FERVENDO EM CASA
Trancado longe das pistas, o duo Noporn finaliza novo disco feito para dançar no quarto (por enquanto).
Como é possível alimentar o imaginário e a energia da noite em uma fase como esta, em que as festas vêm acontecendo com menos suor e mais telas? O Noporn pode não ter essa solução definitiva, mas está imbuído em ajudar a manter a chama do fervo acesa, mesmo com as pistas de dança lacradas por aí. SIM, o terceiro disco do projeto, em fase de finalização e com lançamento marcado para abril, é fruto dessa internação compulsória do casal Liana Padilha e Lucas Freire.
“A ideia é esta: quando a vida está chata, você precisa criar mecanismos de escape. O nosso é fazer música”, conta Liana. “Vamos lançar sem a resposta poderosa das pessoas na pista. Cada um vai ter de curtir sua festa particular por enquanto.” Lucas define: “O disco todo traz uma vibe de introspecção com fervo muito específica. Nós dois somos assim”.
É um momento inédito, ainda mais para uma banda que se alimenta da energia da noite. Desde o surgimento, no começo dos anos 2000, o Noporn se tornou um clássico das boates exatamente por fazer trilha sonora para esses momentos – suas performances sempre foram mais sobre a festa, sem querer puxar os holofotes sobre si. Isso combina muito com a poética afiada das letras de Liana, feita de conexões improváveis entre frases de efeito e imagens altamente sexualizadas, que viraram hinos entre gerações da noite. A identificação do público não é à toa: “Meu trabalho é sobre festa com gente dançando e se pegando. É sobre sexo, amor, perda, solidão”.
O álbum marca também a estreia 100% oficial de Lucas na composição das músicas – Luca Lauri, a dupla original, continua orbitando por ali, mas sem se comprometer com a agenda de apresentações. Quem acompanhou os shows do Noporn nos últimos anos já conhece Lucas, que veio mesclando suas influências musicais nas bases que acompanham o spoken modulado de Liana: “Este disco é mais romântico do que os anteriores, mais melódico, no geral. Tem menos bateção de pista, vai para o lado do electro-rock, um pouco de soul”.
A produção incessante da dupla não teve respiro entre Boca, o disco de 2016, e agora. No fim de 2020, o single
Circuit Break deu uma pista do que vinha. Mas Lucas e Liana seguiam fazendo principalmente com o mundo da moda – compuseram para um vídeo do designer de acessórios Eduardo Caires e para a participação da Cacete Company no último SPFW, além de parcerias com o estilista e amigo André Lima.
Neste mês, lançam o clipe de Pérola Suja, dirigido por Lucas Sxiz. Com letra de Liana com Jackson Araujo, a música é fruto de fascinação dela pelas Azagatcha – coletivo artístico de três seres fluidos que vinham causando pela noite paulistana até ela ser interrompida pela pandemia. “Eu estava deslumbrada pelo poder dessas figuras, que têm um discurso político muito forte mas também não deixam o fervo de lado. A música virou uma homenagem a elas e a todas essas divas do underground com quem nós cruzamos pelas pistas nesse tempo todo”, conta, mostrando uma prévia do vídeo que fez em parceria com o trio e styling de Dudu Bertholini.
Vinte anos depois, do Xingu às lives no Zoom, o Noporn continua costurando novas gerações e personagens clássicos. E segue, de casa, de olho em um futuro póspandemia e com saudades das festas. “A noite acaba, nasce outro dia e mais para a frente sempre vai ter outra noite. Como vai ser a cara do que vem por aí?”, pergunta Liana, mesmo sabendo que a resposta está longe de existir.