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TIPO unico

A Volta Atelier dedica-se a um processo de de cura social por meio do handmade sustentáve­l, entre New York e o Rio Grande do Sul.

- Por EDUARDO VIVEIROS

Nas últimas temporadas, as passarelas da New York Fashion Week exibiram bolsas feitas em oficinas no Brasil por refugiadas haitianas que moram no Rio Grande do Sul. Uma descrição que, anos atrás, poderia significar a revelação de mais um esquema de trabalho escravo na moda hoje é sinônimo de uma produção humanizada e 100% focada na sustentabi­lidade.

Os acessórios são da Volta Atelier, iniciativa de Fernanda Daudt, consultora gaúcha radicada em Nova York. Com background de anos trabalhand­o embrenhada no setor calçadista da Região Sul, veio dela a ideia de somar fatores que estavam no ar para criar algo que fizesse sentido para um novo – e mais correto – consumo.

“Chegou um momento em que não tinha mais graça trabalhar com moda, mas, ao mesmo tempo, sempre quis ter uma marca. Então precisava ser algo que realmente fizesse sentido”, reflete ela. O amor pelas manualidad­es e o trabalho pregresso com artesãos, na Assintecal, aliaram-se a seu olhar sobre o desperdíci­o da manufatura de itens de couro, e não só aqui. “Eu visitava diversas fábricas na China e sempre havia aquela montanha de resíduos nos fundos. Era muito impression­ante.”

A constante quantidade de descartes da indústria começou a dar forma à Volta, em 2017. Na busca por um propósito, criou o projeto de fazer bolsas utilizando-se apenas dessas sobras de matérias-primas. A mão de obra foi resolvida com o fluxo de imigrantes do Haiti que têm entrado no Brasil na última década – parte deles chega até Caxias do Sul, onde Fernanda morava, atrás de empregos nos parques fabris locais.

“Entrei em contato com o Centro de Atendiment­o ao Migrante, uma ong que os ajuda a se estabelece­r por aqui. As mulheres dificilmen­te teriam trabalhos regulares, seja por conta de filhos pequenos em casa, seja do machismo dentro da família. Selecionam­os algumas delas, que receberam um treinament­o e se revelaram ótimas artesãs – e estão conosco até hoje.”

De Nova York, Fernanda organiza o fluxo entre a caça aos couros e a produção, em que todas as peças são costuradas a mão pelas artesãs da Volta – com direito à assinatura de identifica­ção nas etiquetas. O resultado são nove tipos de bolsas e mochilas, que são vendidos em quase 60 lojas pelos EUA e agora chegam com modelos exclusivos na plataforma brasileira 2Collab.

Apesar da feitura controlada, o sucesso da empreitada tem razão de ser: “As pessoas não acreditam que são todas costuradas a mão, de tão bem-feitas. E temos acesso a couros preciosos que são amostras dos curtumes e muitas vezes nem chegam à produção em larga escala”. Por isso, além de sustentáve­is, as criações da Volta se tornam cobiçadas pela pegada one of a kind.

Afinal, a escolha dos materiais segue apenas o bel-prazer do destino. “Eu não tenho como planejar coleções porque não sei a matéria-prima que a indústria oferecerá, nem a quantidade ou os tamanhos. Por isso, só trabalhamo­s com pronta-entrega. Às vezes até declinamos encomendas, pois as lojas querem uma determinad­a cor ou textura que não existe mais. Ao mesmo tempo, essa também é parte da graça da história.”

Em Nova York, a Volta faz parte da Flying Solo, loja/ showroom coletivo de marcas independen­tes que fica no Soho e desfila nos dias da NYFW. De lá, Fernanda vai planejando a expansão lenta e coordenada da marca, sem perder a mão da circularid­ade e da certeza de fazer um trabalho social transparen­te. “Nossa ideia é treinar esse grupo e colocar essas mulheres para trabalhar também para outras marcas. Não temos um discurso paternalis­ta, não estamos aqui para salvar ninguém. Pelo contrário, são elas que nos empoderam.”

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Bruna Tenório com as bolsas IPANEMA e NAVIGLI

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