ABRINDO PERMISSÕES
Fabio Costa exercita um pensamento singular dentro da moda, subvertendo os processos de criação em busca de uma roupa neutra.
Dentro da discussão atual sobre liberdade de gêneros na moda há um fator muito claro, que faz engasgar os ideais entre feminino e masculino: a própria construção das roupas. Regido por noções estabelecidas há décadas, esse fazer histórico tem uma fluidez limitada, especialmente em comparação a todo o espectro de corpos possíveis que a sociedade contemporânea vem assimilando. É nesse contexto que Fabio Costa, criador mineiro por trás da Notequal, se fortalece para adestrar visões viciadas sobre o assunto.
“Entendo que esse discurso por uma moda sem gênero é o mesmo que tentar encaixar um conceito depois de tudo pronto. Se você faz um vestido e o fotografa tanto em um homem quanto em uma mulher, isso não é ser agender, mas fluido”, explica. “O esforço tem de ser em neutralizar a roupa, para que ela reflita o gênero de quem veste.”
Grande representante de uma possível moda pensada a partir do zero, Costa tem uma história acadêmica entre Belo Horizonte e Nova York, cidades onde se especializou em técnicas de costura e alfaiataria para construir sua visão de mundo. Agora, prepara a abertura de uma casa que reúne ateliê e loja ao lado do amigo e partner in crime, o designer de acessórios Carlos Penna, na capital mineira. É lá que, tomando o processo a mão do começo ao fim, ele vem refinando sua visão definitiva de uma produção indefinida. Processos, aliás, que são muito caros ao criador. “Eu nem considero que faço moda. Meu interesse maior é entender o que estou construindo. É daí que vem a neutralidade. O design não termina com a peça pronta: o ciclo só fecha realmente quando ela está vestida.”
O começo de seu entendimento veio a partir do viés masculino, em busca do traçado de um estilo que fizesse sentido a ele. “A primeira vez que fui a Nova York, nos anos 1990, era o ápice do grunge, dos clubbers. Nem digo que buscava influências ali, mas aquelas ideias de transgressão me ajudaram a elaborar uma linguagem própria”, lembra. “Anos mais tarde, ajudaria a resultar nessa junção de aperfeiçoar minha técnica e ter uma expressão híbrida de gênero, que aparecesse no estilo.”
Aprofundando-se nas teorias, Costa acabou projetando um método próprio de modelagem e medidas. Muito calcado nas teorias de proporções áureas, foi a abertura de um caminho que permitiu a ele conceber suas singularidades atuais, que vão além do simples agênero que o mercado tem tentado emplacar. “Não é uma moda feminina ou masculina, é simplesmente roupa. Meu estudo não foi para aperfeiçoar o entendimento entre os dois polos, mas achar na matemática uma curva que não ia denominar o gênero. Foi um estudo ergonômico que acabou criando uma moda responsiva.”
Mergulhado nesses seus anseios, o mineiro se coloca nesse papel de neutralidade de criação – tanto de expressão de corpo quanto de mercado. “A percepção sobre o meu trabalho depende muito dos pontos de intercessão de quem olha. Uma mulher clássica vê um vestido, uma mulher sexy vê um decote, enquanto uma mulher trans vê uma oportunidade de expressão de gênero – mesmo que todas estejam olhando para a mesma peça. Eu não tenho controle, e isso é muito interessante”, reflete.
As coleções, pensadas fora dos moldes tradicionais, são idealizadas dentro de seu ritmo e têm ganho novos ângulos no contato direto com quem veste – vantagens do novo ateliê, momento inédito para um criador que estava acostumado a produzir sem o feedback ao vivo da clientela, que pode ser intenso. “O espaço tem mudado minha perspectiva como marca. Do outro lado da experiência, clientes percebem que podem encontrar uma peça possível, pensada para o corpo e não dentro de uma grade preestabelecida.” Um caminho de futuro que passa muito longe da binariedade, ainda bem.