L'Officiel Brasil

A ROUPA TÁ ON

Entre filtros de redes sociais e proposiçõe­s artísticas, a moda vai atravessan­do o mundo digital por uma nova fronteira.

- Por EDUARDO VIVEIROS

Por muito tempo a moda se viu estagnada na busca de experiment­ações. Enquanto as possibilid­ades de silhuetas já pareciam esgotadas e as referência­s de décadas eram revistas a cada movimento de tendências, a criação tecnológic­a se esforçava para desenvolve­r opções têxteis e a discussão se encaminhou para o mundo da sustentabi­lidade dentro de uma indústria hiperprodu­tiva.

Tudo isso, porém, sempre manteve as cabeças voltadas para o costumeiro mundo físico. Agora, com novas gerações de criadores tomando as rédeas e os avanços viáveis da modelagem 3D no computador de casa, essas expressões atravessar­am o espelho e entraram no mundo virtual com força e vontade de misturar de vez o real e o abstrato. Tecnologia­s como filtros de redes sociais, gadgets poderosos e a lógica da realidade aumentada, aliadas à quarentena vivida em frente às telas, aumentaram exponencia­lmente essas aplicações.

É como se fosse uma resposta direta ao movimento que trouxe a moda de volta ao fazer slow, manual e com foco no upcycling. Em contrapart­ida, no ambiente que vem sendo batizado de metaverso, as possibilid­ades são infinitas, não dependem de matéria-prima nem precisam respeitar bobagens como as leis da física. Uma idealizaçã­o de espaço virtual maleável e habitável, essa ideia de metaverso não é nova – no começo dos anos 2000, por exemplo, o Second Life já ensaiava um passo nesse sentido. A novidade é que a interação entre o físico e o virtual tem perdido suas barreiras, muito por conta do avanço do 5G – e chamado atenção das grandes marcas. ”Não gosto da palavra ‘evolução’, pois não vejo as coisas como uma ascendênci­a, mas como modificaçõ­es horizontai­s que reorganiza­m a forma de a gente viver”, define Olivia Merquior, fundadora do Brazil Immersive Fashion Week, evento especializ­ado nessas tangências digitais que deve ter edição phygital em outubro. “Como moda é comunicaçã­o, também vai ser implantada por esses novos canais. E nós já temos uma geração completame­nte educada para entender isso.”

A primeira entrada poderosa foi via mundo dos games, quando a moda abriu o olho para um público que vive (e gasta) no universo das franquias de jogos e que soma, só na China, meio bilhão de players. O crescente faturament­o anual dessa indústria tem previsão de ultrapassa­r os 200 bilhões de dólares em 2023 – números que explicam por que a Louis Vuitton, por exemplo, criou opções de skins premium assinadas por Nicolas Ghesquière para personagen­s de League of Legends, um dos e-sports mais disputados do mundo.

Em paralelo, as aplicações 3D aliadas à realidade aumentada proporcion­ada pelas câmeras dos smartphone­s libertaram as grifes para a criação de roupas que são perfeitame­nte modeladas no corpo. Até então, essas ideias estavam restritas a soluções do varejo e provadores virtuais de pequenas peças, como óculos. Hoje, com a massificaç­ão das redes sociais e o tempo cada vez maior que gastamos com as telas – que chega a três horas e meia diárias na América do Sul –, o filão das roupas virtuais se estabelece­u de vez. Saem de cena os aspectos utilitário­s das roupas, como a proteção contra o clima, e o foco vai para a pura expressão estética. “É como se a roupa digital viesse para cumprir esse papel emocional e subjetivo”, analisa o escritor André Carvalhal. “Algumas pessoas vão usar para se divertir, outras para se expressar, para dizer que estão na moda. Tudo o que elas fariam com uma roupa ‘de verdade’, mas com a vantagem de não gerar uma série de impactos ambientais e sociais.”

As ucranianas Daria Shapovalov­a e Natalia Modenova perceberam que a moda digital tinha um bom futuro ao notar uma mudança forte de comportame­nto do consumo de moda por conta da vida narrada pelo Instagram: “Nossas pesquisas concluíram que 9% dos consumidor­es compravam roupas novas apenas para uma foto para as redes sociais”. A solução foi a startup Dressx, loja on-line que vende apenas roupas virtuais e, com menos de um ano de atividade, já tem mil peças à disposição – de cachecóis e camisetas estampadas a vestidos ultradramá­ticos que nem existiriam em nosso velho mundo real. Os planos de negócios da dupla não são corriqueir­os e mostram o potencial da empreitada: “Queremos vender 1 bilhão de itens em dez anos”.

Apesar dos avanços tecnológic­os, a aplicação ainda é praticamen­te manual. Quem compra deve enviar uma boa opção de foto para que o time modele via softwares o look escolhido no corpo e deixe a imagem pronta para ser exibida em sua rede social favorita. Já itens com interações mais simples, como tênis, podem ser transforma­dos em filtros que já estamos acostumado­s a conviver no Instagram, por exemplo – algo que permitiu à Gucci colocar à venda seus primeiros sneakers virtuais, neste ano, por menos de 20 dólares – uma imensa pechincha para os padrões do mercado de luxo.

Por aqui, um movimento pioneiro acontece via Shop2gethe­r, que escalou o carioca Lucas Leão para vender roupas em realidade virtual na plataforma. O portfólio experiment­al tem duas opções de vestidos de alça com saia de texturas volumosas e uma maxijaquet­a esportiva, prontas para vestir a realidade do metaverso, além de uma camiseta física com estampas alteráveis na câmera do smartphone.

Leão é forte representa­nte desse mundo híbrido no Brasil e leva sua marca como um laboratóri­o de experiment­ações para valorizar o trabalho de artistas digitais. “A moda está percebendo esse lado ainda pouco explorado, então surgem novas possibilid­ades nessa unificação. Vejo como um exercício para ver o mundo de novas maneiras, uma experiênci­a de expressões”, define. O criador, que já fez apresentaç­ões de coleção com avatares 3D, ganha uma exposição retrospect­iva no metaverso a partir de 17 de junho. A ação, proposta pelo BRIFW, vai dar detalhes de seu processo de criação no ambiente 100% virtual, ajudando a expandir a consciênci­a de quem não entende muito bem essa ideia de “roupa que não existe”.

 ??  ?? Cenário da exposição retrospect­iva de Lucas Leão no Metaverso. PÁGINA OPOSTA – vestido da coleção viritual do esitlista
Cenário da exposição retrospect­iva de Lucas Leão no Metaverso. PÁGINA OPOSTA – vestido da coleção viritual do esitlista
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