PASSADO REPOSTO
O filme Estados Unidos vs. Billie Holiday, já um dos grandes destaques do cinema em 2021, tem colecionado elogios (e prêmios) desde sua première pela plataforma de streaming Hulu. Alguns destacam a atuação pujante da atriz Andra Day, estreante no papel principal, que ganhou o Globo de Ouro e está indicada ao Oscar. Outros olham para o figurino apoiado pela Prada, que recriou para as filmagens nove looks usados pela cantora. Mas, por trás das câmeras, há um trabalho árduo que foi fundamental para ajudar a dar brilho extra à história da biografada.
A responsável é a mineira Marina Amaral, colorista e historiadora de 26 anos que ganhou notoriedade por sua dedicação em inspirar vida nova a fotos documentais originalmente em preto e branco. No longa, dirigido por Lee Daniels, ela entra no papel de diretora artística da colorização do material de arquivo – tanto de filmes, tratados por um estúdio indiano segundo suas paletas, quanto de uma centena de imagens, que coloriu por conta própria.
No entanto, a colaboração com a memória de Holiday é apenas uma estrela a mais na trajetória de Marina. Ela tem acumulado respeito (e likes) por essa vontade de “recriar” o passado pré-popularização dos filmes coloridos – uma soma de uma infância aficionada em Photoshop mais a convivência com os materiais de pesquisa da mãe, também historiadora. “Quando encontrei uma coleção de fotos da Segunda Guerra Mundial colorizadas em um fórum, no início de 2015, foi natural que eu sentisse curiosidade e vontade de tentar reproduzir aquela téc
nica”, conta. “Desde aquele dia, isso se tornou uma obsessão, literalmente. Nunca mais parei.”
Transitando entre o trabalho artístico e de historiografia, Marina atua quase como uma arqueóloga visual – folheando seu portfólio, encontram-se retratos preciosos, como o da cientista Marie Curie ou do russo Grigori Rasputin. Por suas mãos, a adição cuidadosa de camadas de cor funciona como se ela trouxesse para nossa realidade uma série de personagens que se tornaram míticos pelos cliques em P&B.
Esse apego à acuracidade guia o fazer da profissional, que já resultou em dois livros – The Colour of Time, de 2018, e The World
Aflame, de 2020 –, publicados em dupla com o historiador inglês Dan Jones, além de colaborações com uma série de veículos e projetos. Um dos mais importantes é Faces of Auschwitz, em que abre caminho para humanizar ainda mais os relatos das vítimas dos campos de concentração nazistas ao colorir as imagens de registro desses prisioneiros.
“Entendo essas fotos como documentos, por isso preciso respeitá-las e tratá-las como tal. Com isso, dou muita ênfase à pesquisa que antecede o processo de colorização. É a forma que tenho de assegurar-me que estou reproduzindo as cores originais, ou que estou chegando próximo a elas quanto for possível”, explica ela sobre seu ofício detalhadíssimo, que pode levar meses de estudo por referências para o tratamento, feito de forma completamente manual, sem ajuda de algoritmos de inteligência artificial. Tanto que acompanhar seus projetos – seja pelos livros, seja por sua forte atuação em redes sociais – é uma aula de detalhes memoriais, pela quantidade de contexto que apresenta junto às restaurações. “Não é só colorir uma foto e publicar do nada. Existe muita coisa por trás.”