivo. Permite vivenciar a feminilidade como ativismo”, comenta. E afirma de maneira categórica: “O corpo é político. Ser mulher é político. Querer celebrar a feminilidade de uma pessoa é absolutamente político”.
Maria Luiza ainda chama atenção para o fato de que um dos trunfos da trajetória que Maria Grazia vem construindo na Dior é a afirmação do valor da sororidade ao compartilhar seu olhar e sua sensibilidade com outras mulheres. “Como ato radical, é a única forma de alcançar resultados duradouros com o poder de enfraquecer preconceitos continuamente encontrados no território do feminismo”, aponta. Frases emblemáticas, como as que Maria Grazia já levou para suas coleções e para os cenários de seus desfiles, pontuam as imagens e fortalecem a mensagem. Como declara o Claire Fontaine, coletivo de arte formado pela italiana Fulvia Carnevale e pelo inglês James Thornhill que colaborou na coleção i nverno 2020/2021, “a bele za feminina é uma peça pronta”.