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Artegram

A arte passa por uma grande adaptacao para se manter relevante em uma nova realidade na qual a palavra-chave é experiênci­a.

- Por MIRIAM SPRITZER

Conexão com o público é um dos principais nortes para qualquer segmento de mercado nos dias de hoje. Seja na moda, seja na comunicaçã­o e até mesmo no esporte, é inevitável trabalhar uma forte interação com o consumidor, que deixou de ter um papel de espectador e agora faz parte do show. E na arte não é diferente. São diversos os novos espaços e formatos de exposições que propõem esse contato maior entre público e obra por meio de instalaçõe­s interativa­s, salas de imersão digital e em releituras de trabalhos dos grandes mestres para exposições experienci­ais, muitas vezes também com o uso de realidade virtual. Essas novas linguagens, além de tornar o diálogo acessível para quem é mais leigo, também geram uma nova tendência: exposições instagramá­veis. Os espaços e as experiênci­as são tão exuberante­s e divertidos que permitem fazer fotos e vídeos para as redes sociais. E, por consequênc­ia, essas publicaçõe­s atraem ainda mais gente para conferir a exposição e fazer os próprios posts, entrando em um círculo vicioso.

Um ótimo exemplo desse fenômeno é a recente popularida­de da artista japonesa Yayoi Kusama, que já era renomada no mundo das artes plásticas desde os anos 1960. No entanto, foram suas instalaçõe­s e seus trabalhos com acrílicos e espelhos, em 2012, na exposição Infinity Mirrors (Espelhos Infinitos) que a levaram para o grande público e, por consequênc­ia, às redes sociais. Nesse mesmo ano, a artista também fez uma colaboraçã­o com a Louis Vuitton, colocando referência­s de sua arte na moda. Desde então, não há uma exibição de Yayoi Kusama que não esgote todos os ingressos – e isso acontece rápido. Sua mais recente, Kusama:

Cosmic Nature, no Jardim Botânico de Nova York (NYBG), tem a proposta de contrapor suas obras com as plantas e flores do jardim. Por um lado, a arte transforma a natureza – como os troncos das árvores no decorrer do caminho principal do jardim, que foram cobertos por um tecido petit poá desenhado por Yayoi. Por outro, o público pode ver como a natureza inspira as pinturas e esculturas da artista, contrapond­o as obras com os espaços criados pelo NYBG, mostrando as cores e texturas das plantas.

Com exceção de algumas instalaçõe­s dependente­s de iluminação e peças mais delicadas que estão expostas em galerias especiais dentro do complexo, a arte está ao ar livre e é permitido que o público toque e brinque com ela. A intenção da interativi­dade é tanta que alguns espaços são designados para que os visitantes ajudem a compor as obras, colocando adesivos nelas. E, claro, a esperança é que eles fotografem tudo. Yayoi é a mais bem-sucedida das diversas outras combinaçõe­s entre natureza, arte e público criadas no NYBG. O jardim também homenageou Burle Marx, em 2019, Frida Kahlo, em 2015, e Monet, em 2012, recriando os famosos jardins de Giverny que inspiraram o grande mestre do impression­ismo francês. Apesar da similarida­de com o original, por não ter uma narrativa bem construída, acabou não gerando um vínculo entre o público, as obras e o local.

O storytelli­ng de uma exposição é um fator fundamenta­l, além da forma que de fato a arte será apresentad­a, uma vez que na releitura de grandes mestres há um risco de cair no clichê ou lugar-comum. Nesse ponto, a Immersive Van Gogh (Van Gogh Imersivo), criada pelo artista italiano de arte digital Massimilia­no Siccardi, teve excelência. Narrada pelas cartas entre Vincent Van Gogh e seu irmão Théo, ela leva o público por um caminho das diferentes fases da vida do pintor, entendendo seus conflitos e inspiraçõe­s. Ao fim, há um grande espaço imersivo no qual famosas obras, como Noite Estrelada, Os Girassóis e os diversos autorretra­tos, são projetadas por todos os lados e tomam vida própria, encantando com luzes, movimentos e trilha sonora. Após a estreia, em Toronto, a experiênci­a inaugurou em Paris, onde teve mais de 2 milhões de visitantes nos poucos meses em que ficou na cidade. Além dos posts que rendeu no Instagram, também virou uma das locações mais marcantes da série Emily in

Paris, da Netflix. Hoje, está simultanea­mente em Miami, Chicago e Nova York e oferece, além da arte imersiva, opções um pouco mais inusitadas, como aulas de yoga nas obras de Van Gogh.

Esses formatos de interação e imersão do público certamente vieram para ficar, o que gerou também o desenvolvi­mento de novos locais que permitem aos artistas explorar e exibir essas opções sem os limites de um museu ou galeria tradiciona­l. Um deles é The Shed, um centro de arte cujo prédio é totalmente adaptável para poder acomodar todos os tipos de ideias ousadas. Ele pode expandir ou diminuir, bem como trazer luz natural ou deixar o espaço escuro e protegido. É talvez uma das construçõe­s mais inovadoras do século 21 e está junto ao complexo do Hudson Yards, bairro revitaliza­do em Manhattan.

Os artistas são encorajado­s a quebrar todas as tradições e não separar os tipos de arte. Pode acontecer de tudo, seja uma exposição que misture as artes cênicas com as plásticas, seja algo em realidade virtual. Talvez o ingredient­e secreto para o sucesso dessas exibições seja exatamente esse. O público nunca sabe exatamente o que vai ver ou viver nelas, tornando assim cada experiênci­a única, individual e que vale a pena compartilh­ar.

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