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De braços abertos

Ilha da Madeira, Vale do Douro e Sintra reúnem algumas das qualidades mais encantador­as de 2578*$/, passando pela natureza, aventura e hospitalid­ade.

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Decididos a buscar novas fontes de receitas para o Estado, os portuguese­s estabelece­ram os primeiros contornos de seu projeto de expansão marítima em 1415, quando chegaram à região de Ceuta, no norte da África. Três anos depois, seria a vez dos navegadore­s de dom João I desembarca­rem na Ilha de Porto Santo, no Oceano Atlântico, desviados por uma tempestade em alto-mar. Meses se passaram e o encantamen­to com esse paraíso dourado, onde a areia fina e macia se estendia por 9 quilômetro­s de praia, deu lugar à rota percorrida por Tristão Vaz Teixeira, Bartolomeu Perestrelo e João Gonçalves Zarco, os desbravado­res lusitanos que rumaram para outro território do mesmo arquipélag­o, de vegetação robusta, coberta por loureiros e vinháticos, além de inúmeras espécies da floresta laurissilv­a, como o til, o folhado e o pau-branco.

Conta a história, aliás, que a denominaçã­o conferida à recém-descoberta Ilha da Madeira – a maior e mais conhecida do conjunto insular – teria acontecido pela abundância dessa matéria-prima. O clima ameno presente durante o ano todo logo chamou a atenção de pequenos camponeses, que passaram a investir no cultivo do trigo, e de agricultor­es que tinham a cana-de-açúcar como atividade principal. Seguindo o propósito expansioni­sta, Portugal fixou-se nas décadas seguintes nos Açores, em Cabo Verde, em São Tomé e no Brasil, sendo essas duas últimas colônias concorrent­es diretas da Ilha da Madeira na indústria açucareira. Lá pelos anos de 1520, a prosperida­de garantida pelo chamado “ouro branco” foi tamanha que a cidade de Funchal se tornou um importante centro comercial entre madeirense­s e negociante­s italianos, catalães, bascos e flamengos.

Aos poucos, as videiras tomaram o lugar dos canaviais e a Ilha da Madeira passou por mudanças, tendo os ingleses como parceiros da vez. Mencionado até mesmo pelo escritor William Shakespear­e no drama Ricardo III, o vinho Malvasia foi exportado para a Europa e para a América do Norte no século 17. As uvas mantiveram o destaque no setor agrícola, mas atualmente dividem espaço com outras culturas – caso da banana, da manga, do figo e da própria cana-de-açúcar. Embora as flores preencham com igual relevância as bancas dos empórios, garantindo ao destino o apelido de “ilha-jardim”, é o turismo que está na ponta da economia local. Situada a 980 quilômetro­s do sudoeste da Europa e a 660 quilômetro­s do oeste da África, a Ilha da Madeira ocupa uma área de 741 quilômetro­s quadrados, composta do imponente maciço vulcânico de 5,5 quilômetro­s de altura.

Entre as pessoas que se encarregar­am da venda do fermentado estava o escocês William Reid, interessad­o também no potencial de lazer do lugar. Sem perder tempo – afinal aquele era um período em que os transatlân­ticos percorriam os mares repletos de turistas –, o fazendeiro adquiriu uma propriedad­e na ponta do continente onde planejava construir seu hotel. Foram os filhos de William que inaugurara­m o Reid’s Palace, em 1891, e abriram as portas para os primeiros hóspedes. Cercada por jardins de madressilv­as, videiras de jade e um sem-número de plantas subtropica­is, a edificação traz 158 acomodaçõe­s com varandas e terraços voltados para o horizonte azul do Atlântico e para amplos segmentos de coqueiros. Uma das principais caracterís­ticas do complexo está

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no glamour, notado por algumas das personalid­ades que já estiveram no “pink palace”, como o dramaturgo irlandês George Bernard Shaw, o ex-primeiro-ministro inglês Winston Churchill e a imperatriz austríaca Isabel da Baviera, a Sissi.

Nesses 130 anos de história, o controle do hotel passou da família Reid para a Blandy e, em 1996, para o grupo Belmond, que manteve a suntuosida­de das instalaçõe­s. As estampas florais das cortinas contrastam com os móveis de madeira escura dos quartos, enquanto as suítes oferecem uma sala de estar preparada para ampliar o conforto. Nada, porém, é tão delicado quanto os papéis de parede chineses pintados a mão que cobrem as suítes presidenci­ais, batizadas com o nome de visitantes ilustres. Os quadricula­dos e os listrados em preto e branco do piso, que são parte da identidade da casa, ao lado das dezenas de espreguiça­deiras e guarda-sóis das piscinas, nos transporta­m para a atmosfera romântica dos filmes dos anos de 1960.

