Firmando pontos
Nova curadora-adjunta de moda do Masp, Hanayrá Negreiros dedica-se a introduzir novos olhares necessários à pesquisa de moda nacional.
Equilíbrio é uma palavra-chave muito forte nas falas de Hanayrá Negreiros. Parte de uma nova geração dedicada a remexer como olhamos para a história cultural brasileira, a pesquisadora de 29 anos assumiu neste ano o cargo de curadora-adjunta de moda na equipe do Masp e tem um bom desafio pela frente: pensar a terceira edição do projeto Masp Renner, que conecta artistas plásticos e estilistas para rechear o acervo de indumentárias do museu.
“O grande desafio é pensar a pluralidade da moda brasileira. Das pessoas que fazem essa moda, quem são esses corpos indígenas, negros e dissidentes; conectar todas essas histórias”, reflete ela. “Meu foco é pensar as possibilidades das histórias da moda a partir dos Brasis e suas possibilidades diversas.”
Apesar de jovem, Hanayrá é pensadora de mão-cheia. De família de avó costureira e avô alfaiate, o imaginário do fazer das roupas a acompanhou desde sempre, levando a uma graduação em moda que beirou a desilusão: “As aulas de história da moda sempre me chamaram atenção, mas temos um estudo que é muito pautado em um olhar sobre o norte global, sobretudo França. Não há oureferências tras estéticas. Paque rece o Brasil é totalmente branco e se resume a Dener e Clodovil. Isso me frustrou muito”. O ponto de virada, após formada, foi sua introduao ção candomblé. A textura das roupas e o movimento dos trajes de terreiro abriram o caminho para o mestrado em ciência da religião pela PUC-SP, analisando as memórias da cultura negra por meio da indumentária. “Encontrei meu lugar na pesquisa e no ensino, principalmente nas maneiras negras do vestir.”
A dissertação levou a cientista cultural para dentro do museu, como educadora sobre estéticas e presenças afro a partir do acervo, antes de adotar o novo título – que é bienal e já foi ocupado pelas editoras Patricia Carta e Lilian Pacce. “Minha entrada acaba mudando um pouco o perfil da curadoria. Elas são grandes nomes da moda brasileira, mas temos trajetórias muito diferentes. No perfil físico, por serem duas mulheres brancas, mas também profissionalmente, pois sou acadêmica”, pontua Hanayrá.
Agora sob sua responsabilidade, o projeto Masp Renner foi idealizado por Adriano Pedrosa, diretor artístico do museu, como uma continuação do acervo construído pela Rhodia na década de 1960. Naquela época, sob a batuta de Lívio Rangan, grandes artistas plásticos foram recrutados para criar peças que seriam desfiladas em grandes shows patrocinados pela tecelagem. Setenta e nove dessas peças fazem parte da reserva técnica do Masp – a lista inclui nomes como Heitor dos Prazeres, Willys de
Castro e Alfredo Volpi. A partir de 2017, o novo esforço rendeu diálogos entre artistas e estilistas contemporâneos – Walter Rodrigues com Detanico Lain, Andrea Marques com Beatriz Milhazes e Marcelo Sommer com Leda Catunda são alguns exemplos das cruzas firmadas nos últimos anos.
Uma exposição desses looks, ainda inéditos ao público, está sendo planejada para acontecer entre 2022 e 2023 – incluindo o resultado da curadoria de Hanayrá, que ela ainda guarda segredo. “Estamos navegando entre esses encontros, sempre pensando sobre esse Brasil em um contexto amplo, obviamente com participações importantes das populações negra e indígena. E dialogando com o tempo e com as possibilidades de uma dimensão institucional”, indica. “Gosto muito de uma carta do tarô que é a Temperança. É sobre temperar, equilibrar, colocar os ingredientes para conseguir uma mistura mais homogênea e mais equilibrada. Sou atraída por esse caminho do meio.”