Black power
A história da /AE2ĀFLHO traz 02'(/26 1(*5$6 que nunca tiveram sua vida contada – até agora. A seguir, seu legado na moda e muito mais.
Antes de existir Adut Akech, Naomi Smalls, Naomi Campbell ou ainda Grace Jones, várias modelos negras construíram um importante alicerce para as futuras gerações, quebrando antigas barreiras racistas. Por volta do fim dos anos 1960, amarras sociais estavam se desfazendo e rostos diversos começaram a ganhar espaço na mídia. Mesmo que na França a popularidade da artista ícone da época, Josephine Baker, tenha sido celebrada com sua presença em várias edições da
L’officiel, foi apenas em 1969, quando Sandi Collins começou seu trabalho na revista, que modelos negras passaram a fazer realmente parte de editoriais. E, apesar de seu trabalho ser um divisor de águas no mundo das publicações femininas, o nome Collins – e outros de modelos que foram pioneiras – ficou de fora da história da moda.
Em junho de 1970, Collins foi a primeira modelo não branca na capa da L’officiel. Vestida com uma roupa de banho Courrèges, Collins foi fotografada por Roland Bianchini, um colaborador frequente da L’officiel, ao lado de uma modelo branca não creditada. A capa saiu em um contexto carregado. Aconteceu um protesto nos Estados Unidos sobre a presença da modelo negra Donyale Luna, em 1966, na
Harper’s Bazaar, fotografada por David Bailey. Anunciantes sulistas retiraram propagandas da revista, o que teve grande impacto, seguido de uma derradeira proibição para que Luna nunca mais aparecesse no título novamente – uma decisão do proprietário da Bazaar, apesar de a ação de Hearst ter sido dirigida especialmente contra a carreira de Luna, o ato foi um exemplo dos obstáculos que dificultavam ou mesmo impediam a diversidade de cor em capas de revistas ou passarelas de desfiles. De repente, começou a ser possível tornar-se uma modelo negra, mas o racismo ainda usava suas amarras, impedindo o real sucesso.
Collins conseguiu, mesmo assim, fazer grandes avanços, tornando-se uma das primeiras modelos da alta-costura negra e a primeira com uma presença consistente nas páginas da L’officiel. Paco Rabanne selecionou Collins como uma frequente colaboradora, sempre conectada ao florescente movimento da moda do fim dos anos 1960 e início dos anos 1970. Graças a seu talento em dar vida àquelas novas formas da moda, Collins virou sinônimo fashion e uma indiscutível figura importante nas passarelas e nos editoriais de moda.
Seu papel pioneiro como modelo negra é incontestável, mas, ao mesmo tempo, foi totalmente não creditado. Enquanto Luna, sua contemporânea, foi lembrada como uma das primeiras modelos negras na alta-costura, não era prática comum na época dar os créditos às modelos que apareciam nas páginas da revista, deixando seu trabalho na maioria das vezes não atribuído. Collins acabou virando, mais tarde, um rosto conhecido
para amantes de publicações de moda vintage, mas, infelizmente, era erroneamente identificada, por anos, como sendo Diana Ross – o que ela admitiu encantá-la, apesar de preferir receber o devido reconhecimento por seu trabalho.
Collins teve sucesso trabalhando para revistas, como a
L’officiel, e para vários designers franceses. Ela se mudou para Paris, em 1966, principalmente por conta do racismo na América. Ainda levaria quatro anos de esforço e batalhas árduas como uma modelo negra iniciante de alta-costura para figurar na capa da L’officiel. E Collins não foi a única, durante os anos 1960 e 1970, que trilhou esse caminho de deixar a América em busca de uma indústria mais receptiva no exterior. Pat Cleveland, uma das mais conhecidas modelos negras da época, também escolheu trocar os Estados Unidos por Paris, em 1971, devido à recusa das revistas americanas em colocá-la na capa. Do outro lado do Atlântico, ela aterrissou na capa da L’officiel, em setembro de 1971, envolvida por um casaco de pele Christian Dior, fazendo dela a segunda capa com uma modelo negra, seguida por Collins, e a primeira a estampar a capa sozinha para a re
vista. Cleveland, que fazia parte da turma de Andy Warhol e passou seu tempo em Paris com outras figuras criativas e modelos como Antonio Lopez e Donna Jordan, dominava as passarelas de Paris.
Mais modelos negras seguiram esse caminho. No fim dos anos 1970 e 1980, a modelo da Martinica Monique-antoine
Orosemane, conhecida apenas por Mounia, começou seu trabalho como top model de alta-costura e a primeira musa de Yves Saint Laurent. Ao longo de sua carreira, ela ajudou a criar alguns dos momentos mais memoráveis de certos designers, recebendo aplausos calorosos ao desfilar, em 1978, a coleção Broadway Suit. Nas páginas de L’officiel, em 1980, também fotografada por Bianchini, Mounia escolheu suas peças favoritas da última coleção de Saint Laurent. Posando para a revista com um spencer clássico e segurando um charuto, ela exalava o glamour sedutor da época.
Amalia Vairelli foi outra pupila da equipe de Saint Laurent que modelou para a L’officiel durante sua carreira. Originária da Somália, Vairelli foi descoberta em uma pista de dança, em Paris, quando tinha 21 anos, antes de desfilar várias vezes para Saint Laurent, em 1980. Ela diz que foi o designer que a ajudou a entender como misturar vários materiais – habilidade útil quando começou a criar no mundo das joias. Vairelli continua a modelar. Recentemente, apareceu junto a seu filho em uma campanha para a designer francesa Marine Serre. Com características marcantes, persistência e uma beleza natural, esteve na capa da edição de primavera 2021 da L’officiel Itália.
Ainda resta muito trabalho a ser feito pela indústria da moda no combate ao racismo sistêmico. É preciso aumentar a contratação de modelos e criadores negros, de uma forma que ambos possam celebrar e apoiar a comunidade negra. Esses fatos anteriores deixaram uma marca inesquecível na moda: ao questionar o problema da representatividade nas revistas e nas passarelas, o trabalho delas desafiou o status
e deu origem a um movimento inclusivo na indústria.
As modelos negras continuam ampliando os limites e impondo mudanças. É mais importante do que nunca consagrar as histórias das pessoas que construíram os fundamentos dessa luta. Enquanto Cleveland, Vairelli e até mesmo a supermodelo Iman são presença constante na L’officiel e continuam a fazer trabalhos na moda mesmo depois dos anos 1970 e 1980, Collins rapidamente deu um passo atrás na alta-costura parisiense, diminuindo a visibilidade do público sobre seu trabalho tão importante. Hoje com 78 anos e há muito aposentada da vida de modelo, retruca com uma única declaração quando é perguntada sobre o reflexo de sua história no mundo editorial: “Trabalhar com a L’officiel
Paris traz uma única palavra a minha mente: retidão”.