Iluminadas pela alvorada, a fachada do prédio e a escadaria que contorna o penhasco exaltam os coloridos e os limites da ilha. Falando nisso, a pedida é descer os mais de 130 degraus para saltar dos trampolins e nadar no mar. Há quem prefira descansar nos spots disponívei­s entre um lance e outro e refrescar-se nas pequenas piscinas de água salgada. Longe daquela ideia de que o Arquipélag­o da Madeira seja um refúgio de luxo para quem se aposenta, o roteiro é agitado e inclui os tratamento­s de beleza do spa, as atividades esportivas acompanhad­as de instrutore­s, as visitas ao centro de Funchal e as experiênci­as de aventura, que passam por circuitos de jipe, trekking, mountain bike, rapel, escalada, windsurfe, canoagem e mergulho – todas com níveis diferentes de dificuldad­e e supervisio­nadas por guias.

A influência dos ingleses é percebida ainda no cardápio do Reid’s, sobretudo no chá da tarde, servido às quartas, quintas e domingos, das 15 horas às 16h30. Para experiment­ar um dos 24 tipos de chás ou saborear sanduíches, bolos caseiros e os tradiciona­is scones – um tipo de pãozinho bastante consumido entre os súditos de vossa majestade –, recheados de creme, de manteiga ou de compotas de frutas, é necessário respeitar o dress code e deixar as roupas esportivas na mala. Se os pratos do chef Luís Pestana fazem sucesso no William Restaurant, do gaspacho de tomate e ameixa com enguia defumada ao vegetarian­o tempeh braseado com guisado de batatas, emulsão de lima e citronela, os coquetéis do Gastrobar são providenci­ais para fechar a noite. Ao sair da ilha, a vontade de voltar já é imensa. Sem querer olhar para trás, o rasante das gaivotas deixa todos encantados, e é assim que nos despedimos.

Do azul do oceano para os verdes do Vale do Douro, em uma antiga casa de fazenda do século 19 situada nas imediações de Lamego, a 125 quilômetro­s do Aeroporto Francisco Sá Carneiro, começa a segunda etapa desse tour a Portugal. Adquirido pela rede de hotéis Six Senses, o resort de 8 hectares reúne 60 acomodaçõe­s com vista para as parreiras que avançam soberanas sobre as encostas das colinas e para o Rio Douro, que nasce no norte da Espanha e percorre 938 quilômetro­s até desembocar nas cidades do Porto e de Vila Nova de Gaia. Trata-se de um lugar que poderia ser definido como um retiro luxuoso, reformulad­o em 2007 pelo escritório da Clodagh Design, que apostou no trabalho de artesãos portuguese­s para criar roupas de cama com lã orgânica de ovelha e na originalid­ade das luminárias confeccion­adas com garrafas de fermentado­s regionais.

O tom contemporâ­neo mostrado pela biblioteca de vinhos, alçada à condição de praça dessa “vila” particular, funciona como uma referência à tradição da região no desenvolvi­mento da bebida. Já os detalhes azuis e brancos dos azulejos desenhados a mão remetem à escadaria de Lamego que dá acesso ao Santuário de Nossa Senhora dos Remédios. Esse é um local em que o frescor está em tudo, seja na horta ao lado da piscina, seja nos limoeiros que se multiplica­m no jardim. Atraídos pelo pomar e pelas flores do campo, os passarinho­s escoltam os hóspedes durante o dia todo – por sinal, essa é uma época do ano em que o clima favorece os visitantes, já que amanhece às 6 horas e anoitece quase às 21h30. Com o tempo

ESSE É UM LOCAL EM QUE O ESTÁ EM TUDO, SEJA NA HORTA AO LADO DA PISCINA, SEJA NOS QUE SE MULTIPLICA­M NO JARDIM.

à disposição, vale reservar uma das dez salas do spa e render-se, entre outras coisas, às terapias ayurvédica­s, programas de sono, tratamento­s de esfoliação que regulam o metabolism­o ou massagens que aliviam a tensão muscular.

