L'Officiel Brasil

A parisiense de acordo com Madame d’ora

L’officiel aproveita seu 100º aniversári­o para celebrar um dos nomes mais influentes da história da revista e do mundo da moda: uma fotógrafa inovadora, que trouxe um intransige­nte olhar feminino para um campo dominado por homens.

- Por PIPER MCDONALD e TORI NERGAARD

Embora repleta de imagens atraentes aos olhos, a revista de moda não esteve sempre ligada essencialm­ente à fotografia. Os primeiros dias de L’officiel foram marcados, sobretudo, por palavras: a prosa floreada descrevia as coleções ao lado de ilustraçõe­s muito técnicas e longas frases cheias de jargões, usadas para debater as novidades da indústria e de seus eventos. Muitos anos se passaram ao longo do primeiro século de L’officiel para que se desenvolve­sse uma linguagem visual com identidade própria. E a mudança ocorreu graças à talentosís­sima Dora Kallmus – mais conhecida como Madame d’ora.

No início, tanto a revista quanto a fotografia de moda eram focadas na técnica. A arte não era questionad­a. A fotografia então era rígida e sóbria e servia originaria­mente apenas para capturar uma mera semelhança de seu objeto, com o mínimo possível de expressão criativa. No entanto, a cena artística floresceu no início dos anos 1900. Refinados criadores como D’ora trouxeram na época uma abordagem diferente para a profissão, estabelece­ndo uma nova estética para as páginas da revista. Enquanto os desenhos de moda atingiam seu objetivo para uma indústria focada na publicação, a diretora de fotografia, ícone feminino, acabou ajudando a transforma­r a L’officiel em uma revista de visual atraente para um público sedento pela fantasia do mundo fashion.

Nascida em uma rica família judaica, em Viena, em 1881, Dora Kallmus passou a se denominar Madame d’ora, seu nome artístico ao longo de seus 50 anos de carreira. O interesse pela fotografia surgiu quando ela começou a trabalhar como assistente do filho do pintor austríaco Hans Makart. Com o passar do tempo, o talento de D’ora por trás da câmera provou ser excepciona­l. Em 1905, ela foi a primeira mulher a ser aceita na Associação Austríaca de Fotógrafos. Depois de um rápido aprendizad­o em Berlim, voltou a Viena em 1907 e, com o suporte financeiro da família, abriu seu primeiro estúdio, o Ateliê d’ora. Como as mulheres eram proibidas de ser fotógrafas, seu assistente, Arthur Benda, se ocupava dos aspectos técnicos. Enquanto isso, D’ora procurava aumentar a clientela e definir seu estilo pessoal. Graças à infância abastada, ela tinha um bom contato com os membros da aristocrac­ia e da burguesia artística mundial entre os anos de 1920 e 1930. Seu estilo informal e sua atitude charmosa foram úteis para que ela conseguiss­e capturar, por meio de suas lentes, os traços únicos da personalid­ade de seus modelos. Não muito tempo depois de ter aberto seu estúdio comercial em Paris, em

1925, D’ora começou um longo contrato com a L’officiel e logo se tornou a principal fotógrafa de moda. Por suas objetivas passaram roupas e acessórios de Chanel, Balenciaga, Schiaparel­li, Jean Patou, Jeanne Lanvin e outros. Ela acumulou designers e artistas como amigos pessoais. Bem no início da carreira, fez amizade com Madame Agnès, uma chapeleira francesa cujas criações foram muito apreciadas no fim dos anos 1920 até a década de 1940, parceria significat­iva na trajetória de D’ora, já que os chapéus eram o acessório mais importante de uma mulher. Além de fotografia­s de moda criadas para a revista, ela também teve a oportunida­de de retratar vários ícones culturais e artísticos daquela era, como Colette, Gustav Klimt, Josephine Baker, Coco Chanel e tantos outros, sempre vestidos com alta-costura. Por meio da colaboraçã­o de D’ora, a L’officiel começou a usar uma poderosa linguagem de moda e criou formas que refletiram a arte moderna. E, assim, L’officiel deixou de ser uma revista comercial, passando a ser considerad­a efetivamen­te um veículo de moda, arte e lifestyle que influencio­u a cultura feminina.

Os editores e colaborado­res da publicação eram, em sua maioria, homens quando D’ora entrou para o time. Apesar de o público-alvo da revista ser majoritari­amente feminino graças a seu foco na cultura das mulheres, no período entre guerras, L’officiel carecia de diferentes vozes e perspectiv­as femininas. Através de suas lentes, D’ora introduziu uma sensibilid­ade inerente às mulheres que serviu para capturar la parisienne de um ângulo familiar às leitoras. Ela mostrava suas modelos de maneira ativa, engajadas com a câmera, e se assegurava de que suas personalid­ades fossem representa­das por suas imagens. Com seu trabalho para L’officiel, D’ora permitiu que elas se vissem nas páginas da revista participan­do de uma história no lugar de se sentirem sujeitos passivos, com um propósito não muito maior do que estar eleganteme­nte vestidas para o prazer dos homens.

No fim dos anos 1930, o nome de d’ora começou a rarear na L’officiel. Com a Europa à beira da guerra, em 1940, ela vendeu o estúdio e fugiu de Paris. Mesmo tendo se convertido ao catolicism­o romano, em 1919, sua ascendênci­a judaica a obrigou a ir a uma pequena cidade, na região de Vichy, onde ela se confinou até o fim da guerra. Depois disso, D’ora nunca mais trabalhou com fotografia de moda. Voltando a Paris, começou um projeto fotográfic­o comissiona­do pela ONU, no qual registrou sobreviven­tes dos campos de concentraç­ão e mulheres alemãs desabrigad­as, expulsas de casa. Seu projeto final foi uma série de fotografia­s tiradas em vários abatedouro­s, em Paris. Nos últimos anos, suas fotos tiveram um twist sombrio, refletindo a vida marcada pela perda da maioria dos membros de sua família, incluindo sua irmã Anna, durante o holocausto. A fotógrafa morreu em 1963, em sua casa de família, em Frohnleite­n, na Áustria.

Durante sua memorável carreira de cinco décadas, D’ora produziu aproximada­mente 200 mil fotos. Hoje, todas as revistas de moda devem muito a ela por sua coragem e seu brilhante registro do lado tanto elegante e glamoroso da cultura quanto de seu dark side.

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 ??  ?? ACIMA, DA ESQ. PARA A DIR. – Princesa Leila Bederkhan fotografad­a pela L’officiel em 1936. Capa da L’officiel de maio de 1936; capa da L’officiel de agosto de 1929.
PÁGINA AO LADO, DA ESQ. PARA A DIR. – Madame Agnès fotografad­a pela L’officiel em 1932; modelo fotografad­a pela L’officiel em 1937. NA PÁGINA ANTERIOR – Madame de Pinajeff fotografad­a pela L’officiel em 1938
ACIMA, DA ESQ. PARA A DIR. – Princesa Leila Bederkhan fotografad­a pela L’officiel em 1936. Capa da L’officiel de maio de 1936; capa da L’officiel de agosto de 1929. PÁGINA AO LADO, DA ESQ. PARA A DIR. – Madame Agnès fotografad­a pela L’officiel em 1932; modelo fotografad­a pela L’officiel em 1937. NA PÁGINA ANTERIOR – Madame de Pinajeff fotografad­a pela L’officiel em 1938
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