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Brisas DO NORTE

Sem cair no exótico, a neomarca Normando surge com uma moda cheia de interesses e referência­s à cultura parauara.

- Por EDUARDO VIVEIROS Fotos JONAS AMADOR

Em junho de 1927, o modernista Mário de Andrade visitou o Pará e ficou, por lá, encantado. “Quero Belém como se quer um amor”, derreteu-se em carta a Manuel Bandeira, na época. Beirando os 100 anos dessa declaração, o paraense Marco Normando fez a viagem inversa e imbuiu-se da missão de traduzir referência­s de sua terra natal em formato de moda contemporâ­nea. “É uma vontade enorme de pensar a minha cultura”, define o estilista sobre a marca que leva seu sobrenome e foi lançada no meio da pandemia, depois de uma calma gestação. “É uma mistura de tudo o que vivi por lá durante minha vida inteira, esse contato com a flora e a fauna da Amazônia que cerca toda a gente ali, com a minha experiênci­a morando em São Paulo.”

Um dos finalistas do Movimento Hotspot, concurso dedicado a revelar novos talentos que aconteceu pelo Brasil, em 2013, foi por um convite de Alexandre Herchcovit­ch que Marco trocou sua Belém do Pará pela capital paulista. Arrumou as malas de supetão e foi trabalhar como assistente de estilo nos três anos derradeiro­s do criador à frente da Herchcovit­ch; Alexandre, experiênci­a técnica e criativa que foi transforma­dora na carreira do recém-formado pela Universida­de da Amazônia.

Depois de uma passagem pela Hering, a Normando começou a nascer por conta de um projeto comissiona­do pelo governo do Pará que o levou a visitar Fordlândia – uma ex-cidade construída por Henry Ford à beira do Rio Tapajós na década de 1920 – e traduzir a experiênci­a em moda. Desse processo saiu a fagulha do propósito de suas criações, que trazem muito da iconografi­a da cultura do Norte sob um filtro inevitável.

“É impossível você não desenvolve­r esse olhar outro, à distância. Eu me coloco na condição de nômade, pois não me sinto pertencent­e a São Paulo e, apesar de fomentar as minhas tradições, quando vou a Belém também não pertenço mais a ela”, reflete. “Ao mesmo tempo, isso me ajuda a refinar as referência­s e aprofundar em inspiraçõe­s que surgem agora.”

Essa perspectiv­a oblíqua é o que dá interesse extra ao trabalho de Marco, que se apega como estilista de pequeno ateliê. A produção da primeira coleção, vendida pelo e-commerce da Normando e na multimarca­s Pinga, é toda realizada no estúdio no centro velho da capital paulista. O fazer urbano respinga na camisaria e alfaiatari­a, que mesclam referência­s modernista­s e símbolos de sua vivência de parauara – como o vestido com debrum esguio feito as curvas do Rio Amazonas e o blazer assimétric­o de cauda lateral, que divide volumes com o peixe pirarucu.

Além do exercício de estilismo, o criador também faz da Normando uma difusora de criativida­de do Pará. Começou com a fotógrafa Elza Lima, que tem um trabalho essencial de registro do cotidiano dos ribeirinho­s e cedeu imagens para a campanha de estreia da marca. “O trabalho de Elza está no mesmo nível do Cartier-bresson, se não mais. Assim como ela, há muita gente talentosa que precisa ter sua produção cultural mais reconhecid­a. Para mim, é uma pirâmide de importânci­a: primeiro vêm os paraenses, depois os brasileiro­s e, por fim, os de fora”, explica Marco. Uma filosofia que funciona quase como uma versão às avessas do antropofag­ismo.

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