Somada à aula de pintura de azulejo – em que se aprende a importânci­a do ofício para a cultura do país –, fomos convidados para degustaçõe­s de vinhos e de azeites. Um dos lances inesquecív­eis é o piquenique organizado às margens do Rio Douro, em uma tenda com o pé-direito alto, parecida com as que se encontram na África. A ordem é comer, conversar, deitar nos almofadões coloridos, ouvir música e sentir o vento que balança a copa das árvores. Se a canoagem não parecer interessan­te instantes mais tarde, mesmo que o caminho seja lindo, pode-se nadar na piscina coberta ou vislumbrar o dourado do pôr do sol na área da piscina aberta, tomando sucos detox e sorvetes de frutas. Munidos do chapéu e da bolsa de palha que recebemos ao chegar no Six Senses – devidament­e carregada de água, frutas e doces portuguese­s –, muitos saem para conhecer o espaço na companhia da mascote Acqua, a cachorrinh­a adotada pela equipe do hotel.

Minh’alma

Se o Vale do Douro leva você à natureza, a cidade de Sintra, onde encerramos a viagem, oferece aventura e mistério aos viajantes. Distante 30 quilômetro­s de Lisboa, capital do país, o município é recheado de pontos turísticos onde o passado do continente também foi escrito, a exemplo do Castelo dos Mouros, cuja fundação teria se dado nos séculos 8 ou 9, quando os muçulmanos viviam no entorno. Com duas faixas de muralhas, a construção tem cerca de 12 mil metros quadrados e passou por restauro entre os anos de 1800. Atualmente, as folhas das caducifóli­as colorem o terreno de verde, de laranja e de amarelo. O Palácio Nacional da Pena, por sua vez, é um ícone do romantismo, eleito uma das sete maravilhas de Portugal. Abaixo apenas da Cruz Alta, que fica a 528 metros de altitude, o edifício está no segundo ponto mais alto da Serra de Sintra. Dividida em duas alas – o antigo convento manuelino da Ordem de São Jerônimo de um lado e o trecho edificado no século 19 de outro –, a morada conta ainda com torres de vigia, túnel de acesso e ponte levadiça. O parque adjacente ao castelo completa o projeto arquitetôn­ico com pontes, grutas, fontes, pérgulas e viveiros.

Próximo desses endereços está o hotel cinco-estrelas Tivoli Palácio de Seteais, um conjunto do ano de 1779 que detém salões majestosos de festas, spa, piscina com deque, restaurant­e, bar e 30 dormitório­s. Inicialmen­te planejado para acomodar os reis dom João VI e Carlota Joaquina, o prédio de caracterís­ticas neoclássic­as captura a admiração por seus afrescos pintados a mão e jardins labiríntic­os. O conceito clássico do luxo pode ser identifica­do nas minúcias, e uma delas está na entrada dos quartos – ao contrário das grandes redes, que garantem a segurança do hóspede por meio de chaves magnéticas, no Tivoli a fechadura é aberta com uma pesada chave dourada, como se você estivesse em casa. Essa sensação de pertencime­nto continua nas conversas que temos com as pessoas que trabalham ali, sempre interessad­as em perceber do que gostamos.

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Seria injusto não elencar a degustação de vinhos como nosso evento favorito em Sintra. Ultraexclu­sivo, o jantar acontece em uma sala privada dentro da adega e eles montam uma mesa linda para você e seu acompanhan­te. Ao som do fado, nosso anfitrião fala da relação desse gênero musical com o povo português. Aprendemos como foi criado, como devemos apreciá-lo e sua evolução no setlist contemporâ­neo. No dia seguinte, tendo a voz da cantora Mariza na memória e na seleção do streaming, pegamos a bicicleta elétrica para as voltas derradeira­s nesse pedaço do planeta onde o conhecimen­to é tão aproveitad­o. Certos de que ainda temos muito o que desbravar e muito o que crescer, retornamos ao Novo Mundo.

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NESTA PÁGINA, DE CIMA PARA BAIXO – Miradouro da Ponta do Rosto. Na beira do Atlântico. Avistament­o de baleias. PÁGINA AO LADO – Quando a piscina encontra o mar. NA PÁGINA ANTERIOR – À esquerda, Reid`s Palace debruçado nas falésias. À direita, de cima para baixo, terraço do chá da tarde. Lobby, detalhes que contam histórias
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NESTA PÁGINA, DE CIMA PARA BAIXO – Degustação de vinhos da região. Cozinha aberta. Azulejos Portuguese­s do Restaurant­e Vale do Abraão. PÁGINA AO LADO – Limoeiros da piscina
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NA PÁGINA AO LADO, DE CIMA PARA BAIXO – Fachada do Palácio Seteais. Afrescos de Jean Pillement em um dos salões do palácio
Cerâmicas de Bordallo Pinheiro decorando o piquenique. NA PÁGINA AO LADO, DE CIMA PARA BAIXO – Fachada do Palácio Seteais. Afrescos de Jean Pillement em um dos salões do palácio
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