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Firmando pontos

Nova curadora-adjunta de moda do Masp, Hanayrá Negreiros dedica-se a introduzir novos olhares necessário­s à pesquisa de moda nacional.

- Por EDUARDO VIVEIROS

Equilíbrio é uma palavra-chave muito forte nas falas de Hanayrá Negreiros. Parte de uma nova geração dedicada a remexer como olhamos para a história cultural brasileira, a pesquisado­ra de 29 anos assumiu neste ano o cargo de curadora-adjunta de moda na equipe do Masp e tem um bom desafio pela frente: pensar a terceira edição do projeto Masp Renner, que conecta artistas plásticos e estilistas para rechear o acervo de indumentár­ias do museu.

“O grande desafio é pensar a pluralidad­e da moda brasileira. Das pessoas que fazem essa moda, quem são esses corpos indígenas, negros e dissidente­s; conectar todas essas histórias”, reflete ela. “Meu foco é pensar as possibilid­ades das histórias da moda a partir dos Brasis e suas possibilid­ades diversas.”

Apesar de jovem, Hanayrá é pensadora de mão-cheia. De família de avó costureira e avô alfaiate, o imaginário do fazer das roupas a acompanhou desde sempre, levando a uma graduação em moda que beirou a desilusão: “As aulas de história da moda sempre me chamaram atenção, mas temos um estudo que é muito pautado em um olhar sobre o norte global, sobretudo França. Não há oureferênc­ias tras estéticas. Paque rece o Brasil é totalmente branco e se resume a Dener e Clodovil. Isso me frustrou muito”. O ponto de virada, após formada, foi sua introduao ção candomblé. A textura das roupas e o movimento dos trajes de terreiro abriram o caminho para o mestrado em ciência da religião pela PUC-SP, analisando as memórias da cultura negra por meio da indumentár­ia. “Encontrei meu lugar na pesquisa e no ensino, principalm­ente nas maneiras negras do vestir.”

A dissertaçã­o levou a cientista cultural para dentro do museu, como educadora sobre estéticas e presenças afro a partir do acervo, antes de adotar o novo título – que é bienal e já foi ocupado pelas editoras Patricia Carta e Lilian Pacce. “Minha entrada acaba mudando um pouco o perfil da curadoria. Elas são grandes nomes da moda brasileira, mas temos trajetória­s muito diferentes. No perfil físico, por serem duas mulheres brancas, mas também profission­almente, pois sou acadêmica”, pontua Hanayrá.

Agora sob sua responsabi­lidade, o projeto Masp Renner foi idealizado por Adriano Pedrosa, diretor artístico do museu, como uma continuaçã­o do acervo construído pela Rhodia na década de 1960. Naquela época, sob a batuta de Lívio Rangan, grandes artistas plásticos foram recrutados para criar peças que seriam desfiladas em grandes shows patrocinad­os pela tecelagem. Setenta e nove dessas peças fazem parte da reserva técnica do Masp – a lista inclui nomes como Heitor dos Prazeres, Willys de

Castro e Alfredo Volpi. A partir de 2017, o novo esforço rendeu diálogos entre artistas e estilistas contemporâ­neos – Walter Rodrigues com Detanico Lain, Andrea Marques com Beatriz Milhazes e Marcelo Sommer com Leda Catunda são alguns exemplos das cruzas firmadas nos últimos anos.

Uma exposição desses looks, ainda inéditos ao público, está sendo planejada para acontecer entre 2022 e 2023 – incluindo o resultado da curadoria de Hanayrá, que ela ainda guarda segredo. “Estamos navegando entre esses encontros, sempre pensando sobre esse Brasil em um contexto amplo, obviamente com participaç­ões importante­s das populações negra e indígena. E dialogando com o tempo e com as possibilid­ades de uma dimensão institucio­nal”, indica. “Gosto muito de uma carta do tarô que é a Temperança. É sobre temperar, equilibrar, colocar os ingredient­es para conseguir uma mistura mais homogênea e mais equilibrad­a. Sou atraída por esse caminho do meio.”

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PÁGINA AO LADO, DA ESQUERDA PARA A DIREITA – Túnica criada para a Rhodia em 1963 pelo estilista José Ronaldo com o pintor Heitor dos Prazeres, uma das favoritas da nova curadora. Vestido resultado do encontro de Gustavo Silvestre com Sônia Gomes, em 2020
ACIMA – Hanayrá Negreiros em frente a obras de Rubem Valentim e Abdias Nascimento, parte do acervo do Masp PÁGINA AO LADO, DA ESQUERDA PARA A DIREITA – Túnica criada para a Rhodia em 1963 pelo estilista José Ronaldo com o pintor Heitor dos Prazeres, uma das favoritas da nova curadora. Vestido resultado do encontro de Gustavo Silvestre com Sônia Gomes, em 2020